As perguntas foram respondidas por André Cassias, coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde Suplementar da SBMFC, médico de família e comunidade da Clínica Tempo, Pós-graduado em Gestão em Saúde – Cambridge Health Aliance/FELUMA, professor da Disciplina Saúde e Cidadania da UNC – Universidade do Contestado.
com colaboração dos médicos de família e comunidade, membros do Grupo: Fabiano Carvalho, Alex Ribeiro Pinto e Fernando Amorim.
SBMFC: Como e quando a Medicina de Família e Comunidade foi inserida na Saúde Suplementar?
A Medicina de Família e Comunidade é uma especialidade formalizada pela Comissão Nacional de Residência médica desde 1981 com o nome de Medicina Geral e Comunitária (MGC). Os médicos de família e comunidade ocupam há cerca de vinte anos, espaços dentro da saúde suplementar, em diversas funções como comitês de medicina baseada em evidência, cargos de gestão e também na assistência, em práticas generalistas como visitas domiciliares a pacientes complexos.
Muitas auto-gestões como a da aeronáutica e a Cassi, há cerca de 15 anos, iniciaram com estruturas de atenção primária e percursos assistenciais orientados, ampliando assim o espaço para o Médico da Família.
Entre 2010 e 2012, grandes operadoras iniciaram programas de atenção primária na saúde suplementar com a participação de médicos de família, com rápida expansão, sendo que hoje conta-se com mais de 200 experiências dentro da saúde suplementar, em todos os lugares do Brasil. Porém, entre essas experiências há muita diversidade de estrutura e de modelo assistencial.
SBMFC: Quais são os principais desafios dessa inserção?
Ao longo dos anos foi construída na cultura da população que adquire um plano de saúde, um conceito de que o hospital é o local mais resolutivo para qualquer condição de saúde e outro de que o especialista focal é o melhor médico para tratar qualquer condição. Hoje, sabemos que ambos conceitos levam a um modelo assistencial de altos custos e de resultados clínicos abaixo do desejado. Será preciso uma transformação desta cultura vigente, trazendo o médico com formação generalista para o centro do cuidado ao paciente.
Outro desafio é que o número de médicos de família é muito pequeno no Brasil. Em estudo deste ano de 2018, foi mostrado que temos no país 5.438 médicos de família, computando aqueles com residência médica e/ou título de especialista. Este número é claramente insuficiente para ocupar a APS no SUS e a expansão necessária na saúde suplementar.
Além disso, o Brasil tem clara dificuldade para inovação e, embora já consagrada em bons sistemas de saúde há mais de 60 anos, o que inclui boa parte dos países desenvolvidos, no Brasil a APS na saúde suplementar é ainda uma inovação.
SBMFC: Qual a importância da Saúde Suplementar para a população brasileira?
A saúde suplementar brasileira representa a prestação de uma grande parte de serviços assistenciais de saúde, cada vez mais abrangente, e regida por contratos e por resoluções normativas da Agência Nacional de Saúde Suplementar, responsabilizada por prazos de entrega e, cada vez mais, visando qualidade. Este setor injeta mais de 150 bilhões de reais na saúde brasileira por ano, no atendimento de aproximadamente 47 milhões de beneficiários. É o terceiro maior desejo da população brasileira, perdendo apenas para educação e casa própria, segundo pesquisa do IBOPE. Também é um fator decisivo para 95% dos brasileiros na escolha do emprego, segundo outro estudo também do IBOPE.
Estas, entre outras características, fazem que planos de saúde sejam muito almejados, figura como valor e desejo entre 80% da população. Cerca de um a cada três brasileiros tem acesso à saúde suplementar.
Para a Atenção Primária e Medicina de Família, a Saúde Suplementar representa a chance de testar modelos de atenção primária mais próximos de modelos europeus, onde o médico ganha maior autonomia, número de pacientes adequados, bons salários e pagamento por indicadores de qualidade, além de experiências onde contratualiza sua clínica com sistema de saúde através de contratos específicos, podendo assim trabalhar em ambiente mais autônomo, que lhe confere maior satisfação.
SBMFC: Muitas operadoras ainda não aderiram à especialidade. Acredita que a expansão da medicina de família irá reforçar a necessidade de incluir esses profissionais?
Sim. Há um consenso entre gestores da Saúde Suplementar que percurso orientado e atenção primária são fundamentais, porém muitos ainda não sabem como fazer a atenção primária dentro da saúde suplementar.
Para isso, há inúmeras iniciativas de cursos, consultorias e materiais. Inclusive a ANS lança programa de estímulo à implantação de modelos de atenção primária na saúde suplementar brasileira e colocam o médico de família como fundamental na equipe mínima recomendada.
SBMFC: Como a Atenção Primária tem reduzido os custos das operadoras e proporcionando maior qualidade de vida aos pacientes?
