Hoje, dia 27/10 é celebrado o dia nacional de mobilização pela saúde da população negra. Neste ano, em meio a uma crescente onda de incursões policiais violentas em áreas marginalizadas, o GT de saúde da População Negra da SBMFC reitera a necessidade de denunciarmos o genocídio da populacao negra em curso.
Como ilustração da situação crítica que se vive em todo pais, somente no estado do Rio de Janeiro, de janeiro a setembro deste ano, a cada 5 horas uma pessoa foi assassinada por agentes do Estado, segundo o Instituto de Segurança Pública (ISP) do RJ.
No primeiro trimestre de 2019, 27,29% dos mortos pela polícia no Rio eram negros, 51,15% eram pardos e 13,07%, brancos. Dos 436 mortos em ações policiais no Rio neste período, pelos menos 342 eram negros ou pardos; 127 (29%) eram negros ou pardos e tinham menos de 25 anos.
Um recente estudo publicado pelo centro de pesquisas do MPRJ mostrou, em dez pontos, as características da letalidade policial no estado. Um dos diagnósticos centrais é que “não é possível identificar causalidade entre a letalidade policial e o homicídio doloso no Estado, considerando que os dados disponíveis sequer indicam correlação entre eles”.
O Brasil tem uma das polícias que mais mata no mundo e seu alvo tem raça e endereço: pretos favelados e periféricos. Sob a justificativa de uma “guerra às drogas”, foi construído um projeto de segurança pública que promove a morte da população negra em nome de uma suposta paz da população brasileira.
O ato de racismo encontra-se presente quando se comemora a morte de um jovem negro na ponte Rio – Niterói, quando não nos indignamos com a morte de Agatha Félix, criança negra de 8 anos moradora do complexo do Alemão ou com o encarceramento injusto do DJ Renan da Penha. Em todos esses casos e de outros tantos corpos negros que são exterminados, os sistemas brasileiros judiciário e de segurança pública se apresentam como ameaça e não como proteção.
A violência do Estado produz vítimas diretas e indiretas, atuando de maneira significativa no processo de saúde e adoecimento da população negra. Para cada pessoa negra assassinada pelo Estado, existe uma família que também é devastada. É preciso olhar para o sofrimento dessas famílias negras, que perdem seus filhos e parcerias para o Estado, seja sob forma de assassinatos ou de encarceramento em massa. Para a comunidade fica um misto de dor, revolta e medo, pois cada uma dessas mortes é também um lembrete de que aquela região, aqueles corpos, não são considerados dignos de direitos e cidadania.
A reafirmação e naturalização de estereótipos da população negra como perigosa e violenta, promovem racismo internalizado, que sequestra de crianças e jovens negros a inocência e a possibilidade de sonhar ou projetar o futuro que desejarem. Crianças essas que crescem no país precisando entender que serão consideradas criminosas em potencial para a sociedade, que não se reconhecem representadas nos canais da grande mídia desempenhando papéis de poder ou notoriedade, que aprendem muito cedo que não correspondem ao padrão estético ditado pela supremacia branca e que aprendem com as noticias de jornais que a morte de pretos e pobres deve ser comemorada como um bem para toda a população.
O racismo institucional é reconhecido como a falha coletiva das instituições em prover ações e serviços apropriados e profissionais às pessoas por sua raça/cor, cultura ou etnia.
O racismo institucional se revela quando o Estado, sob forma de política de segurança pública, define a população negra, pobre e favelizada como alvo de operações polícias, subjugando o sofrimento e menosprezando a vida (e morte) dessa parcela da população.
O racismo institucional faz com que a MFC invisibilize o sofrimento da população negra, seja reproduzindo estereótipos, não identificando a vivência cotidiana do racismo, ou não acolhendo e valorizando o adoecimento que ele provoca.
Um cuidado em saúde que silencia as desigualdades raciais produzidas na sociedade brasileira e seus impactos no processo de saúde e adoecimento da população negra, nunca será equânime ou justo.
Raramente reconhecemos como violentas e racistas essas ações do Estado, que vão, pouco a pouco, provocando sofrimento, adoecimento e a morte da população negra, pobre e periférica, seja com o braço da política de seguranca pública ou com a negligência e cuidado não racializado em saúde.
Neste dia 27 de outubro o GT de Saúde da população negra quer fazer um apelo pela saúde da população negra, maioria da população brasileira, que é a maioria significativa entre vitimas de assassinatos, de suicidio e do descaso do Estado. Por uma medicina de familia e comunidade e uma APS que reconheça as iniquidades socias e os impactos do racismo no processo de saúde-adoecimento da população e que advogue por seus pacientes de forma antiracista.
Referências:
Letalidade Policial no Rio de Janeiro em 10 pontos
Centro de Pesquisas – Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.mprj.mp.br/documents/20184/540394/letalidade_policial_no_rio_de_janeiro_em_10_pontos_1.pdf
Rocha, GL. A polícia do RJ nunca matou tanto jovem negro ou pardo como no 1º trimestre de 2019. [internet]. 23 de set de 2019. Disponível em: https://www.buzzfeed.com/br/guilhermelr/policia-rio-de-janeiro-mortes-agatha
WERNECK, J. Racismo institucional e saúde da população negra. Saúde e Sociedade, 2016, 25(3), 535-549.
JONES, C. P. Confronting institutionalized racism. Phylon, Atlanta v. 50, n. 1, p. 7-22, 2002.
CARMICHAEL, S. Hamilton. Black Power: The Politics of Liberation. 1967.
BRASIL. Ministério da Saúde. Portaria no 992, de 13 de maio de 2009. Institui a Política Nacional de Saúde Integral da População Negra. Diário Oficial [da] União, Brasília, DF, 13 maio 2009b.