Donald Kwok Tung Li 1
Usado conