O artigo “Impact of the Programa Mais médicos (more doctors Programme) on primary care doctor supply and amenable mortality: quasi-experimental study of 5565 Brazilian municipalities” foi publicado recentemente e devido a sua envergadura a SBMFC convidou Felipe Proenço, médico de família e comunidade, para uma entrevista sobre os resultados do estudo.
Proenço é professor da UFPB, onde é supervisor da Residência de Medicina de Família e Comunidade. e membro permanente dos Programas de Pós-Graduação em Saúde da Família (RENASF) e Saúde Coletiva.
O artigo está disponível no link: https://doi.org/10.1186/s12913-020-05716-2
Referência para consulta:
Hone, T., Powell-Jackson, T., Santos, L.M.P. et al. Impact of the Programa Mais médicos (more doctors Programme) on primary care doctor supply and amenable mortality: quasi-experimental study of 5565 Brazilian municipalities. BMC Health Serv Res 20, 873 (2020).
SBMFC: Quais são os maiores achados deste estudo e como eles podem ajudar na construção de políticas de atração e retenção de médicos para trabalhar na APS especialmente nas áreas mais remotas do país?
FP: É importante destacar a magnitude do estudo, por ter olhado um banco de dados robusto ao longo do tempo e ter trazido informação de muitos municípios brasileiros sobre como foi o comportamento do programa e alguns indicadores com o destaque para o de mortalidade.
Temos visto vários estudos do Mais Médicos com resultados favoráveis sobre satisfação, acesso, sobre mudanças no processo de trabalho das equipes de saúde da família, e talvez esse seja o estudo de maior abrangência que conseguiu demonstrar uma redução de mortalidade em virtude do programa.
Quando a gente analisa uma política pública, precisamos avaliar se ela atingiu o objetivo. Uma política pública na área da saúde tem que buscar a diminuição da mortalidade. E esse é o principal achado que eu gostaria de destacar como resultado do estudo: evidenciou a redução de mortalidade com a inclusão do programa, fato que está de acordo com os achados nacionais e internacionais sobre o aumento e qualificação da APS na melhora dos cuidados em saúde, com a presença do médico compondo a equipe da Estratégia de Saúde da Família.
SBMFC: O estudo demonstra uma substituição importante de médicos que já estavam trabalhando na APS e que provavelmente ingressaram no programa em busca de melhores salários e segurança. Este fato dialoga com a intensa precarização das relações de trabalho no SUS e especialmente na APS, elemento não enfrentado pelo PMM. O que podemos aprender sobre este achado para melhorar a fixação de profissionais na APS e em áreas remotas?
FP: Do ponto de vista de substituição de médicos na APS, ele (o artigo) abre um debate. O primeiro ponto é a dificuldade muito grande de registro e de conferência dessa informação com a realidade. Do ponto de vista das diferenças entre o que está registrado no cadastro nacional de estabelecimento de saúde (CNES), com o que efetivamente está acontecendo com os médicos que estão atuando no serviço. Parece que o estudo consegue destacar essa situação.
O segundo ponto é que o Mais Médicos, desde o primeiro edital, previu alguns mecanismos que impedissem o ingresso do profissional no seu próprio município através do programa, ou seja, que houvesse somente uma mudança no tipo de vínculo ou busca por algum programa que tivesse uma remuneração maior. Mas, ao longo do programa, esses mecanismos foram modificados. Nos últimos anos foram publicados editais que infelizmente viabilizaram médicos que estavam vinculados aos municípios e permaneceram na mesma localidade. Eu acho que houve uma dificuldade de entendimento desses mecanismos e é por isso que o estudo reforça essa situação de substituição de profissionais.
Ao mesmo tempo, demonstra que a estratégia de provimento do Programa era emergencial e se propunha a ter estratégias de longo prazo, como a formação através da residência de medicina de família e comunidade. Mas, o último ano em que houve uma expansão mais significativa na especialidade foi em 2015.
SBMFC: O estudo aponta ainda para o maior aumento de médicos em municípios não prioritários. Como vocês avaliam este achado e o que poderia ser feito na construção de novas políticas para reduzir a possibilidade desta “lei de cuidados inversos”?
FP: Com relação ao perfil dos municípios, primeiro que é uma discussão importante de ser feita porque o programa não foi pensado enquanto programa focalizado, somente para determinadas áreas vulneráveis. Foi um programa que buscou dialogar com as necessidades de saúde apontadas pelos gestores municipais de todo o país.
O achado na queda da mortalidade foi maior nos municípios de perfis mais vulneráveis do programa o que nos dá possíveis indicativos: um de que os municípios historicamente mais acometidos pela escassez de profissionais se beneficiam mais do programa. Já nas regiões metropolitanas e capitais, os resultados acabam se diluindo pela grande quantidade equipes e nem todas elas são do Mais Médicos.
Temos essas duas dimensões. É um potencial para o estímulo do programa em áreas vulneráveis, mas também depende de outras políticas públicas. Isso porque temos que olhar essa redução de mortalidade e entender que ela se soma ao efeito da estratégia de saúde da família, política que está muito bem colocada no cenário nacional, já que também há um efeito da presença do médico em um programa que traz uma série de mecanismos para efetivar a APS.
Temos pesquisado outros eixos do programa, entre eles, a educação. Eu mesmo tenho acompanhado cursos novos de medicina que foram abertos em virtude do programa e acho que, mesmo não sendo o tema desse artigo, os eixos precisam ser olhados de uma forma conjunta. Por exemplo, os primeiros achados na área de formação do Mais Médicos tem demonstrado que os estudantes dos cursos novos têm uma maior aptidão e afinidade para trabalhar na APS. Isso demonstra um olhar mais a longo prazo. Por mais que o PMM tivesse um olhar mais emergencial de provimento de médicos, a repercussão do eixo de formação do programa tem trazido possibilidades a longo prazo.