Por Lais Cattassini
Os números não escondem o sucesso do 13º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade: com cerca de 3.500 inscritos e mais de 100 trabalhos apresentados, o evento tomou conta da cidade de Natal, no Rio Grande do Norte, entre 8 e 12 de julho. O encontro de especialistas e profissionais da área de saúde promoveu um importante debate sobre atenção primária com o mote Não há SUS sem APS. Não há APS sem MFC.
De acordo com o presidente da SBMFC, Thiago Trindade, o Congresso foi uma oportunidade para trocar experiências e discutir políticas públicas. “Foi um momento de grande confraternização não só dos médicos de família e comunidade, mas de todos os profissionais de saúde que atuam na APS, estudantes de medicina, residentes e profissionais que vieram de outros países abrilhantar nosso 13º CBMFC. Estamos bem satisfeitos com essa troca de experiências e saímos desse congresso mais amadurecidos do ponto de vista de quais políticas públicas queremos para o País”, afirma.
Com a presença de convidados internacionais, os participantes puderam conhecer melhor o trabalho em medicina de família realizado em outros países. O presidente da organização mundial de MFC, Michael Kidd, levou referências sobre a prática ao redor do mundo e David Schmitz, membro da Wonca, falou sobre a medicina rural e a importância de levar profissionais a áreas mais isoladas, onde a população não costuma ter acesso à atenção primária. “Precisamos, inicialmente, pensar em ambientes que não possuem todos os recursos necessários. Temos que dar o máximo de nós mesmos. Você precisa dar o máximo de si. Essa é a essência da medicina rural. Isso é fazer a diferença”, afirmou Schmitz.
Ele, que é norte-americano, participou da conferência Educação médica, força de trabalho e acesso à saúde: colocar as pessoas certas, nos lugares certos, na hora certa. Durante o debate, o médico falou sobre o ensino da MFC nos Estados Unidos e as diferenças na prática da especialidade em relação ao Brasil.
A conferência Desenvolvimento profissional contínuo – A experiência canadense também colaborou para apresentar o que é realizado pela especialidade fora do Brasil. Jamie Meuser, do College of Family Physicians of Canada, explicou o processo de especialização em seu país, que exige dois anos de programa de treinamento após os anos de residência. O College of Family Physicians of Canada é o órgão de certificação profissional do país e, segundo Meuser, os aprovados no processo de certificação estão aptos a exercer a MFC e trabalhar com 90% ou mais dos problemas apresentados por pacientes. “Quando as pessoas têm problemas de saúde, logo pensam em seus médicos de família e comunidade. Isso faz com que os cidadãos os procurem porque sabem que podem contar com a atenção deles. Isso também faz com que os estudantes de medicina escolham a MFC”, contou.
Meuser destacou as mudanças geradas na prática da MFC quando o aprendizado é incentivado no Canadá: “Participação, satisfação e desempenho na prática clínica e saúde do paciente. Se a comunidade apresentou melhorias, se tudo isso ocorreu, é a comprovação de que o aprendizado teve uma mudança positiva. Você percebe que um desenvolvimento profissional é bem-sucedido quando está satisfazendo as necessidades que devem ser atendidas. Quando saímos de um congresso como esse, por exemplo, devemos analisar a eficiência e sucesso do aprendizado das informações recebidas. Não basta dizer que foi bom e que você gostou. É necessário questionar o que você fará com esse aprendizado. Esse raciocínio mostrará, de fato, como será aplicado o conteúdo recebido”.
A presença do órgão de certificação apresentou uma parceria da SBMFC com o colégio canadense. “A SBMFC está desenvolvendo uma parceria com o colégio canadense para o desenvolvimento contínuo, com possíveis intercâmbios para o próximo ano”, adiantou o ex-presidente e atual diretor de Titulação e Certificação da SBMFC, Nulvio Lermen Junior.
Além da presença de convidados estrangeiros, palestras de médicos brasileiros contribuíram para elevar a discussão sobre os desafios da medicina de família e comunidade em todas as regiões do País.
A mesa-redonda Experiências exitosas de APS no Brasil – Rio de Janeiro, Curitiba e Florianópolis promoveu debates sobre a atenção primária em cidades que são exemplos de sucesso. “O País precisa aprender com esses três municípios, que estão fazendo uma grande reforma em seus sistemas de saúde, com priorização da atenção primária da Estratégia Saúde da Família (ESF) com o médico de família e comunidade no centro dessas equipes”, avaliou Thiago Trindade, que coordenou a atividade.
Florianópolis (SC) foi a primeira capital com 100% de cobertura de atenção primária à saúde com a ESF. O médico de família e comunidade e secretário municipal de Saúde de Florianópolis, Carlos Daniel Moutinho Junior, apresentou a experiência. “Há 11 anos fazemos concurso com a exigência de titulação e residência em MFC. Além disso, temos um sistema que é regulado pela APS. Todo usuário do SUS precisa entrar na rede através de seu médico de família e comunidade para depois ter acesso aos outros níveis do sistema.”
Na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a cobertura de APS é, atualmente, de 60%. O secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz, falou sobre a reforma de saúde que ocorre na capital: “Não é mais possível pensar no sistema de saúde sem o médico de família e comunidade. Nosso principal avanço é ter a maior residência em MFC e o maior centro de prática e formação de alunos do País. São 140 vagas de R1. Nosso município investe no desempenho clínico, gestão do conhecimento, gestão da clínica e educação permanente”.
Em Curitiba (PR), o modelo de atenção à saúde tem foco no acesso, humanização, integralidade e resolutividade do atendimento. A APS é a principal porta de entrada e ordenadora do sistema. “Curitiba teve várias experiências de referência na atenção primária. Mais recentemente, a discussão está sendo focada em discutir uma APS acessível para não ter o papel de atenção aguda só nas Unidades de Pronto Atendimento”, explicou o então superintendente de Atenção à Saúde de Curitiba, César Monte Serrat Titton. Após o congresso, Titton assumiu a Secretaria de Saúde de Curitiba (PR). Confira a repercussão na página 10 (LINK INTERNO).
O 13º CBMFC serviu ainda para discutir a mudança do currículo na formação do estudante de medicina, como se dará o processo de universalização das residências em MFC no Brasil e também para discutir a carreira, o modelo e a qualidade da atenção primária.
Mais de 1.800 trabalhos científicos foram apresentados, um recorde para o CBMFC. “Isso mostrou a qualidade da nossa APS brasileira, que tem crescido bastante a cada edição do Congresso. Ficamos felizes por ter, neste ano, aberto as portas da produção científica. Esperamos que nos próximos congressos isso continue crescendo. Outra característica fundamental que marcou o 13º CBMFC foi a qualidade das mostras culturais. Foi muito rica a participação de todos os profissionais da APS”, afirmou Trindade.
Em 2016, acontece o Wonca Rio de Janeiro e, em 2017, o 14º CBMFC será realizado em Curitiba.