Demografia Médica 2020 e a Medicina de Família e Comunidade

17 de dezembro de 2020

Por Lucas Gaspar Ribeiro, médico de família e comunidade, diretor de Exercício Profissional e Mercado de Trabalho da SBMFC

No dia 09/12/2020 o Conselho Federal de Medicina  e a Faculdade de Medicina da USP lançaram o Demografia Médica 2020, estudo que vem sendo realizado desde 2010 no Brasil, a partir de diversas fontes de informação: Conselho Federal de Medicina e Sistemas de Informação do Ministério da Saúde, como a Comissão Nacional de Residência Médica. 

Também traz dados importantes sobre o número de graduandos em medicina, vagas de cursos e em quais locais estão ofertadas. Dentre os aspectos que a pesquisa aborda, desde o lançamento, está a evolução das diversas especialidades médicas, dentre elas a Medicina de Família e Comunidade.

No ano de 2020, o Brasil atingiu a marca de mais de 500 mil médicos registrados, sendo 7.149 (sete mil cento e quarenta e nove mil) médicos e médicas de família e comunidade distribuídos em todo o território nacional. Antes de detalhar sobre os números encontrados, é importante reforçar que esses dados são obtidos a partir de fontes secundárias como RQE e AMB, por meio de titulados. Assim, é considerado especialista em MFC todo o profissional com residência médica na área e/ou título obtido pela AMB/SBMFC e que registrou sua especialidade no Registro do Quadro de Especialistas (RQE) de seu Conselho Regional de Medicina. Isso quer dizer, que esse é um número subestimado em relação ao total de médicos e médicas de família do país. 

Agora, quando observamos os dados do estudo, ele traz pontos importantes de se destacar. O número de especialistas aumentou nos últimos 2 anos em 1.663 profissionais (30% a mais). Outro ponto bastante relevante foi que a média de idade dos especialistas reduziu em um ano (42 para 41 anos). Ampliando o olhar para além deste número, quando comparado à idade com todas as especialidades, a MFC é a que concentra o maior número de médicos jovens, pois é  a menor média de idade entre todas as especialidades. Esse quesito reforça que, a MFC,  apesar de existir há mais  de 40 anos no Brasil, como especialidade, ela está com uma crescente procura e formação, nos últimos anos. Outro dado que reforça esse aspecto é a média de tempo de formado. Em 2018, a média de tempo de formado era de 16 anos, em 2020 reduziu para 2,5 anos, uma diferença muito significativa. Um aspecto que se mantém na especialidade, foi a prevalência de mulheres na MFC (58%).

Frente ao quadro de especialistas no CFM, a MFC corresponde a 1,7% de todos os especialistas (total 432.759 especialistas cadastrados – reforçando que a mesma pessoa pode ter mais de uma especialidade, como será apresentado a seguir sobre MFC). Outras especialidades tidas como “áreas básicas” (Clínica, Ginecologia e obstetrícia, Pediatria e Cirurgia geral) correspondem a 40% do quadro de especialistas.

A distribuição dos e das MFCs demonstra uma grande prevalência na região Sudeste e Sul (73%), sendo São Paulo o estado com maior número de médicos e médicas de família e comunidade. Esse dado é similar à distribuição dos cadastros dentro da SBMFC, inclusive. 

Por fim, como citado anteriormente, os médicos e médicas de família e comunidade podem ter mais de um título registrado no Conselho de Medicina, assim, as “múltiplas especialidades” mais prevalentes que os e as MFCs acumulam são: clínica médica, acupuntura, psiquiatria e ginecologia e obstetrícia. Interessante observar que dentre estas, duas são áreas básicas: uma área que está inserida no contexto das práticas integrativas e complementares (acupuntura) e uma que traz demandas muito prevalentes na Atenção Primária à Saúde (psiquiatria). Também é importante reforçar que para estar registrado como especialista é preciso do título pela AMB ou residência médica na área. 

Como pode ser visto, esse texto traz um panorama do estudo de 2020, o qual pode ser acessado no site https://www.fm.usp.br/fmusp/conteudo/DemografiaMedica2020_9DEZ.pdf.

Pode-se constatar que a  MFC está em constante crescimento, desde a primeira pesquisa, quando éramos 2.632 especialistas (aumento de 171% em 10 anos!). Também muitos jovens adentraram a especialidade (possivelmente devido ao aumento de vagas, de programas e bolsa complementação, além de estar mais conhecida e com mais vagas de emprego hoje do que há 10 anos atrás). 

Enfim, há um passado construído em base sólida e um futuro promissor da especialidade baseado na última década de estudo e últimos 39 anos de SBMFC, mas precisamos continuar investindo na especialidade para que o número de especialistas realmente seja o número necessário para um país como o Brasil.

Comentando o texto, a Diretora Científica da SBMFC, Inez Padula, chama a atenção sobre as diferentes áreas de atividade da MFC: assistência, ensino, pesquisa, gestão em saúde, gestão em educação. Desta forma, o Brasil precisa de cerca de 70.000 (setenta mil) MFC, dez vezes mais do que dispõe hoje em dia, segundo os números da Demografia Médica, 2020.

Para alcançar esta meta, é imprescindível considerar e valorizar os cerca de 40.000 (quarenta mil) médicos que estão atuando na Estratégia Saúde da Família /Unidades Básicas de Saúde e que ainda não tiveram a oportunidade de obter a sua titulação. Neste contexto, é fundamental que a SBMFC desenvolva uma estratégia de capilarização da Prova de Títulos, ao lado de uma política de desenvolvimento profissional contínuo que contribua para que estes profissionais se animem a obter o título e, assim, sejam reconhecidos como especialistas.

Também, reafirma a necessidade de que a Comissão Nacional de Residência Médica, junto ao Ministério da Saúde e da Educação, regulamentem o percentual de vagas para programas de Residência Médica, de acordo com as necessidades de saúde da população. No caso da MFC, a orientação da Organização Mundial da Saúde é que este percentual deve ser mantido em torno de  40 a 50%. Esta recomendação é seguida em muitos países desenvolvidos, como o Canadá. Também se faz necessário recuperar e aperfeiçoar as políticas de indução na ampliação de Programas de Residência em MFC, bem como do número de vagas, com complementação de bolsa, através de parcerias municipais, com incentivo federal e/ou estadual.