Neste Dia dos Pais, o Grupo de Trabalho de Saúde dos Homens da SBMFC compartilha a experiência de um dos membros, o médico de família e comunidade Douglas Gava de Bona Sartor que ressalta os desafios e as particularidades da paternidade em tempos atuais.
A aproximação do dia dos pais me faz refletir sobre este pouco mais de um mês de experiência nessa nova vida. Parece que faz muito mais tempo, pois isso muda tudo na gente. É uma oportunidade sem igual para descobrir novos sentimentos e, ao mesmo tempo, dividir muitas responsabilidades. É, ser pai hoje em dia significa se envolver muito mais. Certamente uma experiência diferente do meu pai e outros da sua geração, sem contar das gerações anteriores a ele.
Essa mudança foi possível porque os homens da minha geração colhem os bons frutos das lutas dos trabalhadores e das trabalhadoras assalariadas da geração dele, e das anteriores também. Afinal, no Brasil, a primeira lei que garantia a licença paternidade, por 5 dias, foi criada quando eu já tinha 5 anos de idade. Vinte anos depois, em 2008, foi criada a possibilidade de prorrogá-la para vinte dias.
As relações de trabalho da nossa sociedade são grandes limitadoras para o maior envolvimento do homem e, dessa forma, dificultam uma mudança de entendimento do que é a paternidade. Quem é pai sabe que a paternidade começa na gestação e é também aí que começam os primeiros entraves, como a ausência de uma lei federal que considere o acompanhamento das consultas do pré-natal uma falta justificada. Mesmo sendo médico assalariado, contratado por uma empresa federal, não foi fácil acompanhar as consultas do pré-natal. Para conseguir estar presente precisei chegar atrasado no trabalho algumas vezes. Afinal, isso sempre depende de acordos coletivos locais que, quando muito, permitem a falta justificada em uma a duas consultas durante todo o pré-natal. Após o parto, embora as dificuldades para o pai estar presente nos primeiros dias estejam reduzidas com a licença paternidade, a prorrogação para os 20 dias depende de alguns pré-requisitos do empregador.
Quando o homem consegue se ausentar do trabalho para estar junto do recém-nascido e da esposa é muito recompensador, mas é claro que exige muita responsabilidade e muito esforço envolvido nessa tarefa. É extremamente cansativa essa mudança, essa nova fase na vida, estar junto de verdade com a esposa e a filha, compartilhando todos os cuidados. Mas com certeza é da mesma forma difícil para a mulher. Por isso mesmo é preciso estar junto: difícil imaginar a possibilidade de deixar todos esses cuidados nas costas de uma pessoa só, da mulher. E agora, durante a pandemia da COVID-19, essa necessidade de estar presente se torna mais necessária do que nunca, sem familiares e outras pessoas para ajudar, como seria comum em outras épocas.
Apesar de alguns homens trazerem o argumento de não poderem amamentar para ficarem escusos dessa responsabilidade, nós podemos ajudar de diversas formas. Eu, particularmente, tive uma experiência diferente, pois mesmo após duas semanas de muitos esforços, com auxílio de profissionais capacitados para auxiliar na amamentação, não foi possível realizar o aleitamento materno. Nessas horas, entendo que o papel do pai é dar segurança para a mulher, que em geral quer tanto amamentar, passar por essa experiência. Mas se por um lado é triste para o casal não poder oferecer o leite materno, por outro permite estender a ajuda do pai, que pode revezar a amamentação.
Outra particularidade da minha experiência foi a inviabilidade do parto normal. Apesar deste ser preferido na maior parte das gestações, algumas condições exigem o parto por cirurgia. Aqui é mais uma situação que exige a presença do pai, pois a cirurgia, em geral, deixa a mulher mais debilitada, com um tempo de recuperação muito maior. Não é à toa que, quando sem contraindicações, o parto vaginal é o preferido. Eu estava junto no momento do parto e foi muito gratificante a experiência. É cada vez mais raro encontrar pais que não queiram estar junto no momento do parto, apesar de que antigamente era muito comum.
Nas gerações passadas o pai estava presente para fazer brincadeiras, divertir, depois que a criança já estivesse limpa, alimentada e de banho tomado. Ah, e não vamos esquecer das cólicas… se a criança começasse a chorar já passava para a mãe. Hoje em dia nós vemos que não precisa ser assim, e muitos até já estranham de pensar que algum dia foi dessa forma. Cuidar nos momentos bons e nos difíceis também, brincar, se divertir, mas ter responsabilidade: isso é ser pai.
Infelizmente, mesmo hoje em dia, muitos pais querem poder estar presentes e compartilhar o cuidado, mas são impedidos por questões materiais, mais especificamente do trabalho. Nesse contexto, a situação dos pais que trabalham na informalidade, ou através de novas formas de exploração de trabalho como a pejotização, uberização e os MEI, é a mais fragilizada. Eles precisam escolher entre estar presente ou a renda familiar. Se entendemos que estar presente é importante, que uma estrutura familiar saudável é fundamental para o desenvolvimento do indivíduo, a sociedade tem responsabilidade de garantir a concretização da presença paterna para esses trabalhadores mais precarizados.