Patrícia Chueiri é secretária-geral da SBMFC, médica de família e comunidade, atuou no Departamento de Atenção Básica do e no Departamento de Atenção Especializada e Temática do Ministério da Saúde e como professora de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
SBMFC: Na atual gestão da SBMFC como secretária-geral, qual seu papel nas atividades diárias da Sociedade?
Patrícia: A atuação da secretária geral é pautada em dois grandes pilares, o primeiro mais ligado as ações administrativas da sociedade – atas das reuniões, supervisão e apoio ao trabalho do Rogério, da Aline e do Paulo, assinar documentos junto com o presidente e responder questões sobre o estatuto. O segundo, e mais interessante, é participar representando a diretoria nas reuniões e no chat oficial do conselho, formado também por todas as estaduais associadas. Este espaço dever se ocupado por debates de questões primordiais para a saúde do país, para a especialidade e para a SBMFC. Acredito que o papel da secretária junto com os demais membros da diretoria lá representados é sermos ponte dele para a diretoria e vice-versa.
SBMFC: Sobre o CBMFC, você é a coordenadora da Comissão Científica. Como está sendo organizar a área mais importante do congresso?
Patrícia: Um desafio em vários sentidos, mas também é excitante. Receber propostas de médicos de família de todo o país, é sentir um pouco o que está acontecendo nas 5 regiões do Brasil. Quais os temas as pessoas estão interessadas! O que elas estão estudando! Poder compartilhar disso tem sido bacana. O desafio maior é escolher entre tantas propostas as de maior interesse e qualidade para estarem no congresso. Apesar de não fazer isso sozinha, temos uma comissão com paridade de gênero pensando a programação científica e avaliação dos trabalhos, continua sendo uma responsabilidade. Outro ponto é conseguir trazer convidados internacionais, um desafio achar espaço na agenda deles e também financeiro, o custo é alto para um congresso que não tem apoio da indústria farmacêutica. Estou feliz que a Iona Heath e a Jaqueline Ponzo já confirmaram.
SBMFC: Os congressistas terão novidades na edição de 2019?
Patrícia: Já contei parte delas que são os convidados internacionais, em breve devemos ter outras confirmações e avisaremos. Talvez a grande novidade venha inspirada do I Congresso Sudeste do ano passado, as palestradas do tipo TEDI, espaços para as pessoas relatarem suas experiências e inovação da prática cotidiana da APS, estarão presentes e com muito conteúdo interessante. As oficinas ganham espaço também, o que avalio como uma boa ação, considerando a forma de aprendizagem do adulto.
SBMFC: Quais são suas expectativas para o evento?
Patrícia: Estou super animada e espero que muitos MFC possam ir até Cuiabá compartilhar desses dias comigo e com toda a comissão do congresso, que está fazendo de tudo para que ele se mantenha a altura dos demais. O que mais gosto dos congressos é a possibilidade de compartilhar experiências e encontrar velhos amigos e novos MFC que estão chegando. Espero que nesse a gente consiga manter essa tradição da especialidade.
SBMFC: Por que escolheu a Medicina de Família e como foi atuar em diferentes funções fora do consultório, mas mesmo assim, sempre fortalecendo a especialidade?
Patrícia: Foi uma escolha já mais no final da graduação, descobri a MFC em projeto de extensão e me apaixonei. Principalmente porque ela me permite transitar por diversos saberes. Estava caminhando para psiquiatria, porem sabia que sentiria falta de realizar exame físico, algo que acho extraordinário, e vi na MFC a solução para “meus problemas”. Sair do consultório depois de ficar quase 6 anos na mesma equipe na UBS Vila Aparecida em SP não foi fácil. Não estava nos meus planos, até porque meus modelos de MFC estavam a mais de 20 anos na mesma UBS em Porto Alegre. Na gestão sentia falta da clínica e do contato direto com a vida real acontecendo, por outro lado colaborar com debates sobre o sistema de saúde e elaborar políticas públicas também trouxe muita satisfação. A questão do ensino médico carrego comigo desde a graduação, é muito prazeroso ver a evolução dos estudantes e residentes e aprender com eles é o outro lado mágico desse espaço de atuação do MFC. Nesse percurso passei a valorizar os outros espaços de atuação da especialidade, temos funções e habilidades não só na assistência, nosso berço, mas também na gestão e claro no ensino médico. É muito importante ocuparmos outros locais que permitam o fortalecimento do sistema de saúde do país, sem uma APS forte, qualificada e valorizada não teremos sucesso.
SBMFC: Como foi atuar no Departamento de Atenção Básica do Ministério?
Patrícia: Foi interessante, uma experiência e tanto, muito aprendizado. Passei por diversos momentos. Quando eu cheguei tinha muita parceria dentro da especialidade, a diretora do departamento era MFC, assim como outros colegas então a adaptação foi um pouco mais fácil apesar de ter saído direto da UBS para a gestão federal. Na gestão seguinte o desafio foi um pouco maior pois o grupo que chegou vinha de um outro caminho teórico conceitual, então tivemos embates interessantes e desafiadores, e conseguimos trabalhar juntos de forma colaborativa. Foi bacana também porque passei por mais de uma área, como consultora técnica, como coordenadora e pelo gabinete do departamento então pude ter uma visão do todo não só da AB mas também de outras partes do MS e claro da realidade do país.
SBMFC: Quais são as atribuições da Política Nacional de Atenção Básica para os médicos de família e comunidade, a qual foi revisada durante sua gestão?
