Violência contra migrantes e refugiadas

8 de dezembro de 2020

Texto número 19 da série sobre 16 dias de ativismo contra a violência relacionada ao gênero, organizada pelo Grupo de Trabalho Mulheres na MFC, com apoio de outros GTs. 

A população migrante enfrenta condições adversas e violações frequentes dos direitos humanos. Em uma das poucas crises midiatizadas, em 2016, somente no Mar Mediterrâneo, foram 5.143 mortes. Mesmo assim, os últimos anos foram marcados por intensos fluxos migratórios, com aumento progressivo. Segundo Relatório de Migração Global 2020, há 272 milhões de migrantes internacionais no mundo, correspondendo a 3,5% da população. 

Essa população vem passando por um processo de feminização. Em 2015, mulheres correspondiam a 48% dos migrantes internacionais. Atualmente, mais de 6 entre 10 migrantes são mulheres e crianças. Apesar de sempre presentes, as mulheres não eram contabilizadas como migrantes autônomas até 1970. Hoje, migram cada vez mais sozinhas, às vezes em busca de independência financeira, porém mais frequentemente de forma forçada. 

Uma imigrante forçada é uma mulher que se viu compelida a deslocar-se por condições estruturais (conflitos armados, crises econômicas ou ambientais, violências relacionadas ao gênero), e estas geralmente incidem sobre populações marginalizadas. Ser imigrante produz ainda mais vulnerabilização, que incide sob a forma de violações de direitos humanos, principalmente de mulheres e crianças. 

Infelizmente, muitas não alcançam a segurança que desejam no local de destino, pois continuam submetidas a discriminações relacionadas a seu papel social de gênero, que podem ser agravadas pelo status de estrangeira, tanto entre pares quanto pelo próprio Estado e instituições oficiais. Além disso, muitas mulheres sofrem ainda com novas desigualdades e opressões que não existiam no país natal, relacionadas à raça, cultura e/ou etnias.

Em geral, mulheres migrantes são submetidas a diversas ameaças e abusos ao longo de seu caminho. Segundo a ONU Mulheres (2017), 1 a cada 5 refugiadas sofreu algum tipo de violência sexual – número ainda subnotificado. O risco é maior se estão desacompanhadas, grávidas ou são idosas. Algumas foram repetidamente deslocadas, exploradas ou abusadas em busca de segurança. 

As principais violações de direitos humanos envolvem maus tratos, detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, sequestros, extorsões, abusos sexuais, abandono de pessoas, roubos violentos, tráfico de pessoas, recrutamento forçado e assassinatos. 

São as mulheres, principalmente adolescentes e adultas jovens, também as mais afetadas por práticas ilegais como tráfico de pessoas (muitas vezes de cunho sexual ou trabalhos análogos à escravidão), seja por rotas internacionais, mas também por rotas nacionais, muitas já conhecidas e mapeadas. As principais vítimas são as mulheres provenientes de bolsões de pobreza, com baixa escolaridade. Esse tráfico aumentou muito a partir da década de 1990.

Instituições estatais e não-estatais (como organizações do tráfico e crime organizado) são apontados como principais agentes de violências. Mesmo militares enviados para “Missões de Paz” da ONU são alvo de denúncias, totalizando – nos últimos 12 anos – cerca de 2000 denúncias de estupro, mais de 300 envolvendo crianças. 

No Brasil, em pesquisa realizada pelo Ministério da Justiça em 2015, 74% dos migrantes entrevistados revelaram sentir-se discriminados no acesso a serviços públicos e 18% havia sofrido violações de direitos humanos, principalmente no ambiente de trabalho e racismo. Porém, esses dados não trouxeram o recorte de gênero para análise. 

No que tange às políticas públicas, outros problemas das mulheres migrantes estão a invisibilização, pois não consideram o gênero na sua construção e implementação. Além disso, há falta de informação sobre gênero dos (poucos) programas de apoio a imigrantes.

Concepções estereotipadas das mulheres migrantes como passivas/submissas, principalmente se procedentes de culturas e países patriarcais e violentos, podem levar à naturalização da violência sofrida por essas mulheres e cegueira quanto às suas potencialidades e formas de superação.

Além de vulnerabilizadas, as mulheres migrantes tendem a procurar menos ajuda de órgãos oficiais quando expostas a situações de violência. A barreira linguística, falta de rede de apoio, preconceito sofrido pela condição de imigrante nos serviços de saúde, medo de re-vitimização, desconfiança quanto aos serviços estatais são fatores que desencorajam a denúncia. Essa situação é ainda pior para mulheres em situação irregular. 

Além disso, o enfoque nessas questões culturais pode levar a uma desresponsabilização do Estado por outras condições sociais, como emprego, moradia, saúde e educação.  

Sendo a violência já um assunto negligenciado, tal obscurantismo é ainda mais marcante quando falamos de mulheres, imigrantes, não brancas, irregulares.

Você tem mulheres imigrantes em seu território? Elas falam português? Por que migraram? Com quem migraram? Quais são os aparelhos de suporte social que elas podem acessar? 

Por Carolina Lopes de Lima Reigada – http://lattes.cnpq.br/7845295829367920

 

Referências Bibliográficas

1 – Neves, BS; Freitas, MH; Santos, LS. Violência doméstica e religiosidade na vivência e mulheres brasileiras imigrantes: percepções da psicóloga de um consulado-geral do Brasil em Portugal. Boletim Academia Paulista de Psicologia. 39 (96): 11-24. São Paulo, 2018. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/bapp/v39n96/v39n96a03.pdf

2 – ONU News. Número de migrantes internacionais no mundo chega a 272 milhões. Disponível em:  https://news.un.org/pt/story/2019/11/1696031#:~:text=O%20mundo%20hoje%20tem%20cerca,de%20m%C3%A3o%2Dde%2Dobra.

3 – Ministério da Saúde. Universidade de Brasília. Saúde, migração, tráfico e violência contra mulheres. O que o SUS precisa saber. Brasília, 2013. Disponível em:  http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/saude_migracao_trafico_violencia_saber.pdf

4 – Quintanilha, K; Cober, K. Violações a direitos das mulheres migrantes transnacionais: estudo de caso do projeto Todo migrante tem direito a informação. Seminário Internacional Fazendo Gênero 11 & 13th Women’s Worlds Congress (Anais Eletrônicos), Florianópolis, 2017, ISSN 2179-510X. Disponível em: http://www.en.wwc2017.eventos.dype.com.br/resources/anais/1499480248_ARQUIVO_Ensaio-OLHARESSOBREADIMENSAOPOLITICADASVIOLACOESADIREITOSHUMANOSDASMULHERESEMSITUACAODEDESLOCAMENTOFORCADOTRANSNACIONAL.KarinaeKim.pdf

5 – Duarte, M; Oliveira, A. Mulheres nas margens: a violência doméstica e as mulheres imigrantes. Sociologia. 23: 223-237. Porto, 2012. Disponível em:  http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0872-34192012000100012

6 – Vergueiro, ACB; Saad, CSS; Macedo, CM; Barrientos, DMS; Silva, LALB; Braga, PMFBraga. Percepção de mulheres imigrante sobre a situação de violência de gênero vivenciada: Revisão Integrativa. Investigação Qualitativa em Saúde. 2: 1600-1609. 2019.