Busca Junte-se a nós

Fazer mais nem sempre é fazer o melhor

30 de maio de 2017

Confira cobertura do Simpósio Choosing wisely e Slow Medicine – Caminhos Compartilhados, realizado dia 27 de maio, na sede da Associação Paulista de Medicina

O Simpósio Choosing wisely e Slow Medicine – Caminhos Compartilhados aconteceu na cidade de São Paulo, no dia 27 de maio, e foi realizado pela Associação Paulista de Medicina (APM), Associação Médica Brasileira, Choosing Wisely Brasil e Slow Medicine, com apoio da Sobramfa. Na abertura do evento, Paulo Lotufo, diretor científico da APM, indicou sobre a importância da atividade, pois frequentemente a medicina é poucas vezes compreendida e pouco se fala sobre a prática médica e esses dois movimentos caminham juntos para que possam revigorar a atividade médica. O balanço da segunda parte do evento está disponível no link: https://goo.gl/w13zzVPara apresentar sobre Choosing Wisely: a iniciativa da SBMFC, Gustavo Gusso, atual diretor de Publicações, explicou como a lista da Sociedade foi elaborada. Saiba mais no link:  https://goo.gl/n6TgqH.

O primeiro bloco foi contemplado com a moderação de Dário Birolini, um dos coordenadores da Slow Medicine Brasil, que no início da mesa compartilhou seu ano de formação – 1961 e viveu uma medicina completamente diferente da medicina atual. “Tive a honra de fazer parte do lançamento da Slow Medicine no Brasil, lançado há uma década na Itália. Aqui no país, foi na oportunidade do lançamento do livro O doente imaginário, de Marco Bobbio, que nos apresentou o conceito em 2006”, explica.

Biroloni expressou que atualmente o médico não trata o doente, trata a doença e o que é achado no exame. Os programas Choosing Wisely e Slow Medicine, desde que compreendidos e assimilados, contribuem para melhorar a assistência, estabelecendo a relação fundamental que é médico-paciente e não estabelecer uma relação de exame, além de diminuir os custos. “Ninguém leva em conta os custos econômicos, e todos devem meditar e fazer com que os alunos comecem a pensar nisso. Ainda que se 10% assumissem isso, já teria um impacto imenso”, indica o médico e professor que apresentou um vídeo de Marco Bobbio gravado especialmente para o encontro com dados atualizados da Slow Medicine no mundo. Você pode conferir o vídeo em: goo.gl/HcaKGg.

A primeira apresentação foi de Rodrigo Dias Olmos, da divisão de Clínica Médica do Hospital Universitário da USP, com o tema “História da Campanha Choosing Wisely no mundo”, e o contexto de como surgiu o movimento. “É pensar nos excessos das intervenções médicas com grande expansão e percepção de que pessoas saudáveis estão sendo prejudicadas, a partir de um malefício individual, o que tem a ver com segurança do paciente e malefício coletivo e social pelo desvio de recurso a quem mais precisa, a famosa lei de cuidados inversos”, informa.

Médicos realizam intervenções desnecessárias, mas os pacientes também pedem exames que não precisam. Essa relação é complexa, mas de fato existe. Por que o paciente pede? Pela identidade cultural, social e a mídia que divulga informações enviesadas. Outro ponto abordado por Olmos é a questão da autonomia do paciente que deve tomar suas decisões, mas que também pode ter um efeito colateral, a partir de busca de informações em locais inadequados.

Além disso, a formação médica inapropriada é um dos pontos fundamentais com inadequação do raciocínio clínico, dificuldade de lidar com a incerteza, falta de profissionalismo, ensino e a prática centrada na doença e não na pessoa. “Há grande variação regional de cuidados médicos que tem mais a ver com a disponibilidade de intervenção do que com a necessidade. Estamos fazendo o que é preciso e não o que é necessário. Especialistas como primeiro contato, sem cuidados coordenados na atenção primária e cuidados hospitalares”.

Hoje, 70 sociedades médicas com mais de um milhão de médicos e 18 países, como Estados Unidos, Canadá, Brasil, Japão, Coréia do Sul, Índia, Israel, Austrália, Nova Zelândia, Inglaterra, Alemanha, Áustria, Itália, Holanda, Dinamarca, Suíça, País de Gales e França, já lançaram o conceito Choosing Wisely em todo mundo.

Luís Cláudio Correia, médico cardiologista, professor da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública,  participou da reunião do Choosing Wisely em 2015, em Londres, representando a Sociedade Brasileira de Cardiologia, junto a Guilherme Barcellos, e abordou sobre Aspectos filosóficos e conceituais da Choosing Wisely por meio de vídeo no simpósio.

“É preciso aproximar e democratizar o conhecimento cientifico para raciocínio clínico. A Medicina Baseada em Evidência tem uma nomenclatura errada, pois idealmente não deveria existir porque a medicina não exclui a ciência, mas sim aproxima as duas coisas. O sábio é saber o que fazer e o que não fazer. Hoje, acreditamos em soluções fantasiosas. Método científico de pensamento serve para a gente se corrigir em relação ao mundo real, erros sistemáticos e erros aleatórios e se proteger da característica biológica da mente. A mente humana não é cientifica e não temos uma sociedade treinada para pensar cientificamente”, explica.

