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SBMFC entrevista: Vamos falar sobre saúde dos homens?

14 de fevereiro de 2020

* Valério Nascimento da Silva é Agente Comunitário de Saúde há 18 anos, membro do Grupo de Trabalho de Saúde dos Homens da SBMFC. Há 10 anos conduz Grupo de Saúde do Homem na Unidade de Saúde Milta Rodrigues, em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.

* Antônio Modesto é Médico de Família e Comunidade. coordenador do Grupo de Trabalho de Saúde dos Homens, Doutor em Medicina Preventiva, Professor na Faculdade de Medicina Unicid. 

 

SBMFC: É possível avaliar como está a saúde do homem brasileiro na atualidade?

 Valério: Em termos locais, saliento a importância que a Estratégia de Saúde da Família trouxe às Comunidades e, em especial, ao Homem.

Vejamos alguns porquês:

– A visita regular de um ACS (Agente Comunitário de Saúde), batendo a porta e questionando sobre o momento deste homem;

– O atendimento do MFC mais qualificado no sentido de oferecer uma consulta mais estendida, ampla e, principalmente, “dando a este homem a oportunidade dele falar”. (Certos especialistas em nível secundário ou terciário, nem permite que o paciente abra a boca ou evolua uma situação.)

– A oportunidade de participação direta em grupos: antitabagismo, hipertensão, saúde mental, odonto, saúde do homem, etc.

Percebo que tais fatores, entre outros, estão inserindo os homens nos Serviços de Saúde com mais ênfase, qualidade e longevidade. Tais ações acabam repercutindo em uma melhor qualidade da saúde masculina.

 

SBMFC: Quais as doenças de mais impacto que, se diagnosticadas e tratadas, poderiam promover melhor qualidade de vida aos homens?

 Valério: O stress, a violência urbana e as restrições de emprego, ao longo do tempo, acabam por gerar uma instabilidade  social e mental que tem levado os homens a frequentarem com mais persistência as filas de atendimento nos serviços de saúde. Creio que poderia haver um incremento nas ações de saúde mental, a fim de diminuirmos o consumo de medicação controlada para insônia, depressão e combate ao suicídio.

Antônio: As principais causas de mortalidade dos homens brasileiros são doenças cardiovasculares e causas externas, ambas relacionadas a comportamentos em saúde. Assim, o diagnóstico oportuno e a abordagem da obesidade, hipertensão arterial, diabete, tabagismo, etilismo, sedentarismo devem se somar a políticas de promoção à saúde no trânsito, a uma cultura de paz e a uma socialização dos meninos que valorize o cuidado em saúde.

 

SBMFC: Existe uma justificativa para os homens não irem ao médico quando está doente, para vacina ou até algum problema de saúde aparente?

 Valério: O grande problema são as filas de espera para atendimento. O homem não gosta e não tem paciência para esperar muito tempo!

Convém salientar, principalmente em relação a uma consulta a nível hospitalar, o grande tempo de espera por esta marcação e quando ela acontece, o profissional, em diversos casos, nem olha nos olhos e não dá a oportunidade do paciente manifestar-se, descrever adequadamente o seu quadro e, vai direto dando o diagnóstico e o respectivo tratamento. Quem gosta de ser atendido desta maneira? Eu, por exemplo, não retornaria em um atendimento como este!

Antônio: Há pesquisas brasileiras e estrangeiras indicando que os homens não sentem que recebem a atenção devida a seus problemas, principalmente quando eles são diferentes do cotidiano da assistência, que frequentemente foca na hipertensão arterial, diabete e câncer de próstata. Isso não condiz com uma APS acolhedora e resolutiva.

 

SBMFC: Na Atenção Primária, qual o papel do MFC na saúde do homem?

 Valério: O MFC tem a oportunidade de “ser amigo do paciente”.

A relação médico X paciente é diferente da relação paciente X MFC amigo. Ao longo de meus anos de ACS percebo nas casas, a afeição de alguns homens para com o seu MFC. Aspecto este que, dificilmente percebo em relação a algum profissional da atenção secundária e/ou terciária. Muitos homens desejam retornar a ser atendidos por “aquele médico” ou então “pelo meu médico!”. Esta relação do homem para com o seu MFC não tem preço e é algo relevante, que deve ser preservado e incentivado para com os demais profissionais.

