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SBMFC entrevista Luciano Duro: Vamos falar sobre Prevenção Quaternária?

25 de janeiro de 2019

Luciano Duro é médico de família e comunidade, coordenador do GT de Prevenção Quaternária da SBMFC. 

SBMFC: O que significa a Prevenção Quaternária? 

Luciano Duro: Por definição, a prevenção quaternária é o conjunto de ações que se realizam para evitar, ou atenuar as consequências das intervenções desnecessárias, ou excessivas, oriundas do contato das pessoas com o sistema de saúde. De fato, é um olhar mais atento e diferenciado sobre o que se está oferecendo e como se estão oferecendo os cuidados em saúde. Sugere que se pense mais antes de intervir, seja de que maneira for, trazendo à mesa de discussão o olhar em conjunto do prestador do serviço e o usuário, com o uso judicioso das evidências científicas.

 

SBMFC: Na sua opinião, entre os quatro tipos de prevenção, algum tem mais importância e maior aceitação entre os profissionais de saúde? 

Luciano Duro:A prevenção secundária tem, historicamente, mais aceitabilidade por parte dos profissionais, muito porque da mesma forma é mais “palatável” por parte dos usuários. Ela lida com a detecção das doenças no seu período de pré-patogênese (antes do aparecimento dos sinais, ou sintomas, onde o profissional busca ver/detectar algo de errado, mas a pessoa não se sente doente) e de patogênese (da mesma forma se busca a doença, mas agora em um corpo já notando diferenças). Também na prevenção secundária está incluído o pronto atendimento/tratamento destas condições patológicas, para que não evoluam negativamente. Neste contexto entram os conhecidos exames de check up, ou rastreamentos. Essa visão se torna mais compreensível para o público leigo, onde “prevenir é (sempre) melhor que remediar”. E, infelizmente, muitos profissionais de saúde entendem assim, que sempre é melhor. Aí que ocorre o risco que a P4 deseja discutir e combater: quando a ansiedade do profissional vai de encontro com a ansiedade da pessoa usuária do serviço. Neste cenário, há a importante discussão de ambas partes (o olhar em conjunto), porém perdendo o tal “uso judicioso das evidências científicas”. Com tanta tecnologia à disposição dos profissionais da saúde, tem-se deixado para trás o uso dos 5 sentidos humanos. Tem-se preferido solicitar exame a conversar, tocar, sendo mais prático para ambas partes. Cuidar da alimentação, praticar exercícios físicos, evitar os fatores de risco são ações mais complexas de serem prescritas e/ou praticadas (prevenção primária). A redução de danos (prevenção terciária) pode parecer frustrante para muitos que trabalham com saúde, pois já houve o evento danoso. Por último, a P4 responderei na questão seguinte.

 

SBMFC: Como está a aceitação da Prevenção Quaternária no Brasil por parte dos médicos? 

Luciano Duro: Ela está tendo cada vez mais voz e vez entre os médicos no nosso país. Principalmente por ações dos médicos de família e comunidade, que, estimulados pela SBMFC e seu GT participam ativamente nos congressos, nas discussões em redes sociais e paginas da Sociedade. Também é extremamente importante destacar o trabalho de grupos como Choosing Wisely que vem trabalhando junto com várias especialidades e escolas médicas, a fim de estimular definições de ações pouco efetivas e evitar que as mesmas se mantenham na prática médica, bem como empoderar os usuários a questionar e discutir essas ações. Porém, estamos longe de uma aceitação da maioria. Ainda os médicos trabalham numa medicina baseada em defesa. O medo de serem questionados em juízo, dos processos médicos, faz com que sintam-se inseguros de realizar o “menos é mais”. Isso reflete-se diretamente nos custos com saúde de quaisquer sistemas e perpetua a forma de cuidar que afeta diretamente as pessoas que utilizam este sistema, mantendo o círculo vicioso de pedir mais, para “garantir mais saúde”.

 

SBMFC: Em outros países, a P4 é aplicada de forma prioritária na saúde? É possível o Brasil chegar a esse nível? 

Luciano Duro: Há países onde a discussão e implementação dos ideais da P4 está, digamos, mais avançada. E muitos estão diretamente relacionados a uma APS forte com sistemas de saúde mais organizados. APS forte significa médicos especialistas em MFC na ponta. MFC na ponta implica num cuidado diferente, com uso de ferramentas essenciais para o sucesso da P4, como método clínico centrado na pessoa e os atributos (porta de entrada, longitudinalidade, coordenação de cuidados e integralidade). Sobre o Brasil chegar a um nível mais elevado e similar aos outros países, a receita é simples, porém ao mesmo tempo, complexa… Aumentar o acesso da população aos cuidados de um MFC.

 

SBMFC: É possível mensurar como a sociedade está cada vez mais ansiosa ao querer antecipar possíveis problemas de saúde? 

Luciano Duro: Indiretamente, sim. Pode-se ver através da proporção de exames solicitados por consultas, que supera os 50% em alguns estudos no Brasil, mas com maior impacto, a proporção de sobrediagnósticos com consequentes sobre tratamentos detectados em outras pesquisas. Quanto mais se vive, mais tempo temos de desenvolver algum sinal ou sintoma, consequentemente diagnosticados mais doenças, e, em conjunto, mais pseudo-doenças. Aquelas condições para qual se do ter um exame infalível (o que não existe), com tratamento (nunca isento de danos colaterais), mas que se deixassem sem intervenção, não causariam mal à pessoa.

 

SBMFC:  Como lidar com o excesso de solicitação de medicamentos e exames pelos próprios pacientes? 

Luciano Duro: Maior discussão científica sobre o assunto entre profissionais em geral, para que se aumente o número com expertise em comunicação disso tudo que estamos conversando. Além disso, maior participação do nosso sistema de saúde em ampliar o acesso a esse conteúdo pelas pessoas em geral, trazendo a mídia para participar também destes fóruns.

 

SBMFC: Gostaria de sugerir livros e artigos para os interessados no assunto? 

Luciano Duro: Os capítulos sobre prevenção quaternária no Tratado de Medicina de Família e Comunidade e no livro Medicina Ambulatorial (Duncan) estão bem descritos. Também temos uma edição específica sobre o tema em 2015 da Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade que vale muito a pena ler.

 

Sobre o GT: 

SBMFC: Por que o GT foi criado? 

Luciano Duro: Para ser mais um grupo organizado a fim de fomentar e nortear as discussões sobre o tema entre várias pessoas do país e até de fora.

 

SBMFC: Quais as atividades realizadas para os membros? 

Luciano Duro: Temos muita atividade em rede social e conversas/discussões em grupos de aplicativo de conversa. Compartilhamos e discutimos artigos, notícias, ideias de ensino e aprendizagem da P4. Também participamos de atividades em conjunto com outras ligas e no planejamento de atividades em congressos.

 

SBMFC: Há eventos/reuniões programados para 2019? 

Luciano Duro: Nossa próxima reunião formal será durante o próximo congresso brasileiro de MFC em Cuiabá em julho. Neste evento temos criado ideias de atividades envolvendo a P4 em si e em conjunto com outros grupos.

 

SBMFC: Para participar, como o candidato pode ser inscrever? 

Luciano Duro: Pode entrar em contato conosco via nossa página do Facebook que daremos as formas de interagir: https://www.facebook.com/prevquaternaria/.