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SBMFC entrevista Denize Ornelas: Vamos falar sobre amamentação?

3 de agosto de 2018

 

Denize Ornelas* é médica de família e comunidade, diretora de comunição da SBMFC, coordenadora do GT Mulheres na Medicina de Família e Comunidade. 

SBMFC: Vamos falar de um dos principais mitos da amamentação: existe leite fraco?

Denize: Não! O leite materno nunca é "fraco" e apesar de ser uma frase muito comum, ela não é verdade. É importante esclarecer esse mito porque muitas mães ouvem essa frase e se preocupam, sendo fundamental o médico afirmar que cientificamente o leite materno sempre tem os nutrientes necessários para nutrição e manutenção da saúde do bebê.

Por mais que a composição do leite de cada mãe seja diferente, variando inclusive conforme a hora do dia, o leite materno tem componentes ideais para saciar a fome e a sede da criança, além de proporcionar a imunização passiva com anticorpos e células de defesa para prevenção de doenças, elementos que só o leite materno possui. 

Segundo o artigo "Dificuldades no aleitamento materno e influência no desmame precoce", o leite fraco é um fator cultural, um mito, pois a grande maioria das mulheres produz leite suficiente para sustentar a criança. Esta percepção errônea pode estar vinculada ao desconhecimento das mães quanto aos valores do seu leite, sobre como o leite materno é produzido e liberado pelas glândulas mamárias e ao fato de relacionarem o choro do bebê à carência de alimento, o que nem sempre é verdadeiro.

SBMFC: Mas se o leite não é fraco por que os bebês precisam mamar tantas vezes seguidas?

 

Primeiro, o volume do estômago dos bebês recém-nascidos é muito pequeno, precisando então de várias mamadas para conseguir obter a quantidade adequada de nutrientes. Como o crescimento do bebê, o tempo entre as mamadas  tende a aumentar pois o estomago cresce, e o tempo entre as mamadas passa a variar nas fases de salto e crises de crescimento, em que a demanda pelo leite também cresce.

 

Segundo, a amamentação frequente faz com que a produção de leite seja maior, então, quanto mais se amamenta, mais leite se produz e essa regulação da quantidade produzida e ingerida vai depender de cada dupla mãe-bebê. Quando o bebê chora, mesmo após a amamentação, é porque ainda não está satisfeito ou há algo que o incomoda, que pode ser desde a temperatura, necessidade de troca de fraldas ou outro problema que ainda não foi percebido pelos pais, muitas vezes sendo apenas um reflexo do desconforto do bebê com a adaptação a vida extra-uterina. Esses três primeiros meses do recém nascido são conhecidos como extero-gestação e nessa fase o bebê está se adaptando os estímulos trazidos pela vida fora do útero: sons, cheiros, barulho.  

 

Terceiro, os bebês tem uma necessidade de sucção fisiológica grande ao nascer que também é instintiva da espécie pois bebês humanos nascem incapazes de se locomover e proteger de perigos. O bebê quando está no seio materno está aquecidos pelo corpo dela regulando sua temperatura corporal, correndo menos risco de desidratação, por exemplo. É importante que se incentive esse momento que é algo muito mais que nutrição, mas sim uma troca de amor, afeto e conexão com o bebê.

Assim, se médicos prescrevem logo fórmulas para complementação do aleitamento porque os "bebês choram demais" ou indicam o uso de bicos artificiais para acalmar o bebê, a construção desse equilíbrio delicado é rompido e pode mais atrapalhar do que ajudar a progressão do aleitamento materno em livre demanda. Se após esclarecer os pais e adotar medidas para melhorar a adaptação da família o choro frequente persistir, outras  causas do choro serão investigadas.

SBMFC: Então é um erro comum a introdução de fórmulas artificiais sobre a justificativa de "leite fraco" ou "bebe que chora demais"?

Sim, principalmente nos bebês recém nascidos, é necessário fazer um melhor manejo da amamentação e da rotina da família antes de prescrever a fórmula. Um dos principais motivos para a prescrição inadequada é a não observação da mãe amamentado e não melhorar o processo, visto que pode ser a posição e/ou a “pega” incorretas acarretando mamadas insuficientes , levando a perda de peso ou o ganho abaixo do esperado. 

