Texto número 6 da série sobre 16 dias de ativismo contra a violência relacionada ao gênero, organizada pelo Grupo de Trabalho Mulheres na MFC, com apoio de outros GTs.
Transgênero corresponde a qualquer pessoa que não se identifica com o gênero atribuído ao nascimento. A partir desse momento, diferentes identidades surgem: mulher trans, homem trans, transexual, travesti, não-binário. O que muitas vezes pode parecer uma complicação tremenda no nosso cotidiano profissional, de fato, esconde uma verdade bem simples. Ao contrário do que definem os documentos do CFM e do Ministério da Saúde, não existem descrições objetivas e científicas para as identidades transgênero, sendo em princípio e finalidade, uma questão de autoafirmação.
Tal tipo de informação é totalmente pertinente à formação clínica uma vez que essa população, com suas vulnerabilidades, tende a se afastar dos serviços de saúde em detrimento de uma violência institucional – discriminação de diferentes formas nos serviços buscados. Aprender a acolher essa população com informação e sensibilidade é essencial para superar as barreiras que se impõem ao acesso à saúde (1).
Segundo dados da Associação Nacional de Transsexuais e Travestis (ANTRA), em 2019 foram assassinadas 124 mulheres trans ou travestis, a maioria negra. Ainda segundo a mesma entidade, no período de janeiro a abril de 2020, o número de assassinatos cresceu em 40% comparado ao mesmo período de 2019(2).
Além dos casos de homicídio, mulheres trans e travestis estão sujeitas diariamente a diferentes formas de violência na sociedade. De acordo com um estudo realizado por Bradford e colaboradores nos Estados Unidos, 35% dos casos de abuso sexual contra essa população foram executados por pessoas que viviam na mesma casa da pessoa vítima de agressão (3). Não obstante, deve-se ter em mente que, por uma cultura transfóbica de afastamento dos padrões sociais de renda, educação e moradia, muitas mulheres trans e travestis acabam por trabalhar na prostituição. Segundo Valera e colaboradores, 35% das mulheres trans e travestis entrevistadas relataram ter sofrido abuso sexual uma vez iniciadas na prostituição (4).
Um fator a ser considerado é a notificação em casos de violência, as quais ocorrem numa minoria dos casos e, ainda assim, quando produzidas, não especificam a identidade de gênero nem a orientação sexual da pessoa vítima de agressão. Tais dados são essenciais para o acompanhamento da situação em municípios, estados e no país, bem como para a geração de estatísticas oficiais que possam subsidiar políticas públicas para prevenir e combater a violência contra populações mais vulneráveis.
Como profissionais atuantes da Atenção Primária à Saúde, é essencial que se reconheça as pessoas trans e travestis que habitam no território bem como suas vulnerabilidades de forma individual, centrada na pessoa, mas jamais dissociada da determinação social no processo saúde-doença. Um acolhimento adequado e a construção de um vínculo forte com os sujeitos e com a comunidade trans de seu território podem contribuir para uma melhor produção de cuidado, de fato integral, muito além das demandas de hormonização.
Por Giulia Rita Barbosa Scorsin
Lattes: http://lattes.cnpq.br/0154969628093026
REFERÊNCIAS: