Considerações sobre Medida Provisória 1165/2023, Edital Mais Médicos nº 5 e Portaria e-Multi

5 de junho de 2023

A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) vem à público tecer algumas primeiras considerações após se debruçar nos últimos anúncios do Ministério da Saúde, quais sejam, a publicação de Edital número 5 do Mais Médicos; a Medida Provisória 1165/2023, ainda em tramitação, que Institui a Estratégia Nacional de Formação de Especialistas para a Saúde, no âmbito do Programa Mais Médicos, e altera a Lei nº 12.871; e a Portaria 635/2023 que estabelece as diretrizes para custeio e implantação das equipes multiprofissionais, as eMulti.

Entendemos que políticas que apontem para o provimento de médicas e médicos que de pronto iniciem sua atuação em equipes de saúde da família, em especial em territórios com populações mais vulnerabilizadas e que seguem sem assistência médica, é matéria da mais alta relevância para o país. É sabido que a presença de equipes completas de saúde da família modificam desfechos clínicos e sanitários, bem como protegem populações das mais variadas causas de morbimortalidade.

No entanto, entendemos que as propostas de provimento podem e devem andar junto aos Programas de Residência de MFC, numa relação sinérgica e de fortalecimento da MFC, a partir das ações de formação. Enxergamos ser preciso vislumbrar um horizonte onde as ações de fixação e valorização da MFC estejam colocadas de forma prioritária, uma fortalecendo a outra.

Vivemos um último ciclo bastante conturbado para a APS e para o SUS. Desde a PNAB 2017, do Previne Brasil, do Saúde na Hora, do desfinanciamento dos NASF, dentre tantas outras medidas desestruturantes, temos vivenciado uma alteração de rumo, de um caminho exitoso (que naturalmente necessita de aperfeiçoamento), para apostar em politicas que desestruturam a lógica e o processo de trabalho necessário no nível da APS.
Nesse sentido, e considerando a proposta das equipes e multi recentemente publicada em Portaria, nos preocupa a possibilidade de fragmentação do cuidado na APS, com a previsão de especialistas focais desenvolvendo diretamente ações de APS, fora do escopo do NASF, apontando para a criação de um modelo fragmentado, disforme, não reportado em outras partes do planeta, mesmo se considerarmos o antigo modelo dos “postos de saúde”. Neste contexto, entendemos que desenhos tão abertos não fortalecem a ESF, de base local e territorial, e os NASF, que comprovadamente compõem espaços de cuidado resolutivos para a grande maioria dos problemas de saúde que afetam uma população adscrita.

Além disso,  a atuação direta de especialistas focais na APS (e não por sistema de referência e contra-referência) tende a promover sobre-diagnóstico, sobre-tratamento, iatrogenias, o que atuaria em sentido contrário à Prevenção Quaternária, como se sabe. Não se trata de ameaças em elementos pontuais, mas nos pilares da conformação da APS, que pressupõe formação e atuação sanitária de forma a compreender e atuar sobre os territórios onde se desenvolvem os processos sociais que determinam a saúde e o adoecimento dos indivíduos e grupos.
 
Considerando o que vai exposto, reafirmamos nossa determinação e responsabilidade com os caminhos da MFC, da APS e do próprio SUS, e neste sentido, buscaremos mais uma vez ser ouvidos pelo Ministério da Saúde, visando defender algumas de nossas diretrizes:
 
• Ampliação progressiva do número de Médicas e Médicos de Família e Comunidade no Brasil por meio da criação e manutenção de políticas de estado, nos níveis federal, estadual e municipal, até atingimento do total de MFC necessários para o país – cerca de 90.000;
• Valorização dos programas de Residência em Medicina de Família e Comunidade como padrão-ouro da formação na área;
• Valorização de colegas médicos que atuam na APS há mais de 4 anos, no sentido de serem apoiados com entregas financeiras e não financeiras e para que se tornem especialistas por meio da Prova de Títulos;
• Valorização do desenvolvimento profissional contínuo de MFCs por meio da educação permanente e da educação continuada, de forma presencial ou em distância;
• Reconhecimento e Valorização da Medicina de Família e Comunidade no âmbito da gestão em saúde, na formação médica e na produção de pesquisas;
• Superação das limitações do modelo cartesiano com valorização do paradigma sistêmico na formação e na prática de Médicas e Médicos de Família e Comunidade integrando a Abordagem Centrada na Pessoa, Abordagem Familiar e Abordagem Comunitária;
• Valorização das políticas de provimento no âmbito da APS, com Médicas e Médicos de Família e Comunidade;
• Fomento ao estabelecimento de arranjos regionais de fixação que apresentem uma possibilidade de estabilidade financeira e de projeto de vida para a MFC
• Expansão, fortalecimento e aprimoramento da ESF junto a equipes de saúde bucal e com os NASF como modelo robusto de APS qualificada para que sejam de alcance para toda a população brasileira.

Seguimos à disposição e firmes em nosso papel institucional e estatutário de defesa e fortalecimento do SUS, da APS e de uma MFC de qualidade.

SBMFC