Como o gasto em saúde é crescente, mesmo em sistemas com APS muito forte, o maior foco de um sistema de saúde não deve ser reduzir custos, mas sim evitar desperdícios. As experiências atuais ainda possuem pouco tempo de evolução e um número reduzido de vidas para fazer alguma predição mais precisa. Mas a avaliação de algumas das operadoras que já possuem este tipo de modelo é que é possível ao menos reduzir a elevação da inflação dos custos.
SBMFC: A adesão do próprio paciente em se consultar com um médico de família é satisfatória?
Como muitos ainda desconhecem a especialidade, há dúvida sobre o real papel, quais são suas competências e seu papel na rede de serviços. Mas ao experimentarem, percebem estar sendo efetivamente cuidadas por um profissional com habilidade de comunicação para construir um vínculo com o paciente e apto a tratar as condições de saúde mais frequentes. Mesmo para aquelas em que solicita um parecer de um outro profissional, o faz sem se desresponsabilizar para o que venha a acontecer. Está sempre próximo, com acesso adequado à necessidade da situação.
SBMFC: Quais são os desafios e riscos de implantar a MFC no sistema privado brasileiro mantendo os princípios da especialidade?
Os desafios seriam vencer a cultura por parte da população de valorização do especialista e do hospital, além de conseguir desenvolver resultados favoráveis nas primeiras iniciativas. Estes resultados incentivaram novas operadoras a desenvolver este modelo em outros locais.
Não vejo risco em se implantar a APS com médico de família. Recentemente uma pesquisa dos atributos (PCA Tools) em uma APS da Saúde Suplementar, apontou uma excelente orientação aos atributos, equiparável com APS de sistemas de saúde muito bons como Inglaterra e Canadá.
SBMFC: A APS na Saúde Suplementar é uma opção para o Médico de Família?
Sim. Com a crescente demanda da saúde suplementar, este trabalho passou a ser uma opção de trabalho para o médico de família. A saúde suplementar possui frequentemente uma remuneração melhor para o médico de família do que o SUS, além de permitir um acesso maior ou mais rápido a exames complementares e aos especialistas quando for necessário. Permite também uma maior flexibilidade de horário de trabalho, importante para quem quer trabalhar menos horas com este serviço.
Além disso, outros cargos estão sendo importantes e devem ser ocupados por médicos de família, como gestão de serviços de saúde e de operadoras de plano de saúde, em serviços de acreditação, consultorias, auditorias clínicas de APS, professores, teleconsulta em APS, entre outros.
SBMFC: Gostaria de compartilhar artigos sobre a MFC na saúde suplementar?
Manual do CAS unimed Brasil.
Para referência:
ATENÇÃO PRIMÁRIA NA SAÚDE SUPLEMENTAR: estudo de caso de uma Operadora de Saúde de Belo Horizonte 1
Autora: Eulalia Martins Fraga Orientador: Francisco A. Tavares Júnior
Avaliação de Planos de Saúde – ONDAIV – 2017, disponível em: http://www.iess.org.br/cms/rep/ibope_iess_2017.pdf
Sobre o Grupo de Trabalho de Saúde Suplementar da SBMFC:
SBMFC: Qual o papel do GT de Saúde Suplementar?
O papel do grupo de trabalho da Saúde Suplementar é discussão de temas relacionados ao setor, como formas de pagamento, indicadores de qualidade, manutenção dos atributos, além disso, auxiliar na representação dos médicos de família frente aos agentes envolvidos, operadoras, agência nacional de saúde.
SBMFC: Quais são as principais atividades realizadas?
Estamos iniciando as atividades do Grupo de Trabalho sendo que a principal atividade está sendo revisar as diretrizes da ANS em consulta pública.
Inclusive, todos os médicos de família interessados estão convidados a participar do GT e também a se envolverem com esta primeira atividade que é avaliar de forma crítica esta consulta pública, sobre a qual se fará resposta conjunta do GT.
Pode acessar a consulta pública aqui:
http://www.ans.gov.br/participacao-da-sociedade/consultas-e-participacoes-publicas/cp-66
SBMFC: Alguma previsão de evento para 2018?
Há uma previsão de um curso em parceria com uma instituição acreditada, para capacitar sobre certificação em prestadores de APS na saúde suplementar. Esperamos que o processo de acreditação seja uma maneira de criar padrões de excelência para a APS no Brasil e a Sociedade Brasileira de Medicina de Família deve fazer parte deste processo.
O Grupo de Trabalho de Saúde Suplementar da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade vê este momento sócio-político como um período de oportunidades e também de riscos para o médico de família e para a população brasileira. Por isso, apresenta-se como estratégico nessa discussão entre os valores e princípios desta especialidade, a sustentabilidade dos sistemas de saúde e formas inovadoras e eficazes de exercer medicina de família, que espera-se repercutir no aumento e melhor qualificação dos médicos de famílias e consolidação desta especialidade nas diversas esferas da sociedade brasileira.