Nota de posicionamento do Grupo de Trabalho Mulheres na Medicina de Família e Comunidade a PEC nº 164/2012

2 de dezembro de 2024

A aprovação da PEC 164/2012 pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados, com 35 votos favoráveis e 15 contrários, representa um ataque direto e grave aos direitos reprodutivos de meninas, mulheres e pessoas que gestam no Brasil. Essa decisão visa eliminar a possibilidade de aborto em qualquer circunstância, violando princípios básicos dos direitos humanos ao impor a continuidade de gestações resultantes de violência, que causam sofrimento extremo ou que causam risco à vida da pessoa que gesta.

Implicações da Decisão

Atualmente, o aborto legal é permitido no Brasil em três situações específicas: quando a gravidez é decorrente de estupro, quando há risco de vida para a mulher – ambos os permissivos previstos pelo Código Penal de 1940 -, e nos casos de anencefalia fetal, em virtude da ADPF 54/2012, abrindo precedente para casos de outras malformações incompatíveis com a vida extrauterina. A aprovação desta PEC visa alterar o artigo 5° da Constituição para garantir a inviolabilidade do direito à vida desde a concepção. Na prática, isso implica na proibição do aborto legal mesmo nas condições já previstas por lei, forçando potencialmente milhares de meninas, mulheres e pessoas que gestam a levarem adiante gravidezes de fetos incompatíveis com a vida, que impõem graves riscos à saúde e aquelas que são fruto de violência sexual.

Com a alteração proposta pela PEC, a  legislação brasileira sobre aborto, que já é uma das mais restritivas em todo o mundo, igualaria o Brasil a um grupo muito pequeno de países onde o aborto não é permitido em nenhuma situação – como El Salvador, Nicarágua e Iraque -, reconhecidos por violações dos direitos sexuais e reprodutivos e direitos das mulheres.   

Aborto Legal como Cuidado em Saúde

Em 2023, o Brasil registrou 83.988 denúncias de estupro, alcançando um novo recorde. Esse número corresponde a uma média de um estupro a cada seis minutos, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública de 2024. Cerca de 76% dos registros de 2023 referem-se ao crime de estupro de vulnerável, que envolve vítimas menores de 14 anos ou incapazes de consentir por razões como deficiência ou enfermidade. Estima-se que 5% dos estupros possa resultar em gravidez, sendo a interrupção legal da gestação nestes casos um direito previsto em lei.

A morte materna indireta refere-se a óbitos de mulheres que, embora não resultem diretamente de complicações obstétricas, são influenciados por condições de saúde pré-existentes ou agravadas durante a gestação, como doenças cardíacas ou infecciosas. Considerando que essas mortes são, em grande parte, evitáveis, torna-se evidente a importância do direito ao aborto legal e seguro em situações de risco à vida da pessoa gestante, que não precisa ser iminente.

Defendemos firmemente que o aborto legal deve ser reconhecido, portanto, como uma questão de saúde pública e um direito humano essencial. O acesso ao aborto legal e seguro é tanto uma questão de autonomia reprodutiva, como também garantia de acesso ao cuidado e acolhimento em saúde. Negar esse direito é submeter milhares de pessoas, em especial meninas e mulheres vítimas de violência, a riscos a sua saúde física e mental e em casos de violência sexual, prolongar o trauma e a dor associados à violação sofrida.

Ações e Mobilizações Sociais

Neste momento crítico, é fundamental apoiar e amplificar as vozes dos movimentos sociais que lutam contra violações dos direitos sexuais e reprodutivos, como a aprovação da PEC 164/2012. Essas mobilizações são essenciais para pressionar os legisladores a reconsiderarem a proposta e defenderem os direitos das pessoas a tomarem decisões autônomas sobre seus corpos e suas vidas.

Conclusão

A SBMFC continua comprometida com a defesa do direito ao aborto legal como um componente vital do cuidado em saúde. Conclamamos que se juntem aos esforços para proteger e promover os direitos reprodutivos no Brasil. Proibir o aborto legal é uma forma de violência institucional contra mulheres, meninas e pessoas que gestam,  em especial aquelas que já enfrentam vulnerabilidades significativas. É nosso dever coletivo garantir que esses direitos sejam respeitados e protegidos. A luta pela justiça reprodutiva é uma luta pela dignidade e pela vida de todas as pessoas.

GT de Mulheres na MFC
Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade
28/11/2024