Neste dia 11 de fevereiro, Dia Internacional das Mulheres e Meninas na Ciência, o Grupo de Trabalho de Mulheres na MFC lembra a importância de ter mais mulheres na pesquisa, na academia, liderando estudos e colaborando no desenvolvimento da ciência e do conhecimento, trazendo visões e temas próprios para a luz da ciência.
Com a data, as médicas de família e comunidade integrantes do GT tiveram a oportunidade de entrevistar duas dessas cientistas, Ana Bonassa e Laura de Freitas, que mantêm uma página no instagram@nuncavi1cientista e no facebook “Nunca vi 1 cientista”, além de um canal no youtube: youtube.com/nuncaviumcientista. Aliás, o episódio “Menstruar pode te deixar menos inteligente”
ENTREVISTA:
Laura de Freitas, farmacêutica-bioquímica, mestra e doutora em Biociências e Biotecnologia pela UNESP, atualmente pós-doutoranda na USP. Trabalho com bactérias e terapia fotodinâmica, um tratamento à base de luz. A ideia de criar um grupo de divulgação científica (não um canal no youtube) veio de dificuldades que encontrei em compreender a divulgação de ciência feita por outros grupos: achei que dava para fazer diferente. Concretizei a ideia ao conhecer meus colegas participantes do FameLab Brasil 2018, onde nos unimos para dar vida à iniciativa de atuar fazendo divulgação científica nas redes sociais.
Ana Bonassa, bióloga, mestra e doutora em Ciências com ênfase em Fisiologia Humana pela USP, atualmente pós-doutoranda na USP. Eu sempre fui muito consumidora de conteúdo na internet, seja por redes sociais ou pelo próprio Youtube. Na verdade, minha geração vê pouco ou nada de televisão. E eu percebia que tinha muita coisa “vazia” fazendo sucesso. Só o puro entretenimento mesmo. Eu sempre pensei que dá pra juntar informação de uma forma divertida. Porque não juntar entretenimento com método científico? Porque não apreender ciência enquanto se diverte? Sempre tive essa vontade em mim, tudo começou a dar certo quando conheci essas pessoas fantásticas no FameLab e o projeto foi ganhando vida.
Laura: nenhuma mulher em específico, eu sempre gostei de ciência desde criança. Mas ter representatividade é crucial para inspirar novas gerações a seguir uma carreira que historicamente sempre foi de homens, mas que não tem razão nenhuma de assim ainda o ser. Meninas que veem mulheres cientistas enxergam que elas próprias podem estar naquela posição um dia.
Ana: a representatividade é essencial. A gente cresce sem ver mulheres em posição de destaque pela inteligência e sim pela aparência. Muitas meninas ainda hoje acham que precisam ser bonitas, porque inteligentes nem é dado como opção. Na universidade, no primeiro ano, eu assisti a uma aula de fisiologia ministrada por uma docente durante uma semana da biologia. Eu fiquei encantada por ela e por aquele conhecimento. Na semana seguinte, fui ao laboratório dela pedir estágio para aprender mais sobre aquilo. Isso culminou com ela sendo minha orientadora da iniciação cientifica, fiz 4 projetos de pesquisa com bolsa durante a graduação. Ela realmente me inspirou e me inspira até hoje.
Laura: sim. Até a conclusão do doutorado as mulheres são, no mínimo, 50%, com alguns cursos, principalmente os da saúde, tendo proporções maiores. Entretanto, com o avanço na carreira, os cargos de maior importância/status (diretorias, reitorias, cargos de professor titular) ainda contam com maioria de homens, bem como eles também dominam as nomeações de bolsistas de produtividade A1 do CNPq. Esses são dados do Brasil, mas mundo a fora costuma ser até pior.
Laura: barreiras diretamente, não. Mas sofremos constantemente mainsplanning, seja de colegas ou de professores que acham que não somos capazes de compreender algo. Enfrentamos simplesmente mostrando quem somos e a que viemos, expondo nossa capacidade e conhecimento.
Ana: eu tive a sorte de sempre estar em ambientes acolhedores e assim nunca encontrei barreiras na progressão da carreira só por ser mulher. O que acontece é quando nós tomamos consciência que precisa noção só fazer ciência, mas sim espalhar essa ciência, aí vem o choque de realidade. Eu fui num congresso em Barcelona apresentar dados sobre o meu doutorado e dei algumas entrevistas. Saí em vários jornais europeus e depois os jornalistas brasileiros vieram me procurar. Ninguém me avisou que eu não deveria ler a sessão de comentários de um site de notícias. Muitos ataques pessoais, descredibilizando minha aparência, minha formação, minha pesquisa cientifica. Foi um baque. Desde então, aprendi que estar em visibilidade atrai isso, principalmente quando uma mulher se destaca sem ser pela aparência.
Laura: Sempre foi e dificilmente deixará de ser um problema em uma sociedade ainda tão patriarcal, mas os movimentos que buscam mostrar o impacto disso na carreira científica são muito importantes para sairmos desse lugar-comum. O Parent in Science é o principal movimento brasileiro e o responsável por todas as mudanças que já estamos vendo, como a inclusão de um campo para maternidade no lattes e considerar o tempo de licença maternidade em editais para financiamento, como já vem fazendo o instituto serapilheira. Mais informações:
https://www.ufrgs.br/humanista/wp-content/uploads/2018/07/Parent-in-Science_principais_dados.pdf
Não tenho filhos, por isso não tenho relatos sobre discriminação.
Ana: eu não tenho filhos, mas ouço relatos de mulheres cientistas contando como a pausa para maternidade atrapalha o avanço na carreira. “Você não publicou esse tempo porque? Não posso te dar essa bolsa” Mas, isso é em todas as áreas e tem que mudar.
Laura: até o momento, sim. Sou bolsista da FAPESP, o que me garante renda suficiente para morar e pagar as contas sem precisar de renda extra. Mas também conto com a renda do meu marido em casa, o que facilita as coisas.
Ana: a pesquisa é minha única fonte de renda, aliás está no contrato de bolsa que é dedicação exclusiva. Por isso cortes nas bolsas de pesquisa, que são o salário do pesquisador, são tão devastadores para ciência. Ou o cientista desiste da ciência ou desiste do Brasil, e quem perde somos todos nós.
Laura: a ciência é uma carreira que envolve muita paixão. Sem amar o que faz fica fácil desistir às primeiras frustrações, que são inevitáveis: você pode estabelecer uma hipótese maravilhosa, mas os caminhos do conhecimento dificilmente te levarão direto a ela. Sempre há o que repetir, o inesperado… Envolve bastante empenho e horas de trabalho e estudo. A dica é: encontre um tema de pesquisa que te faça brilhar os olhos, que te dê vontade de investigar mais e mais, e encontre nisso as forças para a persistência necessária. Não desista.
Ana: faça muitos contatos. Não seja a pessoa no instituto que passa com a cabeça baixa no corredor. Networking é fundamental para o cientista. E acima de tudo, seja carinhoso consigo mesmo. Se você está ali é porque merece. Não fique o tempo todo se diminuindo e se comparando. Eu tive por muito tempo essa sensação que eu era uma impostora ali. Aceite as oportunidades que virão, pois ela são efêmeras.