A partir da divulgação da Estimativa 2020 do Instituto Nacional do Câncer (Inca), em 4 de fevereiro, o Grupo de Trabalho de Saúde dos Homens orienta sobre a interpretação de dados divulgados sobre os tipos de câncer mais frequentes e com maior mortalidade na população masculina brasileira. O documento completo está disponível no link: https://www.inca.gov.br/publicacoes/livros/estimativa-2020-incidencia-de-cancer-no-brasil.
A nova metodologia utilizada pelo INCA visou aprimorar a coleta de dados e pode permitir uma melhor avaliação da situação do câncer no Brasil de acordo com o tipo, idade, sexo e unidade da federação. O relatório do Inca calcula a tendência do número de casos novos da doença para o triênio entre 2020 e 2022. O relatório demonstra que os cinco cânceres mais frequentes na população masculina devem ser:
Próstata: 65.840 novos casos
Cólon (intestino grosso): 20.520 novos casos
Pulmão: 17.760 novos casos
Estômago: 13.360 novos casos
Boca: 11.180 novos casos
Mas ao comparar esses números com os de mortalidade, verificam-se que nem sempre os mais frequentes são os responsáveis pelo maior número de óbitos. Os cânceres que mais matam os homens, em ordem decrescente, são:
Pulmão: 16.137 óbitos
Próstata: 15.391 óbitos
Cólon: 9.207 óbitos
Estômago: 9.206 óbitos
Esôfago: 6.647 óbitos
As razões para essa diferença decorrem da agressividade do tumor e da existência ou não de estratégias eficientes de prevenção, diagnóstico e tratamento. No caso do câncer de próstata, segundo o relatório, uma parte dos novos casos decorre de cânceres que foram superdiagnosticados por exames preventivos, mas cujo resultado não traz nenhum benefício para a redução da mortalidade. Seriam exames preventivos solicitados de forma inadequada, ou seja, sem a evidência científica de benefício que o justifique. Por outro lado, há estratégia eficientes de prevenção para os demais cânceres que mais matam os homens (pulmão, cólon, estômago e esôfago).
O principal fator de risco para o câncer de pulmão é cigarro e para o estômago e esôfago, além do cigarro, o álcool. Portanto, ações que reduzam o consumo de tabaco e álcool na população poderiam ter impacto no surgimento destes novos casos. O Brasil tem conseguido implementar uma política eficiente para redução do tabagismo. Entretanto, a queda do número de fumantes não tem sido igual em toda população. As camadas mais pobres têm uma proporção de fumantes maior que as camadas mais ricas. Portanto, assim como outras doenças, o tabagismo tem se tornado um fator de risco mais presente justamente nas camadas já desfavorecidas da sociedade.
Em relação ao câncer de cólon uma estratégia adequada para reduzir a mortalidade é a detecção precoce por meio de um exame de fezes chamado sangue oculto nas fezes. Esse exame é de fácil realização e pode ser feito a partir dos 50 anos na própria Unidade Básica de Saúde. Entretanto, se esse exame estiver alterado, é necessária a realização de uma colonoscopia para confirmar o diagnóstico. E esse têm sido o principal problema para atuarmos de forma adequada na prevenção do câncer de cólon. A colonoscopia está pouco disponibilizada no serviço público de saúde, ou seja, de nada adianta oferecer a realização de um exame preventivo se você não pode oferecer uma conclusão diagnóstica e alternativas de tratamento. Novamente, os mais prejudicados são aquelas pessoas que dependem exclusivamente da oferta desse exame na rede pública.
Portanto, os recursos gastos atualmente pelo governo com campanhas de prevenção de câncer de próstata, cuja evidência é bastante questionada na literatura científica, seriam mais bem investidos se fossem destinados a programas para prevenção do tabagismo e oferta de exames para diagnóstico e tratamento do câncer de cólon, cujas evidências de impacto já estão bem estabelecidas pela ciência. Essa seria uma estratégia eficiente para reduzir as taxas de mortalidade por câncer entre os homens e para reduzir a desigualdade entre ricos e pobres.