A falta de médicos nas regiões periféricas e mais distantes no Brasil é um problema já conhecido pela maioria da população. Para tentar sanar essa realidade o Ministério da Saúde (MS) e a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde (SGTES) criaram o Programa de Valorização dos Profissionais na Atenção Básica (Provab). Um projeto de valorização para profissionais que forem atuar em cidades interioranas ou em periferias dos grandes centros.
A segunda edição do Programa foi lançada no final de fevereiro pelo ministro da Saúde, Alexandre Padilha. Porém, apesar da positividade da iniciativa, há muitos problemas envolvendo o Provab que devem ser ressaltados. Todos os detalhes sobre este assunto, você confere na matéria de capa do Jornal Saúde da Família 16. E a entrevista na íntegra com o diretor de Pesquisa e Pós Graduação Lato-Sensu da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), Daniel Knupp, que falou com exclusividade à publicação, você pode ler aqui:
Como a SBMFC avalia o Provab?
A SBMFC entende que ações como o Provab, que visam o provimento de médicos em regiões onde a população tem dificuldade de acesso a atendimento médico, são necessárias até que o País possa encontrar respostas mais apropriadas para essa situação. Além disso, a Sociedade também reconhece o valor da reavaliação do mérito utilizado no processo seletivo de vagas de residência médica.
Por outro lado, a SBMFC entende que a qualidade dos serviços de atenção primária está intimamente ligada à solidez da formação dos profissionais que nela atuam e à permanência desse profissional por longos períodos de tempo. Nesse sentido, avalia-se que há alguns riscos associados ao Provab, que precisam ser levados em consideração no momento de se planejar tal política.
Qual a importância do Programa para os médicos de família e comunidade?
Acreditamos que parte dos médicos que ingressarem no Provab possam se interessar pela medicina de família e comunidade e resolvam buscar os programas de residência na especialidade. Também entendemos que a iniciativa tem um caráter fundamentalmente formativo, de modo que mesmo que o profissional deseje especializar-se em outra especialidade após o período do Programa, ele terá uma concepção diferenciada do papel do médico de família e comunidade.
Porém, não podemos esquecer que há um considerável descontentamento de parte dos médicos de família com o Programa. Tal descontentamento torna-se ainda mais notável no momento em que há uma expansão do Provab, comprometendo de certa forma sua característica fundamental, o provimento de médicos para comunidades que não tinham assistência médica. Esse descontentamento pode ser explicado pelo fato de que o Ministério da Saúde parece relutar em enxergar a importância do médico de família e comunidade para a atenção primária no País, na medida em que vincula ao Provab parte significativa das equipes de saúde da família.
Qual o problema mais grave nas periferias e cidades distantes do Brasil: a falta de médicos ou de estrutura adequada?
É possível que esses dois problemas estejam intrinsecamente ligados. No fundo, a falta de estrutura adequada para o atendimento é aviltante não apenas ao médico, mas acima de tudo à própria população. Também não podemos deixar de considerar que não é só apenas a estrutura dos serviços de saúde que é precária nessas comunidades. Serviços como educação, transporte e segurança também estão precarizados, o que torna ainda mais difícil o provimento e fixação de médicos.
E precisamos ir além das questões estruturais, pois também podem contribuir para a falta de médicos, a forma de remuneração e a insegurança na relação de trabalho com os gestores locais do Sistema Único de Saúde (SUS). É preciso pensar em outras formas de remuneração que possam dar alguma autonomia e mais segurança ao profissional. Não se trata meramente da quantia paga ao médico, mas sim do tipo de contrato que é feito para a prestação do serviço. Muitos municípios do interior do País oferecem altos salários, mas não conseguem garantir que aquele médico não será demitido após o resultado das eleições municipais.
A procura pelo Provab tem sido grande?
A procura pelo aumentou consideravelmente nesse ano. Hoje temos mais de 4 mil médicos inscritos, um número que é cerca de 10 vezes maior do que o ano anterior. Esse aumento talvez esteja relacionado à consolidação do sistema de bônus nos processos seletivos para vagas de residência médica e à mudança na proposta de remuneração, que passa a ser feita diretamente pelo Ministério da Saúde e não mais pelo município. Isso nos mostra que o tipo de contrato pode realmente ter influência na falta de médicos e que a contratação direta pelo MS pode ser possível e salutar para o problema da falta de médicos.
A SBMFC apoiou e auxiliou na criação do programa?
A SBMFC sempre acreditou que as pessoas que moram nas regiões onde há dificuldade de provimento e fixação de médicos são enormemente beneficiadas pelo Programa, e, por essa razão, sempre defendeu sua implantação. Entretanto, desde o início sentimos que era preciso apontar as possíveis contradições inerentes à ação, e assim o fizemos.
Também é preciso destacar que a Sociedade esteve sempre disponível para debater e participar da construção da proposta do Provab, bem como para avaliar seus resultados e discutir os rumos do Programa, mas efetivamente não teve participação na criação ou na condução do mesmo.