O início deste ano marcou, infelizmente, o enterro de mais uma tentativa de se resolver o grave problema de saúde pública na região metropolitana do Rio de Janeiro. Anunciadas como salvadoras, as Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), em menos de um ano de real utilização, já apresentam os mesmos problemas das outras unidades públicas de saúde.
Os diagnósticos para os problemas da saúde pública são conhecidos e repetidos por especialistas e profissionais do setor. Um deles é a falta de profissionais da área médica que queiram trabalhar pelo que os governos pagam. Outro é a demanda crescente de pessoas que buscam os hospitais. Falando em economês: a oferta de profissionais é cada vez menor para uma demanda de pacientes cada vez maior. Portanto, é uma conta que nunca vai fechar. A receita óbvia para resolver o problema seria, então, aumentar a oferta de profissionais e reduzir a procura de pacientes pelos hospitais, onde boa parte chega sem a devida necessidade.
Pois, nestes dois campos, pouco foi feito no estado. A promessa de campanha do governador Sérgio Cabral de, em seis meses, implementar um plano de carreira dos profissionais de saúde não foi cumprida. Os servidores da área tiveram reajustes em 2007 e 2008 que mal tapam as perdas inflacionárias do período. A proposta de criar fundações para remunerar melhor os profissionais não sai do âmbito judicial e o resultado é que os processos de seleção não conseguem atrair interessados. Por isso, foi necessário acabar com o serviço de ortopedia das UPAs este ano.
Na redução do número de pacientes que procuram hospitais ou UPAs, as políticas públicas continuam confusas e sem resultados. A receita dos especialistas é investir na chamada atenção básica. Na prática, significa identificar e cuidar dos pacientes como rotina, o mais próximo possível de sua residência. Isso evitaria, por exemplo, que esse paciente procurasse um hospital público como primeira alternativa.
Com raras exceções, os municípios da região metropolitana do Rio têm uma péssima rede de postos de saúde e o Programa Saúde da Família (em que o paciente é acompanhado em casa) tem por aqui, há anos, sua pior cobertura no país. O Ministério de Saúde e a Secretaria estadual de Saúde acompanham esse fato com as bochechas ruborizadas, mas pouco fazem.
O dinheiro continua chegando para esses municípios gastarem mal e os pacientes sem acompanhamento continuarem procurando os hospitais públicos para resolver problemas que poderiam ter sido evitados ou resolvidos na rede básica. Solucionar problemas estruturais como salários baixos para profissionais de saúde e falta de uma rede bem gerida de atenção básica — que envolve uma dúzia de administradores de diferentes correntes políticas, ideológicas e sanitárias — não deve ser mesmo fácil. As UPAs poderiam, então, configurar-se como a “política do possível”.
Criam-se mais unidades para receber com mais qualidade os pacientes não atendidos pelo sistema básico. No começo, os pacientes são poucos, já que não conhecem ou não confiam no serviço, e os gestores anunciam o projeto como a solução. Mas o tempo mostra que não se deve brincar com axiomas econômicos e, rapidamente, o excesso de demanda faz cair a qualidade do serviço e torná-lo “igual a hospital público”, como relatam os pacientes.
Diante de um quadro desses, o racional seria uma mudança na lógica para tentar encarar o difícil desafio de criar um real Sistema Único de Saúde na região. Mas os gestores de política pública sofrem de um grave mal, identificado por Marcos Rolim, ex-deputado federal e especialista em Segurança Pública, como a “Síndrome da Rainha Vermelha”. Esse mal consiste em, como a personagem do romance “Alice no País das Maravilhas”, determinar que ao fim de um processo fracassado se repita a ação com mais força até a exaustão.
O mal que, segundo Rolin, ataca os gestores de Segurança Pública do país — eles insistem em repetir, com mais força, políticas públicas que deram errado —, parece ter contaminado também os gestores da saúde. Com o fracasso da política baseada em UPAs, a Secretaria Estadual de Saúde anunciou recentemente que vai criar a “SuperUPA”.
Consiste numa UPA com 2,4 mil metros quadrados que ficará pronta nos próximos dias, como obra do PAC na reurbanização do Complexo de Manguinhos. A informação do governo é que a SuperUPA funcionará como uma espécie de intermediária entre a atenção básica e o pronto-socorro, com clínicas para o acompanhamento da população e também um mini-hospital para resolver os problemas de emergência.
Ou seja, cria-se mais uma estrutura física ainda maior (e cara, conforme já constatou o governo — cada UPA hoje custa R$ 747 mil por mês), sem se resolver o problema básico. Se falhar mais uma vez, será possível ainda criar a “HiperUPA” — talvez antes da próxima eleição. Mas e quando se esgotarem os superlativos?
DIMMI AMORA – Jornal O Globo