Zeliete: Ser uma Presidenta da SBMFC é muito significativo, porque além de mais de 50% de Especialistas em MFC sejam mulheres, estamos em um momento, onde devemos lutar e mostrar a voz e a liderança das mulheres. No início deste ano uma imagem não saiu da minha cabeça e me fez refletir o quanto as mulheres devem ocupar espaços de liderança. Me vi em uma aula de abertura, de um Programa de Residência em Medicina de Família e Comunidade e, as autoridades chamadas a ocupar a mesa de abertura eram todos homens. Temos tantas mulheres brilhantes que fizeram parte da construção daquele programa em questão, a nível da gestão da APS, da Residência Médica e da Graduação da Medicina e, essas mulheres não estavam naquela mesa. Qual o motivo disso acontecer? Por que trabalhamos, produzimos e não publicamos trabalhos científicos, nã o ocupam os espaços de lideranças médicas, da política e de gestão? Temos que nos fazer presentes e se preciso for gritarmos, nos impormos e mostrar que estamos ali. Até que haja um dia em que não precisemos mais gritar e nos impor para nos fazer presente porque não seremos mais uma excessão. Porque estaremos em um mundo mais avançada e não haverá diferença desproporcional de gênero nas lideranças. E não tentarão mais diminuir ou minar a força de uma pessoa simplesmente por ela ser mulher sugerindo que é mais frágil, menos inteligente ou menos capaz. Comigo isso nunca deu certo. Passei por situações difíceis. Palavras que me fizeram chorar sim, mas não abalaram meu caminho ou minha força. Ser atacada, manter a cabeça erguida e seguir em frente é para poucos. Nós mulheres sabemos muito bem disso. Estou aqui como segunda Presidenta Mulher da SBMFC com a finalidade de fazer a SBMFC crescer cada vez mais em qualidade e representatividade de todos @s Médic@s de Família e Comunidade.
SBMFC: Conte-nos sobre sua trajetória na Medicina de Família e Comunidade e porque escolheu a especialidade.
Zeliete: Meu primeiro contato com a MFC foi em um Congresso que participei como representante discente da Associação Brasileira de Educação Médica (ABEM), em Recife. Eu estava no quarto ano de Medicina. Foi um contato rápido, ficou gravado, mas não mudou meu rumo. Na graduação nunca estive em uma unidade de APS. Os professores não falavam na Especialidade. Por isso nunca imaginei em fazer Medicina de Família e Comunidade. Quando terminei a Faculdade, lembrei daquela contato no Congresso e decidi trabalhar em uma unidade de Estratégia à Saúde da Família (ESF). Essa decisão foi, principalmente, porque precisava acabar de pagar minha faculdade. Minha intenção era ter tempo, também, estudar para fazer outra especialidade. Caminho que muitos fazem até hoje em dia. Isso foi no Espírito Santo no ano 2000. Sou capixaba e fiz faculdade no Espírito Santo. Fui trabalhar em uma cidade pequena de 9.000 habitantes, chamada Marilândia.
No Espírito Santo, na época, para você trabalhar na ESF, você tinha que fazer uma capacitação de seis meses sobre territorialização. Fiz esse curso e comecei a gostar muito. Logo depois fiz um curso de Especialização em Saúde da Família pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Junto com o aprendizado dos cursos e o prazer que eu tinha e ser a médica de referência daquela população, as visitas domiciliares e o grande envolvimento com a comunidade, fez com que a MFC passasse a fazer mais sentido para mim e logo procurei a pesquisar sobre a Especialidade. Pesquisei se existia a Especialidade no Brasil e quem que a representava. Tudo isso ocorreu no ano de 2000. No curso de Especialização tive contato com um excelente MFC – Joã ;o Schin eider de Curitiba – PR. Tentava sugar dele tudo que podia. Descobri que a SBMFC estava em processo de ser a representante dos MFC no Brasil. Imediatamente, com minha veia gestora, quis montar uma Sociedade Capixaba de MFC, mas o destino acabou me levando para Campinas no ano de 2001. Trabalhei em Campinas desde essa data, como Médica de Família e Comunidade na Prefeitura de Campinas, onde estou até hoje. Desde 2010 estou como Supervisora do Programa de Residência em MFC deste município. Em 2004 prestei prova de titulo e sou titulada desde então. Em 2004 fiz parte do grupo que se reuniu para montar a Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade, da qual fui Presidenta de 2008-2011. Fui Secretária Geral da SBMFC na gestão 2010-2012. Fiz parte da Comissão organizadora de vários Congressos Estaduais em SP, Regionais SP-MG e Brasileiros. Fui Diretora de quase todas as gestões da APMFC.
