*Produção do Grupo de Trabalho de Saúde Prisional da SBMFC
Neste dia 07 de abril, dia mundial da saúde em 2020, devemos mais do que nunca ratificar o conceito ampliado de saúde. Estamos falando daquele importante conceito que foi resultado de amplas discussões, participações, debates e reflexões envolvendo os diversos setores da sociedade brasileira, cujo processo culminou em 1986, na 8ª Conferência Nacional de Saúde, nas bases para a construção do Sistema Único de Saúde, o SUS. Conceito este que ao englobar alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, transporte, emprego, lazer, acesso a posse da terra, acesso aos serviços de saúde e a LIBERDADE reconhece elementos necessários para saúde e qualidade de vida, para além de ausência de doenças. Dentro desta perspectiva vieram as ações de prevenção de agravos e promoção de saúde e o reconhecimento de como os determinantes sociais interagem com outros níveis na sociedade, por exemplo a economia, a qual tem sido muito evocada nos últimos dias, nos obrigando a torná-la humanizada no que toca a discussão sobre a distribuição das riquezas em nossa sociedade.
Neste caminho, a luta pela garantia dos direitos humanos no Brasil também nos mostra que este conceito de saúde e sua prática ainda escorregam na lama do preconceito, do racismo e da invisibilidade. Especificamente sobre a saúde das pessoas privadas de liberdade (saúde prisional) no Brasil – o que envolve além das pessoas presas, aquelas que atuam no espaço prisional, seja na saúde, na segurança, nos serviços gerais e administrativo – há um abismo entre o que é de direito das pessoas, dever do Estado e a realidade atual. Pessoas em sua maioria negras, jovens e de baixa escolaridade, na fase mais produtiva da vida e que estão sendo submetidas a condições de vida insalubres sob a responsabilidade do Estado, o qual as custodia. Condições estas já verificadas, na maioria das vezes, antes do encarceramento. Desta forma, o Brasil descumpre sua própria legislação a exemplo da Lei de Execução Penal que garante os cuidados de saúde para preás e presos e tratados dos quais é signatário, a exemplo das Regras de Mandela, no que tange a garantia dos direitos das pessoas presas quando não garante condições mínimas de acesso a água potável, alimentação saudável, educação, condições salubres de estadia, aos cuidados de saúde, entre outros, para quem está dentro e na mesma medida para quem está fora das prisões. Uma parcela considerável da população brasileira vive de forma precária, evidenciando as desigualdades existentes e a negação do direito à saúde, conforme informa o Guia de orientações para Favelas e Periferias, elaborado pelo GT em Saúde da População Negra da SBMFC que buscou estratégias para a prevenção da COVID-19 para as pessoas que vivem em favelas e periferias no Brasil. Neste contexto da pandemia pelo COVID-19, esta situação de negação dos direitos humanos ganha contornos dramáticos, dada a incapacidade de garantir as pessoas que estão privadas de liberdade que busquem cuidados de saúde e a exigência de dependerem que os cuidados a saúde cheguem em momento possível em unidades superlotadas, sem equipamentos adequados para as equipes de saúde e equipes de segurança ou mesmo sem o acesso a testagem e garantia de diagnóstico para todos. Sem falar no isolamento, distanciamento e quarentena, práticas orientadas e expressões tão utilizadas nos últimos dias e que leva a população prisional sensação de impotência diante desta crise mundial.
Este grupo de trabalho considera que o único acesso a saúde para a população prisional no Brasil, onde os profissionais de saúde lutam em subcondições contra o tempo para garantir a atenção a saúde, prevenindo, tratando e recuperando as pessoas num contexto de complexidade ainda pouco explorado, evitando a sobrecarga dos níveis secundário e terciário de atenção à saúde, para além dos tempos de pandemia. Garantir que as pessoas presas tenham acesso a saúde é garantir que o SUS cumpra seu papel de promover a saúde para todas as pessoas.
Há de se destacar que, desde o surgimento do SUS, diversos oponentes vêm tentando rotular o nosso sistema de saúde como incapaz e inoperante e diminuir a sua importância para a sociedade. Compreendemos que há um processo de sucateamento do SUS pelo próprio poder público que pode ter origem nos interesses de privatização do acesso à saúde. Contudo, em momentos como esse, não resta nenhuma dúvida de sua importância para garantia de direito à saúde a todas as brasileiras e brasileiros, bem como todas as pessoas que se encontram em território brasileiro. Quantas doentes graves e mortes teríamos entre as pessoas presas, se apenas quem tem planos de saúde ou recursos financeiros pudesse acessar a rede de atendimento à saúde? Portanto, é fundamental olhar para os acontecimentos atuais, olhar para a emergência internacional em saúde pública declarada pela Organização Mundial da Saúde e olhar as inúmeras ações promovidas pelo SUS e valorizá-lo, reivindicando a ampliação do seu orçamento, o fortalecimento da Atenção Primária à Saúde, entre outras medidas com o objetivo de aperfeiçoamento dos seus serviços para toda população brasileira na sua integralidade.
Portanto, este Grupo de Trabalho em Saúde Prisional reconhece, neste importante dia que garantir saúde retomar a história, é defender e fortalecer o SUS, combater o seu desmonte e convocar toda a sociedade para que defenda o Sistema Único de Saúde como uma política de estado. Saúde é luta, é conquista, é direito: O SUS é vivo e inclusivo!
Referências
1.Brasil. Ministério da Saúde. 8ª Conferência Nacional de Saúde. Relatório Final. 1986. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/8_conferencia_nacional_saude_relatorio_final.pdf. Acesso em 05/04/2020.
- Santos, Andreia Beatriz Silva dos; Vasconcelos, Edney; Pereira Jr, Paulo Roberto Cardoso. Grupo de Trabalho em Saúde Prisional. Medidas e Orientações para enfrentamento ao COVID nas prisões. Disponivel em : https://www.sbmfc.org.br/wp-content/uploads/2020/03/Medidas-e-orientac%CC%A7o%CC%83es-para-o-enfrentamento-a-COVID-%E2%80%93-19-nas-priso%CC%83es.pdf. Acesso em 05/04/2020.
- Regras de Nelson Mandela. Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento de Reclusos. Disponível em: https://www.unodc.org/documents/justice-and-prison-reform/Nelson_Mandela_Rules-P-ebook.pdf. Acesso em 04/04/2020.
- 4. Brasil. 1988. Constituição da República Federativa do Brasil.
- 5. Borret, Rita Helena; Vieira, Renata Carneiro; Oliveira, Denize Ornelas Pereira Salvador. Orientações para Favelas e Periferias. Grupo de Trabalho em Saúde da População Negra. 1ª edição – 22 de março de 2020. Disponível em https://www.sbmfc.org.br/noticias/gt-de-saude-da-populacao-negra-lanca-guia-sobre-covid-19-para-periferias-e-comunidades/. Acesso em 06/04/2020.
6.Organização Panamericana de Saúde. Organização Mundial da Saúde. OMS declara emergência de saúde pública de importância internacional por surto de novo Coronavírus. Disponível em https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=6100:oms-declara-emergencia-de-saude-publica-de-importancia-internacional-em-relacao-a-novo-coronavirus&Itemid=812: Acesso em 06/04/2020.