17 de outubro de 2025

Hesitação vacinal: a relação entre a adesão (e a queda) da vacinação, considerando os marcadores sociais


No Dia da Vacinação, a SBMFC compartilha informações sobre hesitação vacinal, a partir de conteúdos baseados em três estudos conduzidos pela médica de família e comunidade Camila Carvalho Matos, cuja trajetória foi recentemente reconhecida com menção honrosa no Prêmio CAPES de Tese 2025, uma das maiores premiações científicas do país, pela pesquisa “Hesitação vacinal infantil e diferenciação social: um olhar interseccional sobre a (não) vacinação”.

Camila, Doutora em Saúde Coletiva pela USP e membro-fundadora do GT de Saúde da População Negra da SBMFC, em seu trabalho como pesquisadora reforça como fatores sociais, culturais e econômicos influenciam a decisão das famílias sobre vacinar ou não suas crianças, trazendo à tona a necessidade de abordagens sócio-antropológicas nas pesquisas e políticas públicas de saúde.

Hesitação vacinal: a relação entre a adesão (e a queda) da vacinação, considerando os marcadores sociais de raça, gênero, classe social e espacialidade

Em 2014, a OMS define “hesitação vacinal” como o atraso ou a recusa em receber as vacinas preconizadas, apesar de sua disponibilidade. Por meio de críticas e olhares especialmente das Ciências Sociais em Saúde, o conceito foi substituído em 2022, passando a ser definido como “um estado motivacional de conflito ou oposição à vacinação; isso inclui intenções e vontades” (1)

Programas de imunização em todo o mundo têm enfrentado desafios para manter a cobertura vacinal alta. Embora universalmente conhecido por seu robusto Programa Nacional de Imunizações, o Brasil também tem enfrentado desafios significativos em relação à cobertura vacinal. Uma das razões para isso é a hesitação vacinal, um fenômeno complexo, multicausal e específico do contexto (2)

Estudos anteriores à pandemia de COVID-19 apontaram algumas razões encontradas tanto em países de alta renda quanto em países de baixa e média renda, como dúvidas sobre a real eficácia e segurança das vacinas; questionamentos sobre o ganho financeiro e o interesse comercial da indústria farmacêutica; críticas à composição das vacinas e seu mecanismo de ação; e medo de efeitos adversos. (2)

Entender os fatores que impulsionam a hesitação em relação às vacinas nos contextos específicos do hemisfério sul, em países de baixa e média renda, é um passo essencial para superar o modelo hegemônico de interpretação da realidade. Além disso, a pandemia da COVID-19 destacou os debates e tensões em torno das vacinas. Isso significa que a pesquisa empírica conduzida no contexto da pandemia pode ajudar a analisar a hesitação vacinal infantil sob uma nova lente (2)

Embora os problemas de gestão e logística no fornecimento de vacinas existam, bem como o horário de funcionamento das salas de vacinação e o subfinanciamento do SUS sejam determinantes relevantes da não adesão, vale ressaltar que a recusa à vacina motivada por medos e crenças pessoais é uma razão adicional importante para o recente declínio da cobertura vacinal no Brasil (3)

Entre as famílias entrevistadas*, o elemento que mais se destaca na tomada de decisão pela não vacinação é a relação entre risco e benefício percebidos. Além de razões relacionadas às:
– Opiniões dos cuidadores sobre a indústria médico-farmacêutica;
-Composição das vacinas e seus efeitos colaterais;
-Ao estilo de vida e à visão de mundo dos cuidadores;
-Ao calendário de vacinação de rotina infantil (2)

*Coleta de dados em trabalho de campo em Florianópolis ocorreu entre março e junho de 2021

A tomada de decisão por (não) vacinar mostrou ser também um reflexo dos pertencimentos sociais de cada família. Isto é, a posição que cada família ocupa nas estruturas de classe social, raça e espacialidade, por exemplo.

A organização socioespacial da cidade, para além da questão do saneamento básico, foi por diversas vezes mencionada como um fator que deve ser considerado na decisão por (não) vacinar, bem como o contato (ou a ausência dele) com pessoas provenientes de determinadas áreas da cidade. (1)

Os achados analisados, pelo referencial interseccional, potencializam o esforço em compreender criticamente como o posicionamento de classe, a identidade de gênero e de raça conformam experiências acerca da vacinação e do cuidado infantil, revelando distribuições desiguais de poder, prestígio e privilégios.

A história das práticas de vacinação no Brasil é indissociável da própria história de formação do país: as doenças e, consequentemente, as vacinas, ocuparam diversos e importantes lugares desde a constituição da população brasileira até a reorganização das relações de trabalho no período pós-abolição (1).

Outra abordagem promissora na discussão recente é a interseccionalidade que, ao concentrar-se nas relações entre processos mutuamente constituídos que criam as desigualdades, permite examinar como as estruturas sociais e as dinâmicas institucionais operam para produzir vantagens e privilégios sistêmicos e seus impactos nos processos de hesitação vacinal (1)

A tomada de decisão por (não) vacinar mostrou ser também um reflexo dos pertencimentos sociais de cada família. Isto é, a posição que cada família ocupa nas estruturas de classe social, raça e espacialidade, por exemplo. (1)

A pandemia de COVID-19 provocou um cenário de desconfiança geral das instituições (tanto as científicas quanto a mídia tradicional) e uma forte influência das ideologias políticas na decisão de vacinar. Juntos, esses fatores são ameaças à cultura de imunização que prevaleceu no Brasil até os últimos anos. (3)

Estudos qualitativos em saúde como os apresentados neste conteúdo possibilitam uma melhor compreensão de fenômenos complexos e desafiadores, como a hesitação vacinal. Descobertas como as aqui apontadas podem contribuir para o planejamento e a implementação de estratégias governamentais adequadas para aumentar a cobertura vacinal.(2)

 

Referências:
1 – Matos CCSA, Tavares JSC, Couto MT. “Eu vivo num mundo muito burguês, não moro na periferia”: não vacinação infantil e a intersecção entre raça, classe e gênero. Interface (Botucatu). 2024; 28: e230492 https://doi.org/10.1590/interface.230492
2 – de Souza Amorim Matos CC, Couto MT, Oduwole EO, Shey Wiysonge C. Caregivers’ perceptions on routine childhood vaccination: A qualitative study on vaccine hesitancy in a South Brazil state capital. Hum Vaccin Immunother. 2024 Dec 31;20(1):2298562. doi: 10.1080/21645515.2023.2298562. Epub 2024 Jan 9. PMID: 38196242; PMCID: PMC10793707. Acesso em <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/38196242/>
3 – Matos CCSA et al. A politização das vacinas e sua influência nas opiniões de cuidadores brasileiros acerca da vacinação infantil de rotina. Ciência & Saúde Coletiva. ISSN 1413-8123. v.30, n.1 DOI: 10.1590/1413-81232025301.08102023PORT. Acesso em <https://www.scielo.br/j/csc/a/gTyWc9hFW4Z3jhHpwVhh48m/?lang=pt>