Em plena semana da Criança, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) manifesta sua revolta e indignação contra a brutal exposição da infância à violência no Brasil e alerta toda a sociedade sobre os impactos negativos de atos dessa natureza para a saúde de meninas e meninos.
No último dia 10 de outubro, durante evento religioso em Goiânia (GO), a ex-ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e senadora eleita Damares Alves promoveu um episódio grotesco – já amplamente divulgado, porém indigno de descrição detalhada nesta nota – ao relatar bárbaros abusos sexuais contra menores diante de uma plateia repleta de crianças.
Além da aparente omissão da então ministra frente aos abusos, fato que precisa ser investigado, a atitude de Damares Alves fere os Artigos 74 e 75 do Estatuto da Criança[1], que tratam da regulação de eventos e obrigam seus responsáveis a informar previamente sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.
Outros dois episódios chocantes, promovidos por instituições públicas, ocorrem no próprio Dia das Crianças, 12 de outubro. Em Uberaba (MG), a programação da prefeitura para o público infantil incluiu uma exposição de armas com explicações sobre uso de rifles, metralhadoras e bombas, permitindo que crianças tocassem nos equipamentos. Já no Rio de Janeiro (RJ), a Polícia Militar utilizou-se de crianças com fardas e simulacros de fuzil para celebrar a data.
Não é a primeira vez que crianças são expostas à violência por políticos ou agentes públicos. Mas é notória a escalada de abusos, da banalização das armas e da promoção da cultura da violência a partir do atual governo, estimulada pelo próprio presidente da República que, sorridente, fartou-se de expor e explorar crianças para promover o culto ao armamento.
O Brasil, sabidamente, é um dos países mais violentos do mundo, inclusive contra as crianças e adolescentes. Nos últimos anos[2], desde 2016, mais de 35 mil crianças e adolescentes de 0 a 19 anos foram mortos de forma violenta no Brasil – uma média de 7 mil por ano. Entre 2016 a 2020, houve um aumento de 27% de mortes violentas na faixa etária de até 4 anos. A partir de 2017, mais de 180 mil sofreram violência sexual. Dados que, seguramente, estão subestimados.
Basta de Violência! Basta da manipulação inescrupulosa de crianças para fins políticos – sejam para interesses eleitorais, de curto prazo, sejam para fins deseducadores, que pretendem normalizar a ideologia bélica ao longo do tempo.
Nós, médicas e médicos de família e comunidade que cuidamos diariamente de crianças e sabemos o desdobramento dessa violência sobre a saúde de meninas e meninos, conclamamos todas as sociedades científicas no âmbito da saúde, assim como toda a população brasileira a manifestar sua indignação e desenvolver ações que punam e coíbam, definitivamente, estes atos.
[1] Estatuto da Criança https://www.gov.br/mdh/pt-br/navegue-por-temas/crianca-e-adolescente/publicacoes/eca_digital_Defeso_V2.pdf ,
[2] Panorama da Violência Letal e Sexual contra Crianças e Adolescentes no Brasil, https://www.unicef.org/brazil/comunicados-de-imprensa/nos-ultimos-cinco-anos-35-mil-criancas-e-adolescentes-foram-mortos-de-forma-violenta-no-brasil,