3 de dezembro de 2025

Mulheres migrantes e refugiadas – violência e barreiras no SUS


*Este conteúdo integra uma série de posts produzidos pelo Grupo de Trabalho de Mulheres na MFC, publicados entre os dias 25/11 a 10/12/2025, em campanha pelos 21 dias de ativismo para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. 

A migração é um fenômeno global que coloca em movimento não apenas pessoas, mas também histórias e culturas, de modo que há necessidades específicas em saúde a serem atendidas. No contexto brasileiro, a chegada de um número significativo de mulheres migrantes, particularmente de países como Venezuela, Haiti e Bolívia, tem demandado do Sistema Único de Saúde (SUS) uma resposta sensível e intercultural e ancorada nas interseccionalidades. Há o surgimento de um novo vetor, adensado à geração, classe, raça e território: a condição de pessoa migrante em sua singularidade. No entanto, a trajetória dessas mulheres em busca de cuidado esbarra em uma complexa rede de barreiras e violências que comprometem o cuidado universal, integral e equânime. A Lei nº 13.445/2017 (Lei de Migração) reforça esse direito, ao estabelecer que os migrantes têm direito a serviços públicos de saúde e de assistência social, em condições de igualdade com os brasileiros (BRASIL, 2017).

Apesar do amparo legal, a realidade enfrentada pelas mulheres migrantes é marcada por barreiras complexas, institucionais, societárias e interpessoais. Racismo, xenofobia e violência de gênero operam como dificultadores de seu acesso à saúde e ao cuidado, inclusive na APS. Barreiras linguísticas se somam à escassez de políticas públicas efetivadas no cotidiano de trabalho, bem como à burocratização inerente à gestão local dos serviços, com exigência de documentos específicos, nem sempre à mão. Com a dessensibilização e estigmatização por parte dos profissionais, por sua vez, perde-se a oportunidade de pensar estratégias específicas para a população migrante, bem como as flexibilizações necessárias (MARTES; FALEIROS, 2013).  Isso é particularmente grave em situações de saúde sexual e reprodutiva, como pré-natal, parto e prevenção de doenças, onde a comunicação clara é vital (JUNQUEIRA; FERREIRA, 2021).

Práticas de saúde, concepções de corpo, doença e parto variam entre culturas. Mulheres migrantes podem encontrar um sistema de saúde que desconsidera suas crenças e práticas tradicionais. A violência e racismo obstétricos podem ser agravados por desrespeito a particularidades culturais. Além disso, questões de gênero, como a exposição a situações de violência sexual e tráfico de pessoas durante a rota migratória, demandam identificação e acolhimento sensíveis (ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES – OIM, 2020). Por fim, a vulnerabilidade socioeconômica é uma marca da experiência migratória para muitas mulheres. O desemprego, a precariedade laboral e a dificuldade de inserção social as tornam mais suscetíveis a diversos problemas de saúde. (CAVALCANTI et al., 2020).

A garantia do direito à saúde para as mulheres migrantes no Brasil exige uma ação proativa e interseccional por parte dos profissionais da APS. É necessário investir em estratégias de educação permanente que abordem racismo, gênero e saúde, saúde global e planetária, interculturalidade e direitos dos migrantes. Pensar saídas institucionais mas também criativas que facilitem a comunicação extrapolam, claro, o setor saúde, mas podem e devem ser encorajadas pelos profissionais, como o auxílio de aplicativos e ferramentas de tradução. A comunicação efetiva deve ser perseguida de forma obstinada. A articulação Intersetorial é fundamental, através do trabalho conjunto entre SUS, a assistência social, a educação e as organizações da sociedade civil que atuam com migrantes.

Referências

BRASIL. Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017. Institui a Lei de Migração. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 25 maio 2017.

CAVALCANTI, L. et al. Relatório Anual 2020: A inserção dos imigrantes no mercado de trabalho brasileiro. Observatório das Migrações Internacionais, 2020.

JUNQUEIRA, M. F. M.; FERREIRA, L. C. Acesso de imigrantes ao SUS: entre a lei e a prática. Saúde em Debate, v. 45, n. 129, p. 482-495, 2021.

LIMA, M. Imigração e Saúde: Itinerários Terapêuticos de Mulheres Haitianas no Brasil. Revista Anthropológicas, v. 30, n. 2, p. 124-149, 2019.

MARTES, A. C. B.; FALEIROS, S. M. Acesso aos serviços de saúde pelos imigrantes bolivianos em São Paulo. Revista de Administração Pública, v. 47, n. 4, p. 991-1013, 2013.

ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL PARA AS MIGRAÇÕES (OIM). Saúde e Migração na Tríplice Fronteira: Brasil, Peru e Colômbia. Missão OIM no Brasil, 2020.