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SBMFC entrevista Victor Grabois – vamos falar sobre segurança do paciente?

20 de setembro de 2019

*Victor Grabois é presidente da SOBRASP – Sociedade Brasileira para a Qualidade do Cuidado e Segurança do Paciente e Coordenador Executivo do Proqualis/Icict. 

SBMFC: O que é segurança do paciente?  

Grabois: É todo o esforço dos serviços de saúde com o objetivo de reduzir os danos associados aos cuidados de saúde. Toda e qualquer pessoa que recebe cuidados de saúde, seja em hospitais, policlínicas, e até mesmo na realização de um exame, está sujeita a sofrer algum dano nesse cuidado. Por isso, a segurança do paciente reduz as chances e a gravidade caso isso ocorra.

Os incidentes ocorrem no mundo todo. A OMS divulgou o dado de que 130 milhões de incidentes acontecem por ano em países de média e baixa renda. Nos países desenvolvidos, o número é menor, mas também há registros de ocorridos, onde um em cada 10 pacientes internados sofre algum tipo de dano que poderia ser evitado.

Entre os incidentes mais prevalentes, estão:

  • Erros de medicações chegam a 30%;
  • Infecções associadas aos cuidados;
  • Erros diagnósticos são frequentes;
  • 4 em cada 10 pacientes atendidos na Atenção Primária sofrem algum tipo de dano, dos quais 80% são evitáveis, segundo a OMS.

SBMFC: É possível mensurar historicamente, quando a Segurança do Paciente chegou de vez no Brasil?

Grabois: O grande marco no Brasil é o lançamento do Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP), em 1 de abril de 2013. Até então era um tema mais restrito aos hospitais acreditados. A Anvisa trabalhava já com os desafios da World Alliance of Patient Safety, mas seu foco estava voltado à farmacovigilância, tecnovigilância e hemovigilância, e não propriamente sobre os cuidados com o paciente.

A partir do programa, as instituições criaram núcleos de segurança do paciente, a elaborar planos de segurança do paciente e a notificação de eventos adversos passou a acontecer, por isso é considerado um marco, já que entrou na agenda do SUS e da saúde suplementar, não ficando restrita apenas à atenção hospitalar. 

SBMFC: No Brasil, a segurança do paciente está sendo praticada da forma esperada pelas instituições?

Grabois: Temos mais de 6 mil municípios, metade dos hospitais tem menos de 100 leitos. Temos uma diversidade muito grande entre cidades mais ricas e menos ricas, com grandes e pequenos hospitais. Embora a Segurança do Paciente seja uma problemática também presente nos países mais ricos, no Brasil somos influenciados em muitas áreas pelo grau de desigualdade e iniquidade. Muitos hospitais aderem a segurança apenas em determinadas áreas e não em toda a instituição, assim como, algumas Unidades Básicas atuam de acordo com o programa e outras não.

Depois de seis anos de Programa Nacional, muitos hospitais têm programas próprios e há processos em curso para melhoria da qualidade com uma redução de danos bem significativa.

Outro fator é a esfera pública local. Alguns estados como Bahia, Rio Grande do Norte, Santa Catarina e Rio de Janeiro e a cidade de Porto Alegre têm feito grande esforço na mobilização para o Dia Mundial da Segurança do Paciente, agora no dia 17 de setembro.

SBMFC: O Programa Nacional de Segurança do Paciente (PNSP) auxilia as instituições e profissionais a seguirem o conceito de forma correta?

Grabois: Auxilia sim. A existência do programa é algo extraordinário. O número de ofertas educacionais aumentou. A Fiocruz já está no terceiro curso de especialização e temos as formações realizadas no âmbito do PROADI-SUS. Porém, é preciso capacitar milhões, e por enquanto atingimos milhares.

O PNSP destinou recursos para cursos, mas não de uma maneira geral, sem nenhum recurso novo para implementação dos núcleos nos hospitais e nem para os municípios. E isso é um problema, pois quando falamos sobre segurança do paciente temos a necessidade de um grande direcionamento de pessoal e estrutura que fazem a diferença em ter um cuidado mais seguro.

