Nas duas últimas semanas, a Terra Indígena Yanomami ganhou mais uma vez destaque na mídia após a ocorrência de conflito armado entre indígenas e garimpeiros com mortos e feridos nos dois lados (1). Tal fato traz a memória o massacre de Homoxi, único crime julgado como genocídio na história do Brasil, fruto de conflito entre os Yanomami e garimpeiros, em 1993 (2).
No mesmo período, foi divulgada a foto de uma criança de 8 anos com somente 12 kg (peso esperado para uma criança com cerca de um ano de idade), ou seja, um quadro de desnutrição grave, chamando a atenção para um problema crônico na região (3).
Na análise da situação de saúde do Subsistema de Atenção à Saúde Indígena do Sistema Único de Saúde (SasiSUS), publicada pela Secretaria Especial de Saúde Indígena (SESAI) do Ministério da Saúde (4), o Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami e Ye’kuana apresenta o maior índice de déficit de peso para idade: com 50,5% das crianças indígenas menores de cinco anos com baixo peso ou muito baixo peso para a idade. O déficit de estatura, também afeta gravemente as crianças Yanomami e Ye’kuana: 82,2% das crianças são classificadas como baixa estatura ou muito baixa estatura para idade. Segundo relatório final da pesquisa da Fiocruz encomendada pela UNICEF sobre determinantes sociais de desnutrição (5), anemia, também é um grave problema, afetando cerca de 68% destas crianças.
Paralelamente, cresce exponencialmente o número de garimpeiros ilegais na T.I. Yanomami, o que tem contribuído para a disseminação do novo coronavírus e aumento substancial da malária, outro problema endêmico na região. (6, 7) Além da contaminação por mercúrio nos rios, as infecções sexualmente transmissíveis e o uso abusivo de substâncias.
O Supremo Tribunal Federal, representado na figura do ministro Luis Roberto Barroso, determinou no dia 24 retirada ‘urgente’ de garimpeiros na Terra Indígena Yanomami (8), em resposta à Arguição por Descumprimento do Preceito Fundamental (ADPF) 790 encaminhada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), conforme embasado pela nota técnica elaborada pelo Grupo de Trabalho de Saúde Indígena da ABRASCO apresentada.
Tais fatos refletem a gravidade e a irresponsabilidade das políticas governamentais relacionadas à população indígena, bem como o sucateamento da assistência à saúde e os desafios intersetoriais que a Política Nacional de Atenção à Saúde aos Povos Indígenas enfrenta. Não há saúde indígena sem soberania do território.
Neste contexto, é fundamental refletir sobre o cuidado em saúde a esta população pelos potenciais impactos negativos dos serviços de saúde em comunidades indígenas de recente contato, pensando-se que o contato com sociedade envolvente para esses povos e um maior acesso a produtos manufaturados e alimentos processados geralmente estão relacionados com desestruturação do modo de vida tradicional e maiores índices de desnutrição infantil e de doenças e agravos crônicos não transmissíveis na idade adulta.
No momento em que se tramita na Câmara de Deputados um Projeto de Lei (PL 490/2007) que representa um grave ataque à soberania desses povos aos seus territórios (8), o Grupo de Interesse Especial em Saúde Indígena e a Diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) se aliam a todas e todos aqueles que lutam em defesa dos povos originários e à preservação e cuidado em saúde da população indígena e vem a público externar uma profunda preocupação com o projeto necropolítico e genocida em curso no nosso país.
Referência:
1) Terra Yanomami: clima segue tenso após conflito de indígenas e garimpeiros ilegais
(https://www.correiobraziliense.com.br/politica/2021/05/4924936-clima-tenso-apos-conflito.html)
2) MASSACRE DE HAXIMU – http://www.proyanomami.org.br/frame1/massacreHX.htm#geno
3) 8 anos e 12 quilos, a criança com malária e desnutrição que simboliza o descaso com os Yanomami no Brasil – https://brasil.elpais.com/brasil/2021-05-17/8-anos-e-12-quilos-a-crianca-com-malaria-e-desnutricao-que-simboliza-o-descaso-com-os-yanomami-no-brasil.html)
4) Brasil, Ministério da Saúde. Saúde indígena: análise da situação de saúde no SasiSUS / Ministério da Saúde, – Brasília : Ministério da Saúde, 2019.
5) Paulo C. Basta & Jesem D.Y Orellana. Pesquisa sobre os determinantes sociais da desnutrição de crianças indígenas de até 5 anos de idade em oito aldeias inseridas no Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) Yanomami, 2020. (disponível em: https://drive.google.com/file/d/15OA1frAey8kPSYrKTTL-Mdw9Uymt1nZ7/view?usp=sharing).
6) Escalada da violência, malária e covid ameaçam povo yanomami – https://www.terra.com.br/noticias/brasil/escalada-da-violencia-malaria-e-covid-ameacam-povo-yanomami,a56b7547b265fe9018bb23f5d72caf33v55z05ze.html)
7) Garimpo tem mais estrutura do que saúde, diz profissional que atende os yanomamis – https://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2021/05/garimpo-tem-mais-estrutura-do-que-saude-diz-profissional-que-atende-os-yanomamis.shtml?pwgt=kyzfcykj2uck888ejffkc199xuaamra9dlyokxdgnzqfmj9e&utm_source=whatsapp&utm_medium=social&utm_campaign=compwagift
6) Barroso determina retirada urgente de garimpeiros na terra Yanomani – (https://oglobo.globo.com/brasil/barroso-determina-retirada-urgente-de-garimpeiros-na-terra-yanomami-25032108),