Texto número 12 da série sobre 16 dias de ativismo contra a violência relacionada ao gênero, organizada pelo Grupo de Trabalho Mulheres na MFC, com apoio de outros GTs.
“Em reuniões do MS com pessoas de fora (deputados/vereadores/ sociedade civil), quando eu era a única mulher sempre achavam que era a secretária e que estava lá para fazer a ata da reunião.”
MFC anônima
“Reunião com orientador, ele comentando de uma assessora dele que estava indo bem em uma atividade… e ouço: ‘acho que ela deve tar querendo dar para alguém da equipe…’ ”
MFC anônima
A discriminação contra a mulher no mercado de trabalho é qualquer tipo de distinção, exclusão ou preferência injustificada que diminua a igualdade de oportunidade ou tratamento da mulher no emprego ou na profissão. Apesar da proibição constitucional, algumas situações ainda são comuns, como anúncios de emprego que excluem mulheres, assédio sexual, exigência de teste de gravidez e exclusão de mulheres que são mães.(1) Mulheres grávidas e mães são mais suscetíveis a punições disciplinares indevidas, dispensas discriminatórias e ao assédio moral.(2)
Essas barreiras “invisíveis” enfrentadas pelas mulheres, advindas da cultura ou de preconceitos muitas vezes inconscientes, impacta em oportunidades desiguais para mulheres, mesmo que tenham a mesma formação e disponibilidade para dedicar-se ao trabalho. Isso reduz a participação de mulheres em cargos de gestão, colegiados, no acesso a bolsas ou outros benefícios.(1)
A compreensão de que existem tarefas e lugares sociais diferentes e separados para homens e mulheres, chamada de divisão sexual do trabalho, se apóia em uma lógica binária que polariza gêneros em relação a sua capacidade e atribui maior valor às atividades consideradas masculinas e ao trabalho desenvolvido por homens,(1) o que é observado na diferença salarial: a renda média de homens é cerca de 30% superior à de mulheres. Mulheres negras trabalhadoras possuem uma vulnerabilidade somada, pois pessoas brancas têm rendimento médio 80% superior a pessoas pretas e pardas. (2) Mulheres idosas, com deficiência e LBT (lésbicas, bissexuais, transexuais e travestis) sofrem exclusão do mercado de trabalho e têm renda também desigual.
Essa lógica de desvalorização faz com que mulheres sejam mais submetidas a assédios morais do que homens, ou seja, a práticas que interferem na dignidade humana e nos direitos fundamentais, que humilham, que constrangem e resultam em prejuízo às oportunidades no emprego ou na expulsão do ambiente de trabalho.(1)
No ambiente de trabalho, mulheres estão sujeitas a julgamentos morais relacionados ao machismo e à misoginia, com tendência a ridicularizar e julgar a mulher pelo seu comportamento, roupas, maquiagem ou relacionamentos. Práticas violentas machistas são frequentes, como explicações desnecessárias (mansplaining), intromissão (manterrupting), apropriação de idéias (bropriating) e manipulação (gaslighting).(1)
Uma violência no ambiente de trabalho que ocorre principalmente contra mulheres é o assédio sexual. São condutas de natureza sexual sem o consentimento consciente e livre de vícios, como chantagem ou intimidação, por superiores hierárquicos, gerando vantagem sexual e desestabilização do ambiente de trabalho para outro empregador ou grupo.(1)
É também no trajeto para o trabalho ou universidade que a mulher pode sofrer violência, como a importunação sexual: crime que envolve ato libidinoso sem a autorização da pessoa, a fim de satisfazer desejo próprio ou de outra pessoa. Os casos de feminicídio acontecem na maior parte das vezes em dias da semana (68%) e durante o dia (39%), sendo que 8% ocorre no trabalho ou no seu trajeto.(1)
