Hoje, dia 9, acontecerá o lançamento do livro “Saúde LGBTQIA+ – Práticas de cuidado transdisciplinar”, que conta com a organização de Ademir Lopes Junior, médico de família e comunidade, membro do Grupo de Trabalho de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da SBMFC e supervisor do Programa de Residência de MFC da FMUSP, Andrea Hercowitz, pediatra e hebiatra, professora convidada da Faculdade Israelita de Ciências da Saúde Albert Einstein e Membro da ONG Mães pela Diversidade e Saulo Vito Ciasca, médico psiquiatra, coordenador da área de saúde da Aliança Nacional LGBTI+ e Professor da Disciplina de Saúde LGBTQIA+ da UNINOVE.
A atividade virtual promovida pela editora Manole será a partir das 21 horas. Para participar, se cadastre gratuitamente no link: https://inscricao.manoleeducacao.com.br/webinar/?webinar_id=270#
Por ser o primeiro livro a abordar o tema no Brasil, a SBMFC convidou Ademir para uma entrevista sobre a importância de proporcionar esse conhecimento em um material específico para profissionais da área da saúde.
SBMFC: Como foi organizar o livro que proporciona conhecimento sobre um tema muito pouco abordado na medicina, desde a graduação até a prática clínica?
Ademir: O livro surgiu da necessidade de produzir um material que pudesse subsidiar a organização de disciplinas de graduação e residência médica no país em temas sobre sexualidade e saúde LGBTQIA+. Tanto eu, quanto Andrea e Saulo, que são os outros editores, estamos envolvidos em atividades de ensino e assistência e percebemos que, embora houvesse alguns livros estrangeiros sobre a saúde LGBTQIA+, não havia nenhum que contextualizasse à realidade brasileira.
SBMFC: Por ser o primeiro livro brasileiro que trata a saúde LGBTQIA+, qual sua expectativa em relação ao público-alvo?
Ademir: Acreditamos que esse livro possa dar maior visibilidade à temática entre os profissionais de saúde e que auxilie na expansão de disciplinas de graduação sobre saúde LGBTQIA+. Além disso, há uma seção do livro que propõe competências profissionais sobre saúde LGBTQIA+ para cada uma das especialidades médicas, incluindo a medicina de família e comunidade, e outras profissões da saúde, inclusive para a formação de agentes comunitários de saúde.
SBMFC: Ao todo, foram 140 colaboradores que construíram o conteúdo, organizado por três editores. Como foi a definição dos temas de cada capítulo e a seleção desses colaboradores?
Ademir: Tínhamos o desejo que esse livro fosse o resultado de um diálogo entre todas as pessoas envolvidas com o tema, como diversas especialidades médicas e profissões da saúde, pessoas que atuam na assistência, pesquisa, ensino e gestão, além daquelas envolvidas no movimento LGBTQIA+, e de todas as regiões do país. Buscamos garantir que em cada capítulo relacionado aos vários segmentos LGBTQIA+, também houvesse pelo menos uma pessoa com relação identitária com o tema.
Em relação à organização, o livro inicia com a narrativa de estudantes e pacientes LGBTQIA+ no sistema de saúde. A segunda parte traz informações sobre conceitos e fundamentos sobre orientação sexual, identidade de gênero, práticas sexuais dentre outros. Nessa seção também há um capítulo com lideranças religiosas, que demonstram como cada uma das doutrinas pode acolher a diversidade sexual e de gênero, e um capítulo sobre interseccionalidade, descrevendo a importância de se considerar aspectos como raça, gênero e classe na abordagem em saúde LGBTQIA+.
A terceira parte apresenta uma panorama geral sobre as políticas de saúde, demografia e LGBTIfobia das instituições de ensino e saúde. A quarta apresenta o ciclo de vida da pessoa LGBTQIA+ e a quinta inclui estratégias em saúde, como organização dos serviços, abordagem familiar, comunitária e psicoterapia afirmativa. A sexta seção oferece uma perspectiva dos cuidados em saúde sobre cada um dos segmentos LGBTQI+.
A abordagem de pessoas LGBTQIA+ que estejam em situações específicas também está incluída nessa parte, como aquelas em situação de prostituição, de rua, restrição de liberdade, refugiados e LGBTQIA+ com deficiência. A sétima seção foca sobre a sexualidade e cuidados reprodutivos, incluindo temas frequentemente negligenciados na formação, como sexo anal e uso de acessórios sexuais. Por fim, os problemas de saúde mais frequentes e suas especificidades na população LGBTQIA+ estão na seção oito, sendo que os cuidados clínicos e cirúrgicos para modificações corporais de pessoas trans estão na parte nove.
A seção dez traz uma discussão sobre saúde LGBTQIA+ e sua interface com outras áreas, como direito, bioética, cultura e ensino. E a última seção está dividida por profissões, descrevendo em tópicos cada uma das competências em saúde LGBTQIA+ esperada para as várias profissões da saúde.
SBMFC: Na sua opinião, por que o cuidado da saúde LGBTQIA+ é negligenciado na área médica?
Ademir: São vários os motivos, mas todos são variações da LGBTIfobia institucional e estrutural. A violência direcionada à diversidade da orientação sexual e identidade de gênero pode aparecer de formas, seja pela agressão direta (verbal ou física) e estigmatização das pessoas LGBTQIA+, seja por ausência desses temas no planejamento curricular ou nas discussões de caso. Poucos são os docentes que conhecem sobre saúde das pessoas LGBTQIA+, e muitas vezes realizam uma abordagem de maneira equivocada. Alguns docentes são bastante resistentes a incluirem os temas no curso, por preconceito e desconhecimento. Além disso, a própria escassez de material didático adequado é um dos problemas da ausência dessas temas na formação médica.
SBMFC: Fale um pouco sobre o papel e a importância da MFC no cuidado às pessoas LGBTQIA+ seja na assistência a esta população, no ensino e na pesquisa.
Ademir: A MFC é fundamental nos cuidados das pessoas LGBTQIA+. Estima-se que ao redor de 6-20% da população não seja cis heterossexual, portanto, todo MFC irá atender pessoas LGBTQIA+. Essa população tem maior dificuldade de acesso ao serviço de saúde e é nossa responsabilidade promover a equidade. Da mesma forma, por atuarmos na comunidade, somos agentes de transformação social para combater a violência que essas pessoas sofrem no cotidiano.
SBMFC: Além disso, como que um profissional já formado pode encontrar informações técnicas científicas para redução de danos e atendimento das demandas de saúde da população LGBTQIA+?
Ademir: Nosso livro contou com a participação de várias médicas e médicos de família de todo o país e pode ser uma referência para aqueles que desejam estudar o tema. Além disso, o Grupo de Trabalho de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da SBMFC tem produzido materiais, seminários e oficinas muito interessantes sobre o tema. Realizamos anualmente um seminário sobre Diversidade e Sexualidade que deve ocorrer agora em 2021. O protocolo de saúde trans para a atenção primária, elaborado no município de São Paulo, também é um material que pode ser muito útil para aquelas e aqueles que desejam aprofundar especificamente sobre os cuidados à população transexual.