Patrícia: A PNAB já foi revisada três vezes, 2006, 2011 e a última em 2017. A versão que participei pra valer foi a de 2011. Ela avançou em alguns pontos, principalmente quando localiza melhor a função da AB na rede de atenção a saúde, descreve responsabilidades e atributos de forma bem clara. Ela também criou uma nova modalidade de financiamento, que está atrelada a qualidade, apesar ter críticas sobre aspectos desta forma de financiamento, penso que naquela época foi um grande avanço pois ampliou muito os recursos destinados a APS. Foi nessa PNAB também que pela primeira vez há citação ao médico de família e comunidade, e isso não foi fácil. E também há equiparação dos termos APS e Atenção Básica. Acho que para qualquer profissional da APS, não só para MFC, a política é um documento de referência que sintetiza a organização da APS do país e estabelece nossas responsabilidades.
SBMFC: Ainda no Ministério, você participou da revisão da Política Nacional de Oncologia. Como médica de família e comunidade, como foi participar dessa ação?
Patrícia: Saí do DAB e fui para a atenção especializada coordenar a área de doenças crônicas e oncologia com a missão de revisão a Política Nacional de Oncologia. Foi um desafio gigante porque era uma MFC chegando numa área de cuidado terciário. Porem acho que levamos uma vantagem, nos MFC temos, em geral, uma visão mais sistêmica das pessoas e do sistema de saúde. Acredito que essa tenha sido a característica que me ajudou a liderar esse processo, que também é de mediação entre diversos interesses e objetivos: ss do MS, do Instituto Nacional do Câncer, os do Governo, dos parlamentares, os das sociedades de especialidades médicas mais diretamente envolvidas (oncologia clínica e pediátrica, cirurgia, radioterapia, física médica e etc) e claro o mais importante dos pacientes, através de interlocutores da sociedade civil organizada (diversas associações de pacientes). Tendo como pano de fundo o crescimento do número de pessoas com câncer, o subfinanciamento do sistema e uma organização federativa municipalista que não colabora com a organização do cuidado dos níveis de atenção secundários e terciários. No fim deu certo, revisamos a política, e ela está publicada e valendo. Os pontos de maior avanço estão relacionados a obrigatoriedade dos hospitais habilitados em oncologia fazerem um mínimo de exames de diagnóstico (biopsias e escopias) de acordo com a população sobre sua responsabilidade, grande nó da oncologia no país. Assim como a definição de os novos parâmetros para habilitação de hospitais de oncologia pediátrica, algo urgente para qualificar o cuidado da criança com câncer. Além disso, a portaria passou a exigir um plano de atenção oncológica dos estados, em cima de parâmetros técnicos epidemiológicos para habilitação de novos hospitais.
SBMFC: Após a atuação no Ministério da Saúde, você foi para a UFRGS. Como é a preparação para ministrar aulas e formar novos profissionais com foco no cuidado centrado na pessoa?
Patrícia: Assim como para a o cuidado clínico e para a gestão entendo que o primeiro passo é estar comprometida e ter como norte os princípios da APS e da MFC, como mantras. Como disse, a questão da educação médica me acompanha desde a graduação, fiz parte do colegiado da minha faculdade por dois anos, como representante discente, e durante o ensino médio – pensava em ser professora, então ao mesmo tempo que parece algo natural é um desafio. A cada semestre, a cada nova turma ou nova disciplina, procuro melhorar, buscar novas referências, rever conteúdos, introduzir metodologias inclusivas e ativas. Outro ponto que tenho buscado é me observar, perceber se minha prática na UBS é condizente com o que falo em sala de aula. Não considero isso fácil, ter alunos na rotina de uma UBS e conseguir fazer tudo o que fala e trás como evidência na sala de aula é desafiador. Procuro fazer uma auto- reflexão sempre que possível e buscar feedback de alunos e as vezes de colegas. Acredito que separar pelo menos um período de ambulatório que esteja só você e os pacientes ajude nesse exercício e também dá ideias para fazer diferente/melhor. Mas, ainda não consegui me organizar para é um objetivo. Um espaço muito bacana é o chat de ensinagem da SBMFC tenho aprendido muito com os colegas professores que compõe o grupo, um espaço muito colaborativo.
SBMFC: Atuando como professora, por quais reformas o ensino médico precisa passar para promover melhorias, não só aos alunos, mas também diretamente para os pacientes?
Patrícia: Difícil falar em grandes reformas no atual contexto. Estamos atravessando um momento de mudanças, e teremos que trabalhar duro e de forma contínua para ir construindo nosso espaço na academia e com ele poderemos contribuir com o ensino médico como um todo e para o cuidado do paciente. Olhando a graduação médica penso que temos conteúdo para atuar ao longo de todo o curso desde o momento inicial colaborando com o aprendizado sobre o processo saúde doença/antropologia médica, sobre os determinantes de saúde e de doenças dos povos, sobre vulnerabilidades, passando pelo ensino da semiologia, propedêutica e raciocínio clínico ambulatorial, busca de evidência na prática, gestão de sistemas de saúde, habilidades de comunicação, profissionalismo, trabalho em equipe e claro muita prática clínica e cuidado. Tudo isso tem impacto no cuidado da pessoa. Refletindo agora já mais no fim da pergunta, a grande reforma que eu gostaria de participar era a de termos mais horizontalidade das disciplinas, menos caixinhas, que os departamentos pudessem trabalhar de forma mais colaborativa, partilhada, conjunta e sistêmica.
SBMFC: Além de tudo isso, como é ser mulher e MFC?
Patrícia: Mais uma vez a palavra é desafio. Apesar de que no meu imaginário seria na gestão onde o machismo iria aparecer para valer foi e é na academia que senti ele mais perto. Vivi situações que me fizeram sentir mais vulnerável e onde tive menos espaço/autonomia e principalmente menos respeito. Participar de grupos, mais protegidos, só de mulheres que debatem os diversos temas que atravessam nossas vidas e compartilham experiências semelhantes e modos de enfrentamento me ajuda muito.