A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade – SBMFC, representando aqui o conjunto de milhares de médicas e médicos que atuam na área da Atenção Primária à Saúde em serviços públicos e privados de saúde, manifesta a sua grande preocupação com os constantes ataques a sociedades científicas brasileiras que buscam garantir uma abordagem racional em relação ao enfrentamento da pandemia do COVID 19 em nosso país.
Nos solidarizamos com a Sociedade Brasileira de Infectologia e com a Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia que recentemente publicaram manifestações em defesa da ciência e da prática médica embasada em evidências.
O Brasil vive um triste período de nossa história, onde em plena vigência da maior pandemia dos últimos cem anos e dos seus dramáticos efeitos no âmbito da saúde e da economia, a ciência é desvalorizada, as evidências científicas são questionadas e as experiências de sucesso de outros países no enfrentamento ao Coronavírus não são levadas em conta. A insistência no uso de medicações como Cloroquina, Hidroxicloroquina, Ivermectina, Nitazoxanida, Zinco e Vitamina D para tratamento ou como medida profilática para o COVID19 não se sustenta em nenhuma base médica científica.
Como médicas e médicos de família e comunidade, no âmbito dos serviços de saúde, acompanhamos em nosso cotidiano o desespero de pessoas assintomáticas, saindo de suas casas e arriscando sua saúde, buscando atendimento para obterem receitas desses medicamentos por causa da circulação de informações desencontradas, muitas recebidas diretamente em seus aplicativos, podendo caracterizar difusão de fake news na área da saúde.
Diariamente, quando cerca de 1.300 brasileiros e brasileiras perdem suas vidas a cada dia, acumulando quase 90.000 mortes, persistir na busca de soluções mágicas e sem um planejamento adequado para o enfrentamento desta grave crise sanitária só é prejudicial a saúde dos brasileiros. Insistimos, não há soluções mágicas. O enfrentamento desta pandemia exige um processo onde se estabeleça parceria junto aos estados brasileiros, através de ações integradas, intersetoriais e multi-dimensionais, articulando todos os níveis de atenção à saúde e que levem em conta as estratégias de distanciamento e isolamento social, a diminuição da transmissão e a redução do número de casos graves e de internações, além da educação em saúde e a adequada oferta de serviços de saúde de acordo com as necessidades das pessoas, em todo o território brasileiro.
O direcionamento de dinheiro público para aquisição e distribuição de medicamentos como a hidroxicloroquina e ivermectina com a finalidade terapêutica para o COVID19 poderia ser utilizado para outras ações que são comprovadamente mais efetivas neste momento, por exemplo, ampliar a contratação de profissionais de saúde , adquirir insumos (anestésicos e sedativos) para o pleno funcionamento do leitos de UTI para pacientes críticos. A falta desses e outros insumos tem sido um limitador importante para adequada assistência, que poderia ter sido evitada por uma ação adequadamente planejada por parte do Governo Federal.
A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade reforça a importância da Atenção Primária à Saúde e da Estratégia Saúde da Família no enfrentamento da pandemia, especialmente pelos seus atributos relacionados à coordenação do cuidado, acesso/primeiro contato, abordagem familiar e comunitária que permitem a identificação precoce e o acompanhamento longitudinal de sintomáticos respiratórios, potencializados quando se incorpora tecnologias de comunicação e informação nas Unidades Básicas de Saúde, viabilizando por exemplo, complementarmente, teleatendimentos e telemonitoramentos, fazendo com que seja oportunizado o melhor cuidado possível no caso de agravamento do quadro clínico.
Reiteramos que as atuais evidências contraindicam a prescrição de Cloroquina, Hidroxicloroquina na profilaxia e no tratamento da COVID19 no âmbito das Unidades Básicas de Saúde, sendo que não há evidências para uso da Ivermectina, Nitazoxanida, Zinco e Vitamina D para mesma finalidade.
A SBMFC conclama a todas e todos a seguir com as medidas de distanciamento e isolamento social, e a adotar práticas sustentadas nas melhores evidências e nas experiências de outros países que vem conseguindo passar por esta pandemia com um menor grau de sofrimento da população.
Neste momento também é fundamental ressaltar a importância do Sistema Único de Saúde, com seus valorosos profissionais, que, apesar da política de subfinanciamento, vem conseguindo garantir o acesso e cuidado à parcela significativa da nossa população, evitando que estivéssemos vivenciando uma tragédia em maiores proporções.
Nosso Sistema Único de Saúde apesar de atender a totalidade da população brasileira através da sua gama diversificada de serviços, sendo responsável exclusivo pelo atendimento à saúde de 75% da população, ou seja cerca de 150.000.000 (cento e cinquenta milhões) de brasileiros, sofre cronicamente com a falta de investimento adequado. A maior parte dos recursos na área da Saúde no país custeiam serviços privados voltados para cerca de 25% da população.
Por isso, entendemos que também faz parte do enfrentamento adequado da pandemia a suspensão imediata da Emenda Constitucional 95 que, a partir de 2016, agravou ainda mais esta situação de subfinanciamento crônico, porque congelou investimentos públicos na área da saúde por 20 anos. Ou seja, vivemos hoje piores condições de ofertar saúde a população que há quatro anos e, além disso, vivemos uma pandemia.
Com investimento público adequado, poderemos ter um SUS ainda melhor estruturado, único capaz de superar a vergonhosa situação de desigualdade social em nosso país em relação à oferta de serviços de saúde. Parafraseando o que afirma o médico oncologista Drauzio Varela, sem um SUS fortalecido, viveremos a barbárie.
O SUS salva vidas!
Saúde é Democracia, Democracia é Saúde!
Diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
Gestão 2020/2022