Também é fundamental investigar como estão as condições em que a mãe está aleitando: a recomendação da livre demanda se aplica sem restrição de tempo das mamadas, regulação de tempo em cada seio ou do intervalo entre elas pois é fundamental garantir que o bebê esteja mamando sempre que deseje para ser nutrido com o leite anterior, rico em água e anticorpos e também em leite posterior, rico em gordura.

SBMFC: Quais são as principais dificuldades no início da a amamentação?

Denize: Muitas mães desistem do aleitamento materno devido a não encontrarem apoio para os problemas com a adaptação ao processo desde o nascimento do bebê. Temos sempre que ressaltar a capacidade das mulheres em nutrir seus filhos e se for seu desejo, apoiá-las na superação de problemas pois não basta apenas vontade e instinto, quase sempre é preciso orientação e suporte. 

Alguns bebês não pega bem o mamilo para sucção,  causando dor, inchaço e machucados nos seios e frequentemente se colocam os intermediários de silicone ao invés de corrigir a pega. Logo no início, imediatamente na fase pós-parto, muitas vezes falta orientação sobre o que é o colostro e como se dá a apojadura e as mulheres se desesperam achando que o leite "é ralo e não desceu". Nesse começo, a introdução da formula artificial vai prejudicar a produção por estimulo inadequado. 

Por isso a orientação prévia no pré-natal auxilia na adesão e conscientização da lactente que, muitas vezes, precisa saber não só sobre como agir, mas principalmente da importância da amamentação e das dificuldades que terá que superar. Aproximadamente, 70% das mulheres têm dificuldade na amamentação.  Uma dica importante: sempre procure o banco de leite mais próximo. Esse serviço não é apenas para receber e distribuir o leite materno, mas também é um ótimo local para receber orientações sobre ajuste de pega e outros problemas que a mãe possa ter.
Além disso não podemos esquecer o cuidado com a saúde mental materna pois o blues puerperal e a depressão pós parto podem ser agravados pelafrustração em não conseguir amamentar e por outro lado, mulheres que conseguem estabelecer e ter um bom início de amamentação são menos afetadas por essas condições.  
SBMFC: Como se evitam machucados e rachaduras?

Denize: Para evitar as fissuras o bebê deve mamar não só pelo bico do seio, mas deve abocanhar boa parte da auréola. Caso isso não aconteça na primeira tentativa primeira, deve-se remover o bebê do seio delicadamente e tentar novamente. Caso já tenha tenha feridas, o próprio leite possui ação antibactericida e pode ajudar na recuperação,  por isso a orientação é não lavar os seios antes ou depois da mamada, mas passar o próprio leite, sem nenhum produto ou pomada. Também não se deve preparar o mamilo "esfregando" toalhas e buchas além de não usar sabão direto no mamilo e aréola já que essa pele deve ficar mais gordurosa pela secreção das glândulas areolares, as Glândulas de Montgomery.  

A mulher deve estar descansada dentro do possível e ter paciência é fundamental em todo esse processo de aprendizado, principalmente nos primeiros dias em que a mãe e bebê estão se conhecendo e aprendendo a conviver juntos.                     

Quando estiver em dificuldade para amamentar deve-se:

– Escolher um lugar calmo, confortável e com presença de pessoas de confiança da mãe;

– O bebê deve estar com o rosto muito próximo ao  seio, assim como com a barriga encostada na da mãe;

– Beber bastante líquido, pois a mãe precisa estar hidratada para produzir leite em quantidade adequada;

 

– buscar ajuda para aprender a massagear os seios em movimentos circulares para soltar as retenções de leite, assim como fazer ordenhas iniciais na aréola, aliviando a tensão da pele e deixando a parte que será abocanhada pelo bebê menos rígida e facilitando a pega;
– podem ser procurados nas redes sociais grupos de apoio à amamentação, onde as mulheres encontram outras que estão passando pelos mesmos problemas e dificuldades e podem trocar experiências e se sentirem mais confiantes e fortalecidas.

SBMFC: E uso da chupeta e bicos artificiais prejudica o aleitamento materno?