SBMFC: Em julho, foi iniciada uma nova gestão. Uma MFC com todas as letras. Qual o ponto-chave da nova diretoria que seguirá até 2022?
Zeliete: Quando trouxemos esse nome “MFC com todas as letras” é para destacar que a ideia é a representatividade de todas as letras, todos os gêneros, todas as cores, todas as paixões do envolvimento da saúde dos povos brasileiros. É olhar para as diferenças de ser MFC nos diversos cenários. Olhar e ter propostas para melhorar a atuação d@s MFC em suas diversas realidades de atuação: Assistência, Ensino, Gestão e Pesquisa. Olhar diferente as diferenças que se tem em trabalhar com população indígena, quilombola, favelada, LGBTQIA+, população de rua, comunidades de origens étnicas diversas que temos nesse Brasil, os desfavorecidos, as mulheres, homens, a saúde pública e suplementar.
Esse é ponto chave INCLUSÃO de todas as necessidades de cada MFC para trabalhar melhor com sua população.
SBMFC: Como a SBMFC pode atuar para melhorar a gestão da saúde pública, oferecendo acesso à população, mesmo em tempos de subfinanciamento?
Zeliete: Sermos fonte de recursos científicos na área de gestão de saúde mostrando ao Governo caminhos mais assertivos para gestão da saúde pública. Interagir com a Câmara de Deputados Federais no sentido de haver projetos de leis que busquem a retomada de financiamento crescente para a Saúde. Fazer alianças com Instituições que defendam os mesmos movimentos e ideias para que sejamos mais fortes. Um país economicamente forte tem sistema de saúde organizados e pautados com uma APS forte como já mostrou Bárbara Starfield.
SBMFC: Sobre relações e parcerias, como está prevista a construção de diálogo com o Ministério da Saúde, Ministério da Educação, OPAS e secretarias municipais e estaduais de saúde?
Zeliete: Sempre estaremos abertos e queremos dialogar com Instituições governamentais federal, estaduais e/ou municipais.
A ideia é traçarmos um plano de gestão da SBMFC onde várias frentes serão levantadas para trabalho. A partir desse planejamento criarmos agendas construtivas junto aos governos.
SBMFC: Atualmente, as médicas e médicos de família e comunidade atuam em diversas áreas: clínica, gestão, acadêmica, pesquisa, entre outras. Quais são as propostas para agregar e fortalecer essa ampla atuação?
Zeliete: MFC atua em diferentes frentes e para isso temos uma Diretoria ampla. Cada unidade Diretora teve um plano de campanha. Plano este que afinaremos na reunião de planejamento. O caminho para que essas ações planejadas sejam capilarizadas em todo o Brasil, de acordo, com as necessidades regionais, será através da unicidade Diretoria com o Conselho Diretor.
SBMFC: Sobre os acadêmicos e residentes. Qual será o papel dos jovens na próxima gestão?
Zeliete: Conversamos com ALASF e com o WaynaKay e a ideia é que tenhamos acadêmicos e Residentes se sentindo pertencentes da SBMFC com seus projetos tendo apoio da SBMFC e construído junto com ela. Que também sejam nossa voz na ABEM e CNRM.
SBMFC: Como a SBMFC irá ampliar a divulgação da especialidade dentro dos sistemas de saúde público e privado e também junto à população?
Zeliete: Um ponto importante é que o Médico que atue na APS e não seja MFC titulado e/ou com Residência também se sinta representado por nós e que entenda que ser especialista em MFC traz a ele um empoderamento sobre os melhores caminhos a seguir para serem mais resolutivos e transformar a APS cada vez mais forte dentro do Sistema de Saúde, seja ele público ou privado. Em relação ao Sistema Privado, assim como temos que estar próximos dos governos federal, estadual e/ou municipais temos que estar próximos da Agência Nacional de Saúde e poder mostrar caminhos de como a Saúde suplementar pode ser mais resolutiva com uma APS realizada de qualidade e com especialistas em MFC.
Trabalharemos junto a população através do Controle social e divulgação de temas de saúde. Acompanhar e fazer parte das pautas do Controle social além Atividades de Educação em Saúde em mídias sociais e outros veículos de comunicação se faz importante.
SBMFC: Gostaria de deixar uma mensagem aos associados/associadas que estão acompanhando a nova gestão desde o processo eleitoral?
Zeliete: Agradeço a todos os diversos apoios que tivemos. Tivemos um momento histórico de um processo eleitoral democrático e aprendemos todos com esse processo. Espero que possamos retribuir com ações a confiança que depositaram em nós. Somos um coletivo muito forte. Sigamos todos juntos por uma “MFC com todas as letras”.