A “TeatrAula” do dramaturgo, ator e diretor Ricardo Guilherme apresentada marcou o encerramento do 17º Congresso Brasileiro de Medicina de Família e Comunidade (CBMFC), em 23 de setembro, no Centro de Eventos do Ceará, na cidade Fortaleza.
Este formato de espetáculo é uma vivência que une teatro e vida real, envolvendo ator e espectadores. Estes, por meio da leitura de textos de diversas autorias, interpretam ideias e ideais acerca das dimensões de cuidado coletivo e saúde comunitária. Saiba mais sobre o formato aqui.
Abaixo um trecho da TeatrAula de Ricardo Guilherme.
“Eis o médico de família e comunidade: um educador, um Doutor Paulo Freire, de jaleco, a abordar, a transbordar a referência da vida, contextualizando situações cotidianas, um freireano deflagrador de processos sociais a fazer conexões entre a realidade ordinária e a irrealidade extraordinária que deve vir a ser.
A prática médica, familiar e comunitária, requer aprendizagem e auto-aprendizagem, criticidade e criatividade, ciência e consciência, paciência e impaciência, convivência e incumbência, experiência e emergência, premência e urgência, invenções e reinvenções, intervenções sócio-políticas de ideias e ideais, a produção de saberes em três dimensões: a vivência, a episteme-experimento e a Doxa-opinião, de modo a se contrapor a uma mentalidade autoritária que pressupõe a negação das diferenças individuais, culturais e sócio-econômicas, mentalidade que privilegia os saberes monolíticos, imutáveis, em detrimento do conhecimento dinâmico que acontece da interação individuo família/escola/comunidade.
Neste contexto o médico de família e comunidade atua nos campos da instrução e da educação informais. É um instrutor, um pedagogo, não o pedagogo da educação que Paulo Freire chamou de bancária na qual o professor faz “depósitos” de conhecimento no aluno, que os recebe passivamente, sem problematizacoes de conteúdo. (…)
Se como preconiza Paulo Freire a educação formal sozinha não transforma a sociedade, se faz necessária a informalidade educacional do médico de família e comunidade porque a sua orientação transfere conhecimentos de saúde e cria possibilidades de produção desses conhecimentos, na pratica comunitária. Na prática do médico de família e comunidade persiste algo que Paulo Freire denomina de “inédito viável”. Ou seja, uma futuridade a ser construída pela transformação do presente. É o que ainda é tentando vir a ser o que ainda não é, na perspectiva do vir a ser, a perspectiva do que ainda será.
Algum paciente impaciente poderá argumentar que esse fazer dialógico de uma consulta médica, nessa estetoscópica relação no consultório, é um mínimo, é o mínimo que se pode fazer diante da complexidade sócio-política desse complexo de tarefas , para tornar não inédita mas viável a transformação. Sim. Talvez seja um mínimo, o mínimo possível. Mas diria o doutor Paulo Freire, sem jaleco mas com seu estetoscópio a escutar o coração do mundo: a história se faz de mínimos, a história se faz de muitos mínimos para se atingir o máximo.”