SBMFC: Já que esse tipo a segurança do paciente envolve desde procedimentos simples como a lavagem das mãos até cirurgias, existe uma forma mais adequada para envolver familiares e cuidadores dos pacientes para maior adesão?

Grabois: Não tem uma receita pronta ou uma fórmula mágica. O que a literatura tem mostrado é que quanto mais se ouve o paciente, quando mais ele é integrado aos cuidados, ao coletar opinião, questionar se a experiência foi positiva. Essas ações de alguma maneira facilitam o engajamento. A UBS ou instituição pode elaborar publicações, folders específicos para os pacientes, realizar atividade em grupo e garantir tempo aos profissionais para ouvir aos pacientes. Assim, cada vez mais teremos informações qualificadas.

Há situações claras de dano, por exemplo, o paciente caiu da maca ou recebeu medicação errada, mas muitas vezes para o paciente fica sem informação sobre  determinado medicamento, ou sai do consultório com uma dúvida que o angustia, e isso também pode ser considerado como dano pelo paciente. Precisamos ouvir os pacientes para ter uma noção do que significa dano para ele.

Nos hospitais, os pacientes mais graves têm um risco maior com eventos adversos. Na APS, na qual o número de consultas e procedimentos é bem alto, embora ocorram eventos menos graves, eles ocorrem em grande volume na medicação, erros de diagnóstico. Na atenção primária, demora-se mais para perceber o erro, uma dose que foi prescrita de forma incorreta, um diagnóstico errado, são erros que só se tornam visíveis a médio e longo prazos.

Muitas vezes, o erro é cometido, mas antes de atingir o paciente na APS, ele é detectado. O próprio médico percebe ou o farmacêutico detecta a dose incorreta. Quando o erro atinge o paciente pode ser que não aconteça nada, mas pode haver dano e quando ocorre é preciso tomar as medidas como que enfrentem as consequências do erro, o que chamamos de mitigar os danos.

SBMFC: Como é a abordagem da Segurança do Paciente na graduação? Existem disciplinas direcionadas ao tema?

Grabois: Existe uma norma resolutiva do Conselho Nacional de Saúde que torna obrigatória a oferta da disciplina em todas as graduações e nos cursos técnicos, mas apenas a enfermagem tem desenvolvido mais plenamente a temática. Hoje, contamos nos dedos as faculdades de medicina que a usam com intensidade. Algumas oferecem disciplinas eletivas.

SBMFC: Como envolver os profissionais de saúde na prática da segurança do paciente? Na Atenção Primária, existe alguma demanda específica?

Grabois: Temos o processo educativo precisa complementar as informações da graduação e em segundo ponto, precisamos muito nos aproximar de onde o cuidado é realizado para tentar entender por que ele não é oferecido. Em muitos casos não é porque as pessoas não tenham os conhecimentos, e sim processos mais desenhados.

Alguns exemplos são os frascos de medicamentos muito parecidos ou com nomenclaturas próximas. É preciso educar, reexaminar processos de trabalho e fluxos. Ouvir sugestões e dar feedbacks sobre elas, assim como promover treinamentos.

SBMFC: O tema da campanha de 2019 é “Segurança do Paciente: uma prioridade global de saúde”, com o slogan “Fale pela Segurança do Paciente”. Por que precisa ser uma prioridade em termos de saúde?

Grabois: A Segurança do Paciente não é o único problema nos serviços de saúde. Precisamos de cuidado humanizado,  tratamento com resultado, atendimento de acordo com a vulnerabilidade, mas temos que olhar para milhões de pessoas que morrem por cuidado com insegurança, sendo que muitos danos são evitáveis. Além de ser um fator econômico. A Segurança do Paciente tem impactos econômicos graves e também por isso precisa ser uma prioridade global.

SBMFC: Gostaria de sugerir literatura sobre o tema?

Grabois: Cuidado de saúde mais seguro – estratégias para o cotidiano de cuidado

https://proqualis.net/livro/cuidado-de-sa%C3%BAde-mais-seguro-estrat%C3%A9gias-para-o-cotidiano-do-cuidado#.XYAUYpNKjBJ

Segurança do Paciente: conhecendo os riscos nas organizações de saúde (vol. 1) & Segurança do Paciente: criando organizações de saúde seguras (vol. 2), ambos da Fiocruz.