Mulheres lésbicas precisam de orientação quanto a infecções sexualmente transmissíveis?

29 de agosto de 2018

Autoria: Grupo de Trabalho de Gênero, Sexualidade, Diversidade e Direitos da SBMFC 


A prática sexual entre mulheres é um assunto muito pouco conhecido, estudado e debatido por profissionais de saúde no geral e no campo da atenção primária. Segundo o Dossiê Saúde das mulheres lésbicas – promoção da equidade e da integralidade, de 2006, alguns aspectos que tornam este e todo o universo da saúde de mulheres lesbicas pouco visibilizados seriam: a invisibilidade do homoerotismo feminino, a invisibilidade da sexualidade feminina e o preconceito com a homossexualidade (1).


O número de pesquisas realizadas no Brasil que abordam especificamente mulheres lésbicas é ainda pequeno. Um dos motivos apontados para a dificuldade de realizar pesquisas nessa área, seria o medo e o desconforto que as mulheres lésbicas relatam de se assumir para profissionais de saúde e em público. Um estudo qualitativo realizado este ano entre mulheres lésbicas e bissexuais no Brasil revelou que a decisão de se assumir provoca tensão e desconforto na maioria das mulheres. Além disso, o estudo aponta que a maioria das mulheres que se assumem em consulta, o fazem por iniciativa própria e não por serem questionadas pelo profissional. Das que decidem por se assumir, a maioria o faz por, participando de movimentos sociais LGBT, entender a necessidade de pautar e dar visibilidade a sexualidade. O estudo ainda aponta grande despreparo dos profissionais ginecologistas quanto a abordagem desse grupo.  É válido ressaltar que, o medo, fruto de uma sociedade heteronormativa e preconceituosa, estimula a manutenção da invisibilidade e contribui para a dificuldade de acesso e aumento da vulnerabilidade da população lésbica. (2)
 
A maior parte do conhecimento adquirido acerca desta população vem de estudos internacionais, principalmente americanos, que abarcam uma população lésbica majoritariamente branca, com ensino superior e de classe média e alta, que destoa em muito da população lésbica brasileira. Um termo que tem sido mais utilizado para realizar pesquisas e aprofundar o conhecimento de saúde em relação a prática homossexual entre mulheres é o de Mulheres que fazem sexo com mulheres (MSM), podendo estas identificarem-se como lésbicas, bissexuais, heterossexuais com relações homossexuais esporádicas e outras possibilidades de orientação sexual.


 Ser capaz de abordar a sexualidade e as práticas sexuais entre mulheres lésbicas aparece como competência essencial do médico de família e comunidade e é fundamental para acolher essas mulheres e fornecer informações precisas sobre infecções sexualmente transmissíveis. Somado a isso, a atenção primária à saúde, campo responsável pelo cuidado integral e por garantir equidade na forma de oferecer cuidado em saúde, se coloca como área de especial atenção para abordar essa população que manifesta muitas dificuldades e barreiras de acesso ao sistema de saúde pelo preconceito e a discriminação que sofrem sistematicamente de forma institucional. 


Por muitos anos acreditou-se e reproduziu-se a falácia de que a prática sexual entre mulheres não seria considerada um ato sexual em si e, não envolveria o risco de transmissão de infecções, uma vez que não teria a presença do pênis. A constante luta e o debate de movimentos sociais de mulheres lésbicas tem contribuído sobremaneira para a desconstrução destas e de outras inverdades no campo da saúde. A transmissão de infecção sexualmente transmissível pode ocorrer no contato de pele com pele, no contato de mucosas, nos fluidos vaginais, no sangue menstrual e através do compartilhamento de acessórios(3).  Em 2012, no estado do Texas, nos Estados Unidos, foi reportado um caso de provável infecção pelo HIV em um casal sorodiscordante de mulheres (4). Em 2017, no Brasil, um estudo realizado em Botucatu com 150 mulheres que manifestaram relação sexual com mulheres, foi constatado o diagnóstico de alguma IST em 47,3% das participantes da pesquisa (5). O mesmo estudo apontou como vulnerabilidades específicas a idade inferior a 24 anos e a etnia não branca, onde o risco de se ter o diagnóstico de uma IST aumenta em mais que o dobro de vezes (5).
 
A falta de acesso, de métodos e de informação aumenta a vulnerabilidade de mulheres lésbicas para Infecções sexualmente transmissíveis. É importante ressaltar que não existe atualmente nenhum método de proteção pensado para o sexo entre vaginas e para o sexo oral-vaginal especificamente. Pensando nesta realidade e na pluralidade de maneiras em que ocorre a relação sexual entre mulheres, é necessário abordar, em consulta, as práticas sexuais realizadas para orientar práticas sexuais mais seguras e pertinentes. 


Um outro estudo realizado em 2011 com mulheres que fazem sexo com mulheres no Brasil, evidenciou que 73% das entrevistadas nunca recebeu nenhum material de prevenção, informações sobre práticas sexuais seguras ou materiais informativos sobre IST’s. Nesse mesmo estudo, mais da metade das mulheres entrevistadas (54%) consideram que não estão em risco de contrair HIV (6). Esses dados apontam para a urgência da atenção primária em conhecer e oferecer informações para mulheres lésbicas no espaço da consulta da Atenção Primária à Saúde, principal porta de entrada ao sistema único de saúde.


 Dentre os métodos para tornar a prática sexual mais segura entre mulheres, estão o uso de camisinha masculina e feminina, luvas, e o uso do dental dam, um material odontológico que, ao ser usado como barreira da mucosa vaginal para sexo oral-vaginal e vaginal-vaginal, é eficaz em prevenir IST’s. Apenas 15% das MSM (mulheres que fazem sexo com mulheres) refere esforço em manter práticas sexuais seguras e dessas, a maioria cita o uso de luvas e camisinhas (3). O uso de plástico PVC que foi amplamente divulgado no passado como método de barreira a ser utilizado não é seguro ou eficaz para prevenção de IST’s entre mulheres.
 
Referencias
1. Barbosa, RM.et al. Dossiê Saúde das Mulheres Lésbicas: Promoção da Equidade e da Integralidade. Rede Feminista de Saúde, 2006.
2. Rufino et al. Disclosure of Sexual Orientation Among Women Who Have Sex With Women During Gynecological Care: A Qualitative Study In Brazil. J Sex Med 2018; 1-8.
3. Daniel A, et al. Preventive Health Care for Women Who Have Sex with Women. Am Fam Physician. 2017 Mar 1;95(5):314-321.
4. Chan SK et al. Likely female-to-female sexual transmission of HIV-Texas, 2012. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2014;63(10):209-12
5. ANDRADE, J. Vulnerabilidade de mulheres que fazem sexo com mulheres às infecções sexualmente transmissíveis. 2017. 77f. Tese (Doutorado) – Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista, Botucatu, 2017.           
6. Moraes L. et al. Práticas sexuais de mulheres lésbicas e bissexuais e a relação com a prevenção das DST/HIV/AIDS. 2011. Seminário Internacional Enlaçando Sexualidades (04 a 06 de setembro – Salvador, Bahia)