Denize Ornelas* é médica de família e comunidade, diretora de comunição da SBMFC, coordenadora do GT Mulheres na Medicina de Família e Comunidade.
Denize: Não! O leite materno nunca é "fraco" e apesar de ser uma frase muito comum, ela não é verdade. É importante esclarecer esse mito porque muitas mães ouvem essa frase e se preocupam, sendo fundamental o médico afirmar que cientificamente o leite materno sempre tem os nutrientes necessários para nutrição e manutenção da saúde do bebê.
Por mais que a composição do leite de cada mãe seja diferente, variando inclusive conforme a hora do dia, o leite materno tem componentes ideais para saciar a fome e a sede da criança, além de proporcionar a imunização passiva com anticorpos e células de defesa para prevenção de doenças, elementos que só o leite materno possui.
Segundo o artigo "Dificuldades no aleitamento materno e influência no desmame precoce", o leite fraco é um fator cultural, um mito, pois a grande maioria das mulheres produz leite suficiente para sustentar a criança. Esta percepção errônea pode estar vinculada ao desconhecimento das mães quanto aos valores do seu leite, sobre como o leite materno é produzido e liberado pelas glândulas mamárias e ao fato de relacionarem o choro do bebê à carência de alimento, o que nem sempre é verdadeiro.
SBMFC: Mas se o leite não é fraco por que os bebês precisam mamar tantas vezes seguidas?
Primeiro, o volume do estômago dos bebês recém-nascidos é muito pequeno, precisando então de várias mamadas para conseguir obter a quantidade adequada de nutrientes. Como o crescimento do bebê, o tempo entre as mamadas tende a aumentar pois o estomago cresce, e o tempo entre as mamadas passa a variar nas fases de salto e crises de crescimento, em que a demanda pelo leite também cresce.
Segundo, a amamentação frequente faz com que a produção de leite seja maior, então, quanto mais se amamenta, mais leite se produz e essa regulação da quantidade produzida e ingerida vai depender de cada dupla mãe-bebê. Quando o bebê chora, mesmo após a amamentação, é porque ainda não está satisfeito ou há algo que o incomoda, que pode ser desde a temperatura, necessidade de troca de fraldas ou outro problema que ainda não foi percebido pelos pais, muitas vezes sendo apenas um reflexo do desconforto do bebê com a adaptação a vida extra-uterina. Esses três primeiros meses do recém nascido são conhecidos como extero-gestação e nessa fase o bebê está se adaptando os estímulos trazidos pela vida fora do útero: sons, cheiros, barulho.
Terceiro, os bebês tem uma necessidade de sucção fisiológica grande ao nascer que também é instintiva da espécie pois bebês humanos nascem incapazes de se locomover e proteger de perigos. O bebê quando está no seio materno está aquecidos pelo corpo dela regulando sua temperatura corporal, correndo menos risco de desidratação, por exemplo. É importante que se incentive esse momento que é algo muito mais que nutrição, mas sim uma troca de amor, afeto e conexão com o bebê.
Assim, se médicos prescrevem logo fórmulas para complementação do aleitamento porque os "bebês choram demais" ou indicam o uso de bicos artificiais para acalmar o bebê, a construção desse equilíbrio delicado é rompido e pode mais atrapalhar do que ajudar a progressão do aleitamento materno em livre demanda. Se após esclarecer os pais e adotar medidas para melhorar a adaptação da família o choro frequente persistir, outras causas do choro serão investigadas.
SBMFC: Então é um erro comum a introdução de fórmulas artificiais sobre a justificativa de "leite fraco" ou "bebe que chora demais"?
Sim, principalmente nos bebês recém nascidos, é necessário fazer um melhor manejo da amamentação e da rotina da família antes de prescrever a fórmula. Um dos principais motivos para a prescrição inadequada é a não observação da mãe amamentado e não melhorar o processo, visto que pode ser a posição e/ou a “pega” incorretas acarretando mamadas insuficientes , levando a perda de peso ou o ganho abaixo do esperado.
Também é fundamental investigar como estão as condições em que a mãe está aleitando: a recomendação da livre demanda se aplica sem restrição de tempo das mamadas, regulação de tempo em cada seio ou do intervalo entre elas pois é fundamental garantir que o bebê esteja mamando sempre que deseje para ser nutrido com o leite anterior, rico em água e anticorpos e também em leite posterior, rico em gordura.
SBMFC: Quais são as principais dificuldades no início da a amamentação?
Denize: Muitas mães desistem do aleitamento materno devido a não encontrarem apoio para os problemas com a adaptação ao processo desde o nascimento do bebê. Temos sempre que ressaltar a capacidade das mulheres em nutrir seus filhos e se for seu desejo, apoiá-las na superação de problemas pois não basta apenas vontade e instinto, quase sempre é preciso orientação e suporte.
Alguns bebês não pega bem o mamilo para sucção, causando dor, inchaço e machucados nos seios e frequentemente se colocam os intermediários de silicone ao invés de corrigir a pega. Logo no início, imediatamente na fase pós-parto, muitas vezes falta orientação sobre o que é o colostro e como se dá a apojadura e as mulheres se desesperam achando que o leite "é ralo e não desceu". Nesse começo, a introdução da formula artificial vai prejudicar a produção por estimulo inadequado.
