Samantha Pereira França é médica de família e comunidade, vice-presidente da SBMFC – gestão 2018-2020, fez parte da Coordenação do Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro – SMSRJ e hoje atua como gerente nacional de Atenção Primária à saúde na Amil, em São Paulo.
SBMFC: Qual o papel da vice-presidente da SBMFC?
Samantha: A vice–presidência atua em conjunto com a presidência apoiando em todas as decisões da SBMFC como instituição, representando a entidade em eventos, fazendo contatos institucionais.
SBMFC: Você teve participação ativa nas últimas gestões da SBMFC como diretora financeira entre 2014-2018. Conte quando se tornou sócia da SBMFC e como foi a relação com sociedade até decidir participar da gestão da entidade.
Samantha: Depois que eu me formei na residência em 2005. Fiz minha residência na UERJ e a diretora do departamento de Medicina Integral era a Inez Padulla, uma das fundadoras da SBMFC, então creio que devo minha ligação inicial com a entidade a ela. Minha relação com a SBMFC tinha muito do interesse científico, em torno dos congressos, de poder ouvir nomes da MFC que eu admirava e me atualizar, conhecer e fazer contatos com outros colegas que atuavam em outros lugares do Brasil e de outras partes do mundo. Até que Nulvio Lermen me convidou a fazer parte da gestão. Algo que nunca havia cogitado, mas vi naquela oportunidade uma chance de contribuir para a nossa comunidade de médicos de família, então resolvi aceitar o desafio.
SBMFC: Por que é importante para uma especialidade médica ter uma entidade representativa e dos especialistas em MFC serem sócios da SBFMC?
Samantha: É bastante claro para mim que hoje uma especialidade que não tenha uma entidade representativa forte não consegue ter voz nos espaços de discussão e decisão. Por esse motivo é desejável que todos os especialistas MFCs se tornem sócios, para que se tornem visíveis enquanto representantes dessa especialidade; Porque apesar de a Medicina de Família estar presente no Brasil e ter contribuição significativa na saúde pública brasileira há pelo menos 3 décadas, ela ganhou muita força nos últimos anos ancorada na expansão de serviços em atenção primária à saúde no SUS e mais recentemente no setor privado. A adesão dos médicos especialistas em MFC é que vai determinar em grande se vamos conseguir ocupar os espaços institucionais e para que tenhamos voz e presença cada vez maior na cena dos sistemas de saúde no Brasil. Penso que temos que trazer cada vez mais os MFCs para dentro dessa entidade, e quanto mais diferenças e perfis de médicos nós temos mais relevantes nos tornamos.
SBMFC: A representatividade da SBMFC se enquadra vários âmbitos: nacional e internacionalmente: como isso é feita?
Samantha: Acredito que por meio da rede de contatos e representações que conseguimos estabelecer. Cada médico de família que se faz presente nos espaços públicos está à princípio representando a especialidade. Por isso é tão importante que nós, médicos de família estejamos dentro da entidade, para essa nos dê o suporte necessário.
Através de todas as instâncias em que a SBMFC está presente, nacionalmente através das Estaduais que são a ponte com os profissionais especialistas em todo o Brasil, em comitês da Wonca, por exemplo. discutindo temas vitais como saúde ambiental, questões de gênero, etc. Junto as instâncias do governo, pautando temas importantes para a saúde e para a especialidade e contribuindo do ponto de vista técnico e político; Nos espaços científicos de discussão como congressos nacionais e internacionais, divulgando a medicina de família do Brasil e proporcionando a troca de saberes e experiências entre os profissionais dos diversos estados do nosso país.
SBMFC: Na sua opinião quais são os principais desafios e oportunidades que cercam a Medicina de Família e Comunidade?
Samantha: Eu vejo essa questão sob duas perspectivas hoje. A primeira sob o ponto de vista interno nosso grande desafio é conciliar o crescimento da especialidade e por consequência da entidade com a cada vez maior os conflitos inerentes a esse crescimento. Acredito que há alguns atrás havia mais semelhanças entre aqueles que escolhiam a especialidade e isso trazia algumas facilidades. Claro que conflitos sempre houve porém na minha visão havia uma facilidade maior de entendimento. Com a expansão da especialidade é natural que o grupo agregue perfis cada vez mais diversos. Particularmente acho isso muito bom, afinal somos médicos especializados em gente e a diversidade humana deveria ser algo natural para nós. Mas na prática vivemos um período de dificuldades enormes em nos comunicar e nos aceitar como diferentes. Para mim essa é a grande questão hoje e penso que devemos aproveitar essa oportunidade para crescermos juntos enquanto parceiros de especialidade.