Antônio: Muitas demandas masculinas não são mencionadas nas primeiras consultas por vergonha ou desconhecer o papel do MFC; nesses casos, o vínculo e a confiança construídos ao longo do tempo permitem que essas questões sejam trazidas.

 

SBMFC: Existe algum tema que é considerado tabu nas consultas médicas masculinas?

Valério: Ouço muitos relatos de homens que sentem-se constrangidos de abordar temas ligados à sexualidade, seja um caso seu e de sua parceira ou então de algum membro da família.

No Grupo, costumo abordar o tema e ouço o seguinte:

– … tenho 60 anos e nunca usei camisinha, nem sei como usar.

– Não sabia que tinha esse gel para as mulheres…

– Eu nunca falei de sexo com meu filho; só digo pra ele se cuidar das doenças!

Não posso generalizar, mas em Porto Alegre existem muitos homens adultos e/ou de idade superior que provém do interior do Estado. Imagine se os pais conversam de sexo com seus filhos “pra fora”?

Isso não acontece e, chegando aqui, irão repassar aquilo que aprenderam dos pais, ou seja, nada.

Creio que cabe aos MFC e demais profissionais abordarem de maneira mais prática e desinibida tal tema.

Antônio: Questões de sexualidade e saúde mental.

 

SBMFC: Por que os homens sofrem com o aparelho circulatório?

 Valério: O homem considera a “dorzinha” como uma bobagem. Então, por que procurar um médico?. Justamente desta maneira que se iniciam os sintomas e a negligência para com um tratamento adequado. Campanhas de esclarecimento e um protocolo de atendimento para tal fim seriam muito bem vindos.

Antônio: Porque as questões de saúde cardiovascular estão relacionadas a comportamentos influenciados por gênero. Homens fumam e bebem mais que as mulheres e, como Valério disse, em geral resistem a procurar ajuda. Para além de dificuldades objetivas como dificuldade para marcar ou demora no atendimento, para os homens, buscar ajuda é demonstrar fragilidade.

 

SBMFC: Nas consultas, quais ações são essenciais para que o homem se sinta confortável e mantenha uma boa relação médico-paciente?

 Valério: A consulta mecanicista pode ser rápida, objetiva e talvez eficaz mas não cativará o paciente a retornar.

“ … o que mais está preocupando o senhor?”

Esta pergunta é fundamental e poder abrir as portas de uma boa interação médico X paciente, qualificando o atendimento e dando a oportunidade deste homem manifestar-se.

Em certas ocasiões, tal pergunta é que realmente induzirá o profissional a detectar o real motivo de preocupação desta pessoa, elucidando um problema e iniciando uma relação de confiança mútua.

Antônio: Em uma palavra: escuta. Em muitas palavras: Método Clínico Centrado na Pessoa.

 

SBMFC: O tema das Masculinidades vem ganhando espaço nas discussões sobre comportamento e cultura? Como o tema se relaciona com a Saúde dos Homens?

Valério: Percebo que os enquadramentos sociais de masculinidade (hetero, trans, metro, pansexual,…), estão afetos a um segmento mais evoluído cultural e financeiramente falando. Não creio que tais conceitos atinjam às camadas mais carentes e menos avantajadas culturalmente de nossa sociedade, onde faltam conhecimentos sobre sífilis, preservativos, hepatites, etc.

 

SBMFC: Gostaria de indicar materiais, artigos, estudos sobre saúde dos homens?

Valério: 

– Como agir quando percebo a presença das drogas em minha casa, minha família?

. A quem recorrer? Polícia, amigos, posto de saúde, internar?

. Como e quando conversar com a pessoa a qual desconfio do uso de drogas?

. É válido internar por “x” meses e ao sair, retornar ao mesmo convívio e mesmos hábitos de antes?

(Inclusive, careço de material sobre tal tema.)

 

Antônio: Os filmes “The mask you live in” e “O silêncio dos homens”.