SBMFC: Qual o conceito de P4?
Hamilton Wagner: Inicialmente prevenção quaternária foi cunhada para evitar excessos da prática em saúde, que ocasionam mais danos do que benefícios. Podendo afetar desde rastreamentos que não oferecem vantagem ou melhora da qualidade de vida e causam sofrimento; mas também tratamentos que prejudicam a qualidade de vida sem que isto ofereça vantagens clínicas – ou mesmo cause danos; e ainda evitar tratamentos que causam sofrimentos em doenças já avançadas – sem que isto leve a prolongamento digno da vida.
Hoje também é definido como uma prática ética e respeitosa aos pacientes e suas famílias, compartilhando decisões e usando evidências clínicas de consistência e qualidade na busca de uma melhor atenção para a saúde.
SBMFC: Além da MFC, alguma outra especialidade utiliza esse tipo de prevenção?
Hamilton: Em verdade o conceito é aplicável a todas as especialidades médicas, e há movimentos que utilizam conceitos afim, como por exemplo o Choosing Wisely que em todas as especialidades tenta evitar práticas inadequadas e desprovidas de evidências.
SBMFC: Nas universidades, há uma disciplina que ensine aos alunos sobre P4?
Hamilton: O tema é abordado nas disciplinas de epidemiologia e em medicina baseada em evidências. Mas a verdade é que muitas escolas ainda não abordam o tema.
SBMFC: No dia a dia, com os colegas de profissão, é difícil contextualizar sobre os excessos de exames e procedimentos?
Hamilton: O conceito teórico é de fácil aceitação, o difícil é questionar as práticas vigentes. Muitas vezes estas são baseadas em evidências inadequadas, mas mudar rotinas e procedimentos é algo bem difícil.
SBMFC: No Brasil, temos uma cultura sobre check-ups, acompanhamentos e procedimentos assintomáticos, há dados sobre como essa rotina começou no país?
Hamilton: Em verdade isto é baseado em intuição e marketing, há interesse de médicos e serviços em vender isto como algo que faz bem à saúde, mesmo que fortes evidências científicas digam que check-up causa mais danos do que benefícios.
SBMFC: Além disso, é possível mudar essa cultura de excessos na medicina?
Hamilton: Sempre vamos esbarrar na questão do “para que se faz medicina”. A medicina centrada nas pessoas e buscando melhorar qualidade e quantidade de vida estará sempre aberta a este tipo de conceito, e acolherá bem a revisão de procedimentos que não se mostram úteis às pessoas. Mas quando falamos de medicina que visa lucro, ai é necessário realizar os investimentos feitos em tecnologia e formação. Para estes rever práticas pode ser algo muito difícil.
SBMFC: Hoje, em qual contexto a P4 é aplicada?
Hamilton: Para os que conhecem e estão comprometidos, usa-se em todos atendimento, empoderando os pacientes e evitando o uso excessivo de tecnologias e intervenções.
SBMFC: Como um médico pode abordar um paciente que deseja fazer procedimentos de rotina que seriam desnecessários, a partir do histórico individual dele?
Hamilton: Sempre é necessário ouvir as ansiedades e preocupações de quem pede exames, há muita informação conflitante na imprensa e mesmo de serviços que vendem estes procedimentos. A pessoa deve ser informada de eventuais vantagens e prejuízos que os exames podem ocasionar e pactuar a melhor maneira de cuidar da saúde, para se obter mais qualidade e quantidade de vida. Muitas vezes terminamos em uma dieta mais saudável, enfrentamento de vícios e hábitos nocivos, melhoria da prática de atividades físicas e investindo numa melhor comunicada intrafamiliar – tudo isto com muita evidência de melhoria na qualidade de vida das pessoas.
Como é participar do GT de P4 da SBMFC?
Hamilton: O GT busca filtrar e analisar as evidências e rotinas propostas, refletindo sobre como levar informação de qualidade aos colegas. Além disso trabalhamos uma pauta de congressos próprios ou ligados as demais atividades da SBMFC – fomentando a reflexão e agregando novas pessoas.
Indicaria artigos ou alguma literatura sobre o assunto?
Hamilton: Há um artigo recente escrito pelo Dr Armando Norman sobre o tema, e há dois anos houve um número inteiro da RBMFC dedicado ao tema. São boas fontes. Para os que preferirem buscar a fonte, Há alguns artigos do Marc Jamoulle sobre o tema – lembrando que é este autor belga quem cunhou e difundiu este conceito internacionalmente.
Para acessar:
RBMFC: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/issue/view/44
Artigo Dr. Armando Norman: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1011
Marc Jamoulle: https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/867
SBMFC: Gostaria de compartilhar/complementar mais alguma informação?
Hamilton: Cada vez mais a prática da medicina é complexa, lidamos com muitos interesses econômicos que nem sempre são aparentes. Exemplo disto é o forte patrocínio que a indústria faz a muitas entidades médicas e de pacientes, gerando ondas de pressão para agregação de novas tecnologias e medicamentos – muitas vezes com custos exorbitantes e nenhuma evidência concreta de melhora. A cada ano mais medicamentos são tirados de circulação pelos riscos e danos que causam. A prática de uma medicina ética e centrada no bem estar do paciente – centro do conceito de prevenção quaternária – é fundamental para este sucesso. Creio que cada vez mais P4 estará nas nossas agendas.
Hamilton Lima Wagner é Mestre, Médico de Família e Comunidade, Preceptor do Programa de Residência Medica da Prefeitura de Curitiba, Membro do Grupo de Trabalho de Prevenção Quaternária da SBMFC.