Externamente ganhamos mais espaço profissional e representatividade como especialidade médica e nosso compromisso com a discussão das condições de trabalho cresceu também; nessa linha é preciso discutir a grave crise da saúde no sistema público. Obviamente sempre tivemos nossos desafios desde a criação do SUS mas há um nítido esvaziamento de financiamento público, somado a crise econômica e muitos retrocessos na cobertura assistencial em APS como assistimos no Rio de Janeiro por exemplo; No dia a dia da profissão os médicos de famílias lidam diariamente com um complexo cenário de adoecimento físico e vulnerabilidade social associada muitas vezes com a ausência de serviços do estado que gera desânimo e sensação de incapacidade; como médica da ESF eu vivi isso inúmeras vezes; o desafio de diante de tantos problemas encontrar uma perspectiva de atuação. Acredito fortemente que temos uma oportunidade enorme de amadurecimento nesse cenário, mas somente será possível se conseguirmos colocar essas questões em cima da mesa e dialogar como profissionais.
SBMFC: Compartilhe um pouco da sua história: por que escolheu a medicina de família e comunidade, onde fez a residência e o que fez após concluí-la?
Samantha: Ao contrário de vários colegas que admiro muito, médicos de família que escolheram a especialidade logo no início da atuação médica minha história com a MFC começou totalmente por acaso. Eu não tive uma graduação focada em APS, muito pelo contrário. Foi um colega de MG que na época era residente de Medicina Geral e Comunitária (antes da denominação mudar) na UERJ que me sugeriu fazer a prova para a especialidade. Porque eu me interessava por quase todas as áreas clínicas, então a medicina de família conseguia congregar várias áreas de atuação diferentes, e me permitia cuidar de pessoas de diferentes idades. Foi mais tarde, depois de especialista já que eu consegui reconhecer minha identidade de médica de família. Foi um percurso cheio de conflitos como é o amadurecimento. Mas hoje vejo que não seria tão feliz e realizada se tivesse sido especialista focal. Eu fiz minha formação na UERJ, como mencionei anteriormente, e nessa época grande parte da formação era dentro do Hospital Escola da UERJ o Hospital Universitário Pedro Ernesto – HUPE – mesmo nesse cenário inusitado não tenho dúvidas que a Residência foi fundamental na minha formação e estabeleceu praticamente todos os contatos profissionais que foram importantes na minha carreira. Sou muito grata a Inez e ao Donato por essa oportunidade.
SBMFC: Você tem uma boa experiência em gestão de Programas de Residência Médica: como foi atuar na Secretaria de Saúde do Rio de Janeiro e no maior PRM de MFC do Brasil?
Samantha: Difícil de descrever o significado dessa experiência na minha trajetória profissional. Penso que por causa da minha própria história na MFC a oportunidade de fazer parte desse projeto resignificou a medicina de família na minha vida. Eu pude compreender de fato a importância da qualidade da formação da especialidade na atuação médica. E como um programa organizado com base na formação em serviço consegue dar relevância nessa formação. Tive a oportunidade de participar desde o início do projeto, de ver nascer e de ver que é totalmente possível conciliar boa formação e assistência e como a primeira melhora a qualidade da segunda. Trabalhar com a equipe de médicos de família da SMSRJ na época foi maravilhoso. Penso que me fez uma médica de família melhor.
SBMFC: Pode nos apontar diferenças da gestão de Programas de Residência Médica entre as esferas pública e privada?
Samantha: Penso que as diferenças são muito pequenas porque o desafio da formação profissional seja no público e privado e conseguir dar resolver o conflito de um serviço focado em assistência e ensino com todas as contradições que isso traz. Como eu enxergo os usuários do SUS como clientes que pagam por esse serviço as semelhanças são ainda maiores. O que posso dizer é que no privado a qualidade gera ganho para a empresa e a residência é um passo enorme no sentido da qualificação do serviço. E nesse ponto não há contradição nenhuma. A Residência é a solução para vários desafios enfrentados.
SBMFC: Você é uma das responsáveis pela na multiplicação de cursos EURACT no Brasil: conte um pouco sobre a relação com Academia Europeia e sobre os cursos oferecidos
Samantha: Eu entrei em contato com o Euract por uma necessidade de qualificação dos preceptores que já estavam formando os futuros médicos de família no PRMFC da SMSRio. Quando eu participei da primeira formação, o Euract I me surpreendi positivamente em ver como essa formação está alinhada com a prática diária dos profissionais formadores. Fiquei encantada pela simplicidade e profundidade da formação e comecei a avançar nos módulos até que me tornei formadora. Eu devo ao Euract a convivência com o José Mauro Cerratti Lopes, a quem considero um dos maiores mestres da MFC que tive. Posso dizer que só isso já valeu, participar das formações e testemunhar a alegria dele e empolgação em partilhar conhecimento, experiências com os colegas me deu muito gás para seguir adiante no enorme desafio que tínhamos na formação dos médicos formadores.
SBMFC: Para finalizar, deixe uma mensagem para os associados
Samantha: Não me considero muito boa em mensagens, mas creio que somente uma prática de excelência técnica amparada em boa formação e ética na prática diária nos distingue como verdadeiros médicos de família. E que tenho muito orgulho de fazer parte dessa comunidade. Deixo um grande abraço para meus colegas.