Alerta às(os) Brasileiras(os): A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade declara Emergência de Saúde Climática, Humana e Planetária.
A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC), vem por meio de nota, declarar, juntamente com a Organização Mundial dos Médicos de Família, o estado de emergência climática mundial e a calamidade atual enfrentada pelo Brasil. Além disso, é crucial reconhecermos que, para além da catástrofe das seca e incêndios, o problema é sistêmico e melhor definido como Emergência da Saúde Climática, Humana e Planetária.
Diante do atual cenário de queimadas florestais, com piora substancial da poluição do ar já existente, o cenário se tornou um desafio para a saúde pública, como também tem provocado mortes de diversos animais dos biomas atingidos pelo fogo, por consequência direta ou indireta do fogo. Já vivemos o caos de um planeta 1,2°C mais quente, com secas e ondas de calor no Brasil decorrentes dessas mudanças climáticas, e que se agravam ano a ano, criando condições para as mega queimadas ilegais e descontroladas de florestas e plantações. Esses incêndios geram rios voadores de fumaça que atravessam o Brasil e já estão alcançando outros países.
Devemos reconhecer que estas mudanças climáticas não são naturais, nem esperadas nesta magnitude, e são reflexo do capitalismo neoliberal, com consequências diretas de escolhas políticas, provocadas pela destruição do meio ambiente para uso inesgotável de seus recursos, com substituição da vegetação natural por pasto, uso de agrotóxicos, derrubada e comércio de madeira oriundo de árvores, pela poluição dos rios e florestas com materiais altamente poluentes, o contínuo uso de combustíveis fósseis. Atividades essas que põem em risco a vida e a saúde do planeta e das pessoas.
Tais condições inóspitas de saúde afetam a todos os seres. O sol está laranja, o céu cinza, o ar queimado e os corações de todas(os) apertados. Além do evidente impacto na saúde da população lotando as unidades de saúde, como as clínicas da família e os hospitais. A queima das florestas adoece o clima e o planeta e, consequentemente, todos os seres humanos. Sabemos que o ar poluído (com poeira microscópica, descrito como material particulado) produto da queimada, penetra e inflama pulmões, coração, cérebro, placenta, entre outros órgãos. Essa micropoeira, tanto a curto quanto a longo prazo, causa danos severos mesmo quando não percebemos, e equivale a fumar cigarros diariamente, incluindo nossas crianças. Enfim, a poluição do ar mata 4 milhões de pessoas ao ano, o que é comparável à catástrofe da pandemia de covid19!
Recomendações, como uso de umidificadores locais, uso de máscaras, evitar atividades ao ar livre, uso de filtros de ar domiciliares, aumento de ingestão hídrica e, em alguns casos, evacuação de território, são algumas das orientações necessárias de proteção à população, mas ainda insuficientes ao estado de calamidade pública. A cidade de São Paulo, no último dia 09 de setembro deste ano, entrou para o ranking das cidades com pior qualidade do ar, segundo o site suíço IQAir, que monitora o ar nas principais metrópoles mundiais. Tal dado se concretiza em números a partir da notificação de casos de óbitos por síndrome respiratória na capital de São Paulo, segundo a Secretaria Municipal de Saúde, durante esse mesmo período de queimadas intensificadas e piora da qualidade do ar. Note-se que, apesar de os mais vulneráveis serem as crianças, gestantes, idosos e pessoas com condições crônicas, todas as vidas humanas e não humanas são impactadas.
A poluição do ar em diversas cidades brasileiras afetadas é 25,2 vezes maior que o valor recomendado pela Organização Mundial de Saúde e isso exige maior atenção e ações efetivas do governo federal, a começar pelo reconhecimento do atual evento climático extremo, declarando estado de emergência climática e promovendo medidas de prevenção, adaptação e gestão de risco e desastre ao estado de emergência climática.
As secas, as ondas de calor, os incêndios, as queimadas ilegais, a perda de biodiversidade, o aumento das doenças infectocontagiosas, o adoecimento físico e mental, como ansiedade climática e solastalgia, a diminuição de produção de comida, as enchentes devastadoras, como aconteceu no Rio Grande do Sul em maio deste ano e de outros estados, são exemplos de alguns transtornos provocados pelas mudanças climáticas e que seguem negligenciados, causando impactos cada vez maiores na saúde humana, em especial nas populações mais vulneráveis.
Como nação, estamos começando a entender porque as mudanças climáticas são a maior ameaça à saúde humana no século 21. Entretanto, se profissionais de saúde, cientistas, sociedade civil, comércio, indústria, agricultura, legislativo, judiciário e governo souberem encarar essa emergência como os aprendizados da pandemia de COVID, certamente poderemos sair fortalecidos desse desafio. Sabemos que as medidas para evitar a piora do desastre climático envolvem proteção ampla do meio ambiente e que são urgentes medidas de enfrentamento à emergência climática, com ações imediatas desde o nível federal ao municipal, para proteção da população e dos ecossistemas, com leis rigorosas e políticas públicas para uma transição energética baseada na justiça climática e na equidade.
A SBMFC, junto a seu respectivo Grupo de Trabalho de Saúde Planetária, reconhece o estado de emergência climática e se dispõe a apoiar o Governo Federal, especialmente junto ao Ministério da Saúde e Secretaria de Atenção Primária à Saúde, e também aos Ministérios do Meio Ambiente e Mudança do Clima e dos Povos Indígenas, para uma liderança transformadora e inspiradora globalmente de enfrentamento a emergência climática. Através de ações voltadas à mitigação, proteção, adaptação, gestão e regeneração do planeta, a partir da construção de um Plano de Saúde Climática, Humana e Planetária, um plano que possa estabelecer ações imediatas e de longo prazo, incluindo a Saúde Planetária na educação médica e de outras disciplinas, para que profissionais de saúde estejam preparados para identificar, prevenir e responder aos impactos da mudança climática e da degradação ambiental na saúde, com estratégias para avaliação e intervenção aos riscos climáticos, práticas de resiliência climática nos serviços de saúde, principalmente da Atenção Primária à Saúde (APS) e ações de descarbonização local e nacional, sempre motivados à proteção, regeneração e adaptação climática urgentes e de forma integral à saúde e vida de todos os seres e do Planeta.
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