Denize: Para evitar as fissuras o bebê deve mamar não só pelo bico do seio, mas deve abocanhar boa parte da auréola. Caso isso não aconteça na primeira tentativa primeira, deve-se remover o bebê do seio delicadamente e tentar novamente. Caso já tenha tenha feridas, o próprio leite possui ação antibactericida e pode ajudar na recuperação, por isso a orientação é não lavar os seios antes ou depois da mamada, mas passar o próprio leite, sem nenhum produto ou pomada. Também não se deve preparar o mamilo "esfregando" toalhas e buchas além de não usar sabão direto no mamilo e aréola já que essa pele deve ficar mais gordurosa pela secreção das glândulas areolares, as Glândulas de Montgomery.
A mulher deve estar descansada dentro do possível e ter paciência é fundamental em todo esse processo de aprendizado, principalmente nos primeiros dias em que a mãe e bebê estão se conhecendo e aprendendo a conviver juntos.
Quando estiver em dificuldade para amamentar deve-se:
– Escolher um lugar calmo, confortável e com presença de pessoas de confiança da mãe;
– O bebê deve estar com o rosto muito próximo ao seio, assim como com a barriga encostada na da mãe;
– Beber bastante líquido, pois a mãe precisa estar hidratada para produzir leite em quantidade adequada;
SBMFC: E uso da chupeta e bicos artificiais prejudica o aleitamento materno?
Denize: Muitos estudos mostram que sim, bebês que usam chupeta ou mamadeira desmamam mais precocemente. Quando a mãe se ausentar por qualquer motivo, ela pode ser orientada a ordenhar seu leite, que pode ser oferecido pelo cuidador ao bebê com um copinho de plástico ou vidro e não mamadeiras com bicos artificiais. Mesmo bebês recém nascidos são capazes de usar o copinho, que evitar depois que ele passe a rejeitar o peito da mãe. A chupeta é outro fator que prejudica a amamentação no sentido de colaborar com a “confusão de bicos”, quando o bebê confunde a sucção que faz no bico da mamadeira com os movimentos que deve fazer para extrair o leite do seio materno.
SBMFC: Qual o papel do família na amamentação?
A dedicação da equipe de saúde no estabelecimento bem sucedido da amamentação incluindo a prevenção das fissuras e mastites, que são complicações comuns nos primeiros dias de puerpério são fundamentais mas o caminho para as orientações se inicia desde o pré-natal.
Esclarecimentos sobre a prática da amamentação às mães e aos familiares devem ser realizadas a partir de suas crenças, expectativas e medos, que variam com idade, hábitos e inserção da mãe no mercado de trabalho. Destaco que a prática de amamentação dentro das famílias – materna e paterna – e círculo social, principalmente as amigas, influenciam diretamente na adesão a ideia de amamentar.
A equipe multiprofissional deve deter conhecimentos técnicos e científicos atualizados sobre a importância de perceber o aleitamento como um processo, uma conquista que se desenvolve em várias etapas e deve conhecer desde as informações sobre os elementos nutricionais e imunológicos do leite passando pelos mecanismos psicológicos entre a mãe e bebê.
Outro ponto importante a ser lembrado é quando a mãe der indícios do desmame precoce, é preciso entender os problemas que a levaram a essa decisão e incentivá-la a retornar a amamentação se possível, principalmente se o bebê não tiver completado seis meses de idade, mas também respeitar a mãe que deseja amamentar de forma complementada ou mesmo optar pelo desmame, sem culpabiliza-la.
Denize: Sim! Sempre com apoio da família e dos profissionais. Para as mães que vão retornar à rotina de trabalho, o aleitamento não precisa ser interrompido e quando estiver com o bebê, a mãe continuará a amamentá-lo diretamente no peito em livre demanda. O aleitamento é muito mais que nutrição, é uma troca de amor e afeto e não deve ser quebrada quando a criança começa a ir para a escolinha ou a mãe precisa se ausentar e não passar mais o dia todo com o filho.
A recomendação da Organização Mundial de Saúde é de que o leite materno continue sempre oferecido até, pelo menos, os dois anos da criança pois o leite não fica "mais fraco" nem vira "água", muito menos "atrapalha" a alimentação.
Amamentar pode ser um momento muito especial na vida de uma mulher, mas não é fácil nem natural como costuma parecer nas campanhas de incentivo. Precisamos sempre nos capacitar e entender a complexidade que envolve a decisão de amamentar e interferir o menos possível, como na prescrição de medicamentos para as lactantes, considerando que existem medicamentos seguros para o bebê e esses devem ser preferidos. Recomendo muito a consulta ao site e-lactância, disponível em: www.e-lactancia.org.
Para saber mais:
Amamentação: conhecimento e prática de gestantes – https://goo.gl/do6j6L
Atualidades em Amamentação. Chupetas e Amamentação. IBFAN, 2014. http://www.ibfan.org.br/site/wp-content/uploads/2015/02/140929_atualidades_54_2014-2.pdf
Fatores que influenciam na interrupção do aleitamento materno exclusivo em nutrizes – https://goo.gl/iqXiKV
Dificuldades no aleitamento materno e influência no desmame precoce – https://goo.gl/Ur6UF8
Promovendo o aleitamento materno na APS. Telessaúde RS. 2014