A Medicina baseada em Ciência não é a medicina baseada em qualquer coisa. É uma situação evolutiva na qual vivemos hoje. A evolução é cognitiva e é preciso reconhecer que precisamos pensar mais cientificamente. O risco de morrer de febre amarela é muito menor do que gripe, mas ninguém está preocupado com a gripe em si e precisamos saber qual a probabilidade de morrer de cada uma delas. Sobre o PSA, Correia argumenta que é preciso se questionar sobre o custo e o ganho da incontinência urinária e impotência, pois o rastreamento não reduz a mortalidade. Há uma confusão sobre a história de risco e dano, a partir de uma preocupação desnecessária, com pensamento não cientifico e o médico entra também porque é humano e não é ensinado para isso.

“O pensamento cientifico é humilde, não é ambicioso e trabalha com probabilidade. A mentalidade do médico ativo é o empoderamento, pedindo exames e prescrevendo tratamento, o que é cultural e inato de certa parte. Mas na dúvida, não faça. Não pensamos nas consequências não intencionais, que podem ser infinitas porque cada paciente é um paciente. E na dúvida você está com mais probabilidade de prejudicar do que auxiliar. A Choosing Wisely propõe que se pense cientificamente, pense como profissional”, ressalta. 

Correia ainda explica que a Slow Medicine dá a oportunidade de pensar sabiamente e permite que você pense mais devagar e decidir com mais tempo e entra a sabedoria para quantificar mais risco e criar um ambiente adequado para uma escolha mais sábia e se colocar no lugar do paciente. Precisamos de tempo para entender e adaptar a conduta, a partir do conhecimento do paciente e seus valores, mas sem jogar a decisão nas costas dele, o que requer algo artesanal.

Ao encerrar o vídeo de Correia, Birolini faz uma observação sobre a moda de seguir protocolos e guidelines. “Cada paciente é diferente geneticamente e sobre Medicina Baseada em Evidência, temos que ver o que há por trás daquele estudo, quem fez e se houve patrocínio”.

José Carlos Aquino de Campos Velho, geriatra e coordenador do Slow Medicine Brasil, apresentou o tema Slow Medicine e Choosing Wisely, que caminham juntas na Itália, com abordagem sobre como a medicina está sendo exercida hoje. “A Slow Medicine é a medicina sem pressa. O tempo como questão essencial na prática médica e enfatiza o raciocínio clínico e o cuidado focado no paciente. Além do relacionamento se estabelecer ao longo do tempo com paciente e família para fazer uma medicina de melhor qualidade e acompanhar o paciente para que ele tenha um melhor atendimento”, explica. 

Respeitar a individualidade, é uma medicina sóbria, respeitosa e justa. A Slow Medicine tem várias iniciativas no mundo e um ano de evolução no Brasil. A ideia da decisão compartilhada, foca na qualidade de vida, porém mais do que qualidade é a aceitação do evitável. A arte médica de não intervir e capacidade de observar, com a segurança em primeiro lugar, ou seja, na dúvida, abstenha de intervir. Em manifesto,  a Slow Medicine na Itália declara que cada indivíduo é um e a medicina tem que ser feita de forma particular, justa e não só para os profissionais de saúde, mas para a sociedade, para os pacientes, como um paradigma da classe médica.

Entre a filosofia e prática, o profissional “slow” tem o paciente como centro da atenção com o objetivo de aumentar o bem-estar e também dar empoderamento a ele das decisões. Além do conceito de proporcionar o renascimento do humanismo na prática médica, pois antes da tomografia há uma pessoa. Sobre a Choosing Wisely não é campanha de redução de custo, mas o essencial é focado no cuidado e nos riscos. Na Itália, onde as duas campanhas acontecem juntas, fazer mais não significa fazer melhor, mas sim que as escolhas sejam mais adequadas com foco na questão de diálogos. Os médicos que devem tomar à frente das situações, não as instituições, hospitais e planos de saúde, que sejam decisões baseadas em evidências, sem colocar os conflitos de interesse nas decisões.

Para consultar:

Blog Medicina Baseada em Evidências

British Medical Journal (BMJ) – Too Much Medicine

British Medical Journal (BMJ) – Evidence based medicine: what it is and what it isn’t

Slow Medicine

Slow Medicine Brasil

Choosing Wisely

Choosing Wisely Brasil

Choosing Wisely Itália

 Campanha da Choosing Wisely Italiana sobre os questionamentos que o paciente deve fazer ao médico

JAMA – Less is More

JAMA – Too Much Medicine

The New England Journal of Medicine – Medicine’s Ethical Responsibility for Health Care Reform — The Top Five List

Da Ilha de Cós à Ilha de "Caras": as doenças coloridas e mensais ou a medicina e a saúde pública na era das celebridades.

Livros:

A arte perdida de curar, autoria: Bernard Lown – Disponível em português pela editora

O doente imaginado, autoria Marco Bobbio – Disponível em português pela editora Bamboozinho

O maestro da esgrima – Arturo Perez Reverte