Apesar dos esforços para aumentar a conscientização sobre as infecções sexualmente transmissíveis, os casos de sífilis têm aumentado em todo o mundo, mas especialmente em países de baixa e média renda, como o Brasil. Em 2020, o país registrou 115,3 mil novos casos de sífilis. Desses, 61,4 mil eram gestantes e 22 mil eram crianças que contraíram a doença na modalidade congênita. Os novos dados e as alternativas para avançar no combate a este agravo no Brasil foram debatidos nesta quarta-feira (20), no seminário Semana Nacional de Enfrentamento à Sífilis e a Sífilis Congênita, do Ministério da Saúde.
De acordo com os especialistas de Sociedades Científicas e Universidades, o manejo da sífilis se apresenta como um tema urgente de saúde pública. Isso inclui a necessidade de desenvolver ações que contemplem avaliação, classificação e intervenção, bem como a educação da população para a prevenção e a criação de estratégias que auxiliem a vigilância epidemiológica.
Representando a Febrasgo, o médico Geraldo Duarte lembrou que mesmo em meio à pandemia de Covid-19, o Ministério da Saúde vem executando diversas estratégias nacionais para o controle da sífilis e da sífilis congênita, mas que é preciso avançar ainda mais. “Um dos problemas no enfrentamento deste agravo é a baixa noção de vulnerabilidade, temos gestantes e parceiros que não se tratam ou que não fazem o controle do tratamento. Temos ainda políticas insuficientes em gestão, faltam mecanismos de controle de qualidade, há equipes que ainda resistem ao pré-natal do parceiro, além do início tardio do pré-natal, entre outros.”
Segundo o dr. Geraldo Duarte, que também é professor titular do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, estender o pré-natal ao parceiro aumenta a adesão da gestante e reduz a transmissão vertical (de mãe para o bebê durante o parto) de infecções. “O pré-natal estendido ao parceiro possibilita o diagnóstico precoce de HIV, hepatites B e C e sífilis, infecções que podem ser transmitidas para a mulher e dela para o bebê.”
A sífilis é uma infecção causada pela bactéria Treponema pallidum que se manifesta em diferentes estágios. A infecção se dá pelo ato sexual, por transfusão de sangue, por transplante de órgãos e, também, por transmissão vertical (da mãe para o filho, durante a gestação, trabalho de parto ou amamentação), sendo esta última a mais perigosa para a saúde da criança.
Os sintomas maternos acontecem em três estágios. O primeiro, chamado de sífilis recente, dura até um ano e suas manifestações clínicas se dividem em primárias e secundárias.
A segunda fase da sífilis é chamada de sífilis latente e começa quando os sintomas e sinais secundários da doença desaparecem, com ou sem tratamento. Em um terceiro momento, chama-se sífilis tardia e surge tardiamente em pessoas que não realizaram o tratamento. A terceira fase pode levar de 30 a 40 anos para se manifestar, mas ocorre de forma grave e irreversível, com lesões cutâneas gomosas, ósseas, cardiovasculares e neurológicas.
No caso de mulheres grávidas, a situação é ainda mais alarmante. Segundo Dr. Geraldo, 40% das crianças cuja mãe tem a doença e está sem tratamento morrem ainda no útero. Outros 40% nascem com sífilis congênita e apenas 20% vem à luz sem o estigma da doença. Os infectados podem desenvolver alterações ósseas, dentárias e até neurológicas (a chamada neurossífilis). Até os primeiros dois anos de vida, a sífilis congênita tardia pode ser silenciosa, evidenciando-se após esse período e agravando-se ao longo do tempo.
Da Sociedade Brasileira de Pediatria, a médica Lícia Moreira disse que é possível evitar novos casos de sífilis congênita com ações preventivas e um pré-natal de qualidade. “Temos que atuar em rede, inclusive atenção básica, atenção especializada e hospitalar. Precisamos de políticas públicas com apelos educativos fortes, envolvendo as famílias como responsáveis pela sua própria saúde. É preciso ainda atualizar, motivar e oferecer suporte aos profissionais de saúde, além de melhorar o atendimento hospitalar ao recém-nascido, como equipes capacitadas. Por isso, é tão importante a parceria com as sociedades científicas na capacitação e produção de conhecimento.”
Assim como o dr. Geraldo, a pediatra Lícia acredita que um dos caminhos para prevenir a sífilis congênita é tratar as gestantes infectadas e seus parceiros. “Temos ainda que investir em educação e campanhas efetivas. Sem programas fortes de educação é difícil mudar a saúde do país. A sífilis é uma doença de família.”
O presidente da Sociedade Brasileira de DST, José Eleutério Júnior, alertou que a sífilis é um problema mundial. “O Brasil não está sozinho diante do avanço da sífilis. Embora tenhamos registrado um aumento rápido e expressivo, até os países desenvolvidos notificaram nos últimos anos mais casos da doença adquirida e congênita, além de outras ISTs”, disse, afirmando que a sífilis “é uma doença de fácil diagnóstico e fácil tratamento, mas continua muito prevalente. Há uma questão de conscientização que ainda precisa ser enfrentada.”
Família e Comunidade
A médica Zeliete Linhares Leite Zambon, presidente da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, também participou da discussão e contou que a sífilis congênita ‘infelizmente’ ainda é assunto do dia a dia na atenção primária a saúde. “A sífilis congênita é um agravo que deve ser evitado. Temos que trabalhar na atenção primária para identificar onde está o problema. Como está o acesso e a qualidade da realização do pré-natal? Já ouvi que há mães que não fazem o pré-natal porque não quer. Será que é verdade? Será que essa mulher tem condições financeiras para ir a UBS? Como tem sido a busca ativa? As enfermeiras estão capacitadas para fazer o teste rápido de HIV e sífilis? Há muitas perguntas sem resposta.”
Sífilis Não
O professor Ricardo Valentim, da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, contou que O Projeto Sífilis Não, desenvolvido pelo Laboratório de Inovação Tecnológica em Saúde/LAIS da UFRN em parceria com o Ministério da Saúde e a OPAS – Organização Pan-Americana da Saúde, vem mudando o cenário da doença no Brasil. “Os dados apontam o aumento nas notificações de sífilis em gestantes, numa comparação entre os anos de 2018 e 2020. No entanto, neste mesmo período houve uma redução dos casos de sífilis congênita.”
Para Valentim, as notificações de sífilis em gestantes representam que essa mulher está recebendo o atendimento adequado durante o pré-natal, enquanto há redução significativa nos casos de sífilis congênita. Ou seja: a testagem está funcionando e essa gestante está sendo tratada, evitando que a infecção seja transmitida para o bebê. “Isso mostra que o projeto ‘Sífilis Não’ tem contribuído de maneira importante, como ferramenta de indução de política pública do Ministério da Saúde para a redução dos casos de sífilis em todo o país. Esse é um dado que merece ser comemorado, mas sempre alertando a população para a consciência quanto à prevenção, testagem e tratamento em relação à sífilis”, ressaltou.
O seminário Semana Nacional de Enfrentamento à Sífilis e a Sífilis Congênita é uma iniciativa do Ministério da Saúde e da OPAS.
Redação da Agência de Notícias da Aids