Denize: Muitos estudos mostram que sim, bebês que usam chupeta ou mamadeira desmamam mais precocemente. Quando a mãe se ausentar por qualquer motivo, ela pode ser orientada a ordenhar seu leite, que pode ser oferecido pelo cuidador ao bebê com um copinho de plástico ou vidro e não mamadeiras com bicos artificiais. Mesmo bebês recém nascidos são capazes de usar o copinho, que evitar depois que ele passe a rejeitar o peito da mãe. A chupeta é outro fator que prejudica a amamentação no sentido de colaborar com a “confusão de bicos”, quando o bebê confunde a sucção que faz no bico da mamadeira com os movimentos que deve fazer para extrair o leite do seio materno.

Quando a criança aprende a mamar no peito, se adapta a um tipo de sucção específica para ter acesso ao leite e usufruir do vínculo que a amamentação promove. Ao oferecer a chupeta e bicos artificiais, pode-se provocar o desmame precoce, pois os movimentos da língua e o esforço da musculatura oro-facial do bebê, causando "confusão" no bebê, que poderá rejeitar o peito e passar a preferir a mamadeira, já que é mais fácil por demandar menos esforço e menos tempo para liberação do leite. 
A maior parte do leite será produzida pela glândula mamária na hora da amamentação e são necessários alguns segundos para o que cérebro identifique a necessidade do bebê e permita a liberação do leite pela mama, o que chamamos de reflexo de ejeção. Na mamadeira não tem isso, o bebe automaticamente suga, e obtém o leite.

SBMFC: Qual o papel do família na amamentação?

Denize: Por mais que seja a mãe que oferece o peito ao bebê, o pai, a outra mãe do bebê (se não desejar amamentar), avôs  e amigos podem ter um papel essencial em todo o processo, desde a fase de preparação no pré-natal e depois, nos momentos da mamada. Apoio é importante, pois na adaptação da amamentação é necessário ter paciência e, quando se tem auxílio, a mulher sente-se mais confiante e acolhida. Outros membros da família podem controlar o horário das visitas, além de reforçar as escolhas da mãe na amamentação, principalmente em público, já que a prática, em muitos lugares, ainda não é vista como algo comum e natural.

 

Todos podem e devem auxiliar nos cuidados com o bebê mas principalmente nas tarefas domésticas priorizando o descanso materno, principalmente os pais que sendo homens não costumavam estar incluídos. Dar banho no bebê e ficar com ele no colo enquanto a mãe faz uma refeição com tranquilidade contribui pro bem estar de toda a família e pode ajudar a mãe a se sentir menos pressionada.
 
E claro, elogiar e reconhecer o esforço da mulher que amamenta sempre ajuda muito!

 

SBMFC: Como a equipe multiprofissional pode auxiliar na amamentação?

A dedicação da equipe de saúde no estabelecimento bem sucedido da amamentação incluindo a prevenção das fissuras e mastites, que são complicações comuns nos primeiros dias de puerpério são fundamentais mas o caminho para as orientações se inicia desde o pré-natal. 

 

Esclarecimentos sobre a prática da amamentação às mães e aos familiares devem ser realizadas a partir de suas crenças, expectativas e medos, que variam com idade, hábitos e inserção da mãe no mercado de trabalho. Destaco que  a prática de amamentação dentro das famílias – materna e paterna – e círculo social, principalmente as amigas, influenciam diretamente na adesão a ideia de amamentar.

 

A equipe multiprofissional deve deter conhecimentos técnicos e científicos atualizados sobre a importância de perceber o aleitamento como um processo, uma conquista que se desenvolve em várias etapas e deve conhecer desde as informações sobre os elementos nutricionais e imunológicos do leite passando pelos mecanismos psicológicos entre a mãe e bebê.

 

Outro ponto importante a ser lembrado é quando a mãe der indícios do desmame precoce, é preciso entender os problemas que a levaram a essa decisão e incentivá-la a retornar a amamentação se possível, principalmente se o bebê não tiver completado seis meses de idade, mas também respeitar a mãe que deseja amamentar de forma complementada ou mesmo optar pelo desmame, sem culpabiliza-la.

 
SBMFC: E uma vez vencidos os primeiros quatro meses em que se encerra a licença maternidade na maioria dos casos, é possível manter o aleitamento materno exclusivo no caso das mães que retornam ao trabalho antes dos 6 meses?

Denize: Sim! Sempre com apoio da família e dos profissionais. Para as mães que vão retornar à rotina de trabalho, o aleitamento não precisa ser interrompido e quando estiver com o bebê, a mãe continuará a amamentá-lo diretamente no peito em livre demanda. O aleitamento é muito mais que nutrição, é uma troca de amor e afeto e não deve ser quebrada quando a criança começa a ir para a escolinha ou a mãe precisa se ausentar e não passar mais o dia todo com o filho. 

As mães que desejam manter o aleitamento materno exclusivo devem aprender a fazer a ordenha manual ou serem preparadas para utilizar bombas para retirada do leite, manuais ou elétricas assim como as normas de higienizar das mãos. O armazenamento deve ser feito em vasilhames esterilizados em água fervente ou esterilizadores de microondas. Elas também devem ser orientadas sobre o armazenamento e conservação do leite: em temperatura ambiente pode ser oferecido ao bebê até seis horas após a coleta; quando refrigerado, o armazenamento deve ser entre 0 e 4 graus pode ser utilizado por 24 horas e no freezer (separado da geladeira) em média por 15 dias. 
Até um ano de idade o leite materno continua sendo o principal alimento e a introdução de novos alimentos deve ser progressiva até que o bebe passe do consumo de frutas, legumes, cereais. carnes até o consumo da comida da família quando a demanda de leite materno vai também diminuindo mas o aleitamento pode ser mantido até os dois anos ou mais.
SBMFC: Como prolongar a amamentação?
Denize: Se mantida a amamentação, o organismo da mulher continuará produzindo leite de forma mais estabilizada e no volume proporcional ao estímulo, inclusive sendo possível se amamentar gráfica ou amamentar bebês de duas idades diferentes ao contrário do mito que com a introdução alimentar o "leite seca" ou de que o bebê perde o interesse.


A recomendação da Organização Mundial de Saúde é de que o leite materno continue sempre oferecido até, pelo menos, os dois anos da criança pois o leite não fica "mais fraco" nem vira "água", muito menos "atrapalha" a alimentação. 

De acordo com a Unicef, aos dois anos de idade, 500 ml de leite materno fornecem 95% das necessidades de vitamina C, 45% das de vitamina A, 38% de proteína e 31% do total de energia que uma criança precisa diariamente além de continuar tendo um carga importante de anticorpos e células de defesa que continuam a ajudar na prevenção e recuperação mais rápida de doenças comuns da infância. Mesmo crianças com mais de dois anos podem ser amamentadas e os benefícios são os mesmos desde o nascimento.
Outro mito comum é de que a criança quando amamentada por muito tempo, fica mais dependente, porém, estudos mostram que ao contrário, as crianças se sentem tão ou mais confiantes que as não amamentadas, pois ao receber o amor e aconchego no colo da mãe na hora da mamada, sentem-se seguras para novas descobertas. 
SBMFC: Uma mensagem final para essa SMAM 2018?

Amamentar pode ser um momento muito especial na vida de uma mulher, mas não é fácil nem natural como costuma parecer nas campanhas de incentivo. Precisamos sempre nos capacitar e entender a complexidade que envolve a decisão de amamentar e interferir o menos possível, como na prescrição de medicamentos para as lactantes, considerando  que  existem medicamentos seguros para o bebê e esses devem ser preferidos. Recomendo muito a consulta ao site e-lactância, disponível em: www.e-lactancia.org.

Por último, enquanto for bom para mãe e bebê, a mulher deve ser apoiada para amamentar e nós, profissionais, devemos respeitar cada mulher, cada família. Se não for desejo da mulher primeiro ouça os sentimentos, idéias e expectativas da mãe e a apoie e busque reforçar a rede de apoio dela, seja qual for sua decisão.
 

Para saber mais:

Amamentação: conhecimento e prática de gestantes – https://goo.gl/do6j6L

Atualidades em Amamentação. Chupetas e Amamentação. IBFAN, 2014. http://www.ibfan.org.br/site/wp-content/uploads/2015/02/140929_atualidades_54_2014-2.pdf 

Fatores que influenciam na interrupção do aleitamento materno exclusivo em nutrizes – https://goo.gl/iqXiKV

Dificuldades no aleitamento materno e influência no desmame precoce – https://goo.gl/Ur6UF8

Promovendo o aleitamento materno na APS. Telessaúde RS. 2014