Abordagem da depressão na Medicina de Família e Comunidade

18 de maio de 2017

 Por Leandro David, médico de família e comunidade, membro do Grupo de Trabalho em Saúde Mental da SBMFC, professor da Universidade Federal de Viçosa, Minas Gerais

Experiências de tristeza, solidão, desinteresse, falta de energia, em diversos momentos ou períodos da vida – especialmente diante de situações de perda, frustração, transformações indesejadas ou mesmo diversas formas de violência – são componentes desagradáveis, dolorosos, difíceis, que integram a complexa condição humana. Muitas vezes, usando recursos pessoais, sociais, culturais, religiosos/espirituais, consegue-se atravessar essas experiências ou mesmo, sem necessariamente superá-las totalmente, são integradas de maneira a manter um sentido e um horizonte positivo ou equilibrado para a jornada cotidiana. Outras vezes, existe a experiência de uma maior dificuldade em superar ou integrar esses acontecimentos. Recursos usados com êxito em outras ocasiões parecem não funcionar e a experiência de sofrimento se intensifica e trazem prejuízos mais perceptíveis aos relacionamentos familiares, do trabalho, ou mesmo isolamento social e danos à saúde física.

 

A intensidade pode, com frequência importante, levar a pensamentos, planos e ações de suicídio. Quando a pessoa se encontra ou é "encontrada" por familiares, amigos e profissionais de saúde em um sofrimento permanente ou progressivo, intensificado por obstáculos ou dificuldades para a integração dessas experiências dolorosas, é possível estar deprimido ou com depressão. Depressão pode ser definida, portanto, como uma experiência de sofrimento, de diversas causas e origens, com amplo leque de manifestações psicológicas ou físicas, frequentemente vinculada a obstáculos na integração de aspectos e elementos insatisfatórios e dolorosos da condição humana.

 

Definir depressão como uma doença de contornos precisos é uma questão controversa dentro da saúde mental contemporânea, em especial na Atenção Primária à Saúde (APS), foco da medicina de família e comunidade. Em cenários da APS, os sintomas depressivos são usualmente encontrados com intensidade leve a moderada em pacientes que simultaneamente apresentam sintomas ansiosos, de somatização e/ou uso prejudicial e dependência de substâncias. Esses sintomas também possuem forte determinação social, gerada por fatores como violência física e estrutural, desemprego e exclusão social, e modelagem cultural, como a influência da religiosidade/espiritualidade, e de valores e princípios sobre a vida e a morte. Logo, entre profissionais e pesquisadores da saúde mental na APS, há mais convergência quanto ao reconhecimento de que o diagnóstico de depressão é capaz de traduzir experiências de sofrimento, em graus e apresentações variados, e de que todo sofrimento – que não seja satisfatoriamente manejado pelo próprio paciente e seu entorno – pode e deve ser reconhecido e receber cuidados públicos em saúde, baseados nos conhecimentos científicos disponíveis, nas orientações e escolhas dos pacientes e nos princípios da ética médica.

 

O médico ou médica de família pode, dentro de uma proposta ampliada de cuidado, utilizar versões em português de questionários validados nacional e internacionalmente, com o Personal Health Questionnaire (PHQ-2/PHQ-9) para rastreio e avaliação de gravidade da depressão. É importante lembrar que, na atenção primária à saúde, a apresentação mais comumente encontrada da depressão são sintomas físicos, frequentemente inespecíficos como tonturas, dores de cabeça, dores musculares e articulares, ou dificuldade de controle de condições físicas crônicas, como diabetes, hipertensão, HIV/AIDS e doenças respiratórias. Também é comum encontrar sintomas depressivos entre cuidadores permanentes de familiares doentes, pacientes que demandam frequentemente dos serviços de saúde (hiperfrequentadores) e profissionais de saúde.

 

Cuidados às pessoas com sintomas depressivos podem e devem ser oferecidos na APS pelo médico de família e comunidade e demais profissionais. O benefício dos medicamentos antidepressivos tem sido demonstrado especialmente nos casos classificados como graves. Nos casos leves a moderados, as intervenções psicossociais são as medidas terapêuticas mais adequadas. Há diversas modalidades terapêuticas indicadas, como a terapia de resolução de problemas, a terapia comunitária integrativa, as intervenções baseadas em mindfulness, além da promoção da prática de atividades físicas. A criação e, em especial, o fortalecimento – se já existentes – de espaços de convívio, trocas de experiências, aprendizado e produção coletiva, nas próprias comunidades e nas unidades de saúde, como grupos de artesanato, dança, teatro, também são recursos valiosos.

 

Diante dessa rica diversidade de possibilidades terapêuticas, é interessante observar que o fator mais associado a resultados positivos é a construção de um vínculo terapêutico empático entre paciente e profissional de saúde, independente da técnica proposta. Estes resultados fortalecem o uso cotidiano das ferramentas do método clínico centrado na pessoa como um dos principais recursos dos médicos de família e comunidade para abordagem de pacientes com sintomas depressivos, com destaque para o reforço positivo e o estímulo à descoberta de estratégias de resiliência pelo próprio paciente. Devido à maior vulnerabilidade, é importante reforçar a recomendação do rastreamento de pensamentos, planejamento e tentativas de suicídio em todos os pacientes com sintomas depressivos, oferecendo as medidas apropriadas nos casos positivos.