O Ministério da Saúde decidiu as situações em que as equipes médicas poderão utilizar órgãos "limítrofes", aqueles que não estão em condições ideais para transplantes. Órgãos de doadores com doenças infecciosas como a hepatite C, por exemplo, poderão ser utilizados desde que haja consentimento assinado do receptor e que ele também seja portador da doença.
Atualmente grande parte dos órgãos para doação tem algum tipo de problema e as equipes adotam estratégias próprias para aproveitá-los. Não havia, porém, uma regulamentação nacional sobre o assunto.
A nova regra deverá ser publicada em março, dentro de um pacote com outras mudanças para o setor. O objetivo do ministério é diminuir o prazo de espera nas filas e melhorar a qualidade de vida dos pacientes – atualmente 58.634 pessoas estão na fila de transplantes no País. O sistema será semelhante ao existente em São Paulo, onde pacientes e médicos decidem sobre o uso de órgãos não ideais antes do cadastro na fila.
Representantes dos pacientes, no entanto, manifestaram preocupação, principalmente por causa de temores sobre os resultados deste tipo de transplante para os receptores dos órgãos e a capacidade dos doentes para decidir sobre a utilização de enxertos não ideais. "São 66 entidades solicitando extensão do prazo de discussão. Hoje os pacientes não são informados de forma que entendam o risco que estão correndo. Além disso, não se sabe os níveis de qualificação das equipes médicas e não há dados sobre os resultados dos transplantes para ajudar o paciente a decidir", afirmou Rosangela Santos, presidente da Federação das Associações dos Renais Crônicos e Transplantados do Brasil.
A pasta já encerrou a consulta pública lançada em setembro do ano passado sobre as novas regras para o setor de transplantes e, segundo informou o secretário de Atenção à Saúde do ministério, Alberto Beltrame, as orientações para o uso dos órgãos limítrofes são definitivas e serão encaminhadas para autorização do ministro José Gomes Temporão. Elas permitem que médicos e pacientes decidam juntos, por exemplo, se aceitarão órgãos com problemas como hepatite C, B e doença de Chagas, mas só nos casos em que o receptor do órgão também tiver esses problemas. Assim, se o primeiro da fila não tiver aceitado o órgão limítrofe, o enxerto poderá passar para o próximo da fila que tiver concordado com as condições.
Órgãos de doadores com histórico de sífilis, infecção pelo citomegalovírus e toxoplasmose também poderão ser aceitos, independentemente de o receptor ter ou não sofrido dos problemas, isto porque para essas doenças há tratamentos eficientes. "É importante passar uma mensagem de segurança. A regra é baseada em consentimento livre e informado, em um conjunto de informações fornecidas ao paciente, na franqueza da relação médico-paciente", disse Beltrame, que destaca ainda que há embasamento científico na regulamentação. Segundo Paulo Massarollo, integrante da câmara técnica de fígado do ministério, os critérios para doação vêm sendo expandidos nos últimos anos por causa do aprimoramento do transplantes. "Antes o limite eram doadores mais jovens, mas isto tem sido expandido com a melhoria da técnica. E com resultados cada vez melhores", enfatiza.
Atualmente a Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) finaliza, juntamente com a Associação Médica Brasileira, diretrizes mais específicas sobre o uso de órgãos limítrofes, baseada em revisão de literatura científica. No entanto, o trabalho só deverá ficar pronto no fim do semestre. Segundo Maria Cristina Ribeiro, coordenadora do projeto, há poucos estudos relevantes sobre o uso de órgãos limítrofes, pois a maioria observou poucos pacientes. "Se por um lado é benéfico para muitos, para outros implica riscos e temos de lidar com isto. Existem estudos, por exemplo, que mostram que mesmo que o receptor já tenha hepatite C ele corre o risco de adquirir um outro tipo de vírus da doença."
Fonte: O Estado de S. Paulo