O assédio virtual (cyberbullying) são violências psicológicas e morais, praticadas on-line ou off-line. Esse tipo de violência no trabalho cresce a cada ano e é uma das 5 principais violações pelas quais usuárias de internet do Brasil solicitam ajuda contra crimes e violações dos Direitos Humanos (através do SaferNet Brasil: new.safernet.org.br/helpline).(1)
Na universidade, mulheres reconhecem sofrer mais violências perpetradas pelos homens (67%) do que eles reconhecem cometer (38%). Dados de uma pesquisa brasileira revelam que 56% das estudantes já sofreram assédio sexual nas universidades, 11% sofreram tentativa de estupro sob efeito de álcool, 10% sofreram violência física e uma em cada três deixou de fazer algo na universidade por medo de violência. Enquanto isso, 27% dos homens não consideravam violência abusar de uma mulher se ela estiver alcoolizada. O repertório de violência vividas por mulheres na universidade inclui diversas formas de violências moral e psicológica, como desqualificação intelectual (49%), colocar mulheres em ranking (24%) e repassar fotos ou vídeos (14%) sem sua autorização, além de humilhação, ofensa, xingamento por rejeitar investida de homens, trotes machistas e músicas ofensivas cantadas por torcidas acadêmicas. Na maioria das vezes o ambiente universitário não legitima as vivências das mulheres e desencoraja a visibilidade da violência. Na pesquisa, 63% das mulheres admitiram não ter reagido quando sofreram a violência.(3)
A repetição da violência, seja no ambiente de trabalho ou universitário, faz com que a vítima se sinta desamparada e não consiga reagir. Serviços de saúde podem agir pelo empoderamento das mulheres que sofrem essas discriminações, a partir da tomada de consciência da opressão sofrida e, consequentemente, com possibilidade de combate à desigualdade e à discriminação. Outras ações importantes são reconhecimentos de direitos e constituição de redes de apoio.(1)
Ambientes de trabalho e universitários precisam agir contra a perpetuação de comportamentos tóxicos e violentos, com ações que sensibilizem, capacitem e desconstruam os discursos de ódio (que promovem ódio e discriminação, muitas vezes através da relativização de comportamentos violentos) e a cultura do estupro (que naturaliza comportamentos violentos de natureza sexual e culpabiliza vítimas). É possível instituir campanhas, códigos de conduta, mecanismos de gestão por competências, normatizar atribuições dos cargos, garantir inclusão de avaliações horizontais ou 360, valorizar e estimular as trabalhadoras. O lugar de fala da mulher precisa ser respeitado nesses ambientes, ou seja, mulheres precisam ter espaço e protagonismo para se expressar em relação a seus sentimentos e experiências. Relatórios de impacto de gênero também podem ser utilizados para apontar a transversalidade dos direitos e as desigualdades no ambiente de trabalho.(1)(4)
Por Ana Paula Andreotti Amorim (http://lattes.cnpq.br/9681322712322938)
Referências:
(1) Procuradoria-Geral do Trabalho. O ABC da Violência Contra a Mulher no Trabalho. Ministério Público do Trabalho, 2020. [Internet] Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/cartilhas/o-abc-da-violencia-contra-a-mulher-no-trabalho/@@display-file/arquivo_pdf
(2) Daroncho L, Assis VS. O lugar da mulher trabalhadora. Correio Braziliense, 09/06/2018. Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/artigos/o-lugar-da-mulher-trabalhadora-1/@@display-file/arquivo_pdf
(3) Data Popular, Instituto Avon. Pesquisa Violência contra a mulher no ambiente universitário. 2015. [Internet] Disponível em: http://dev-institutoavon.adttemp.com.br/uploads/media/1523997913813-pesquisa%20instituto%20avon_2015%20(universidade).pdf
(4) Ministério Público do Trabalho. Manual de boas práticas para promoção de igualdade de gênero. Ministério Público do Trabalho, 2018. [Internet] Disponível em: https://mpt.mp.br/pgt/publicacoes/cartilhas/guia-para-fortalecer-a-insercao-e-ascensao-da-mulher-no-mercado-de-trabalho/@@display-file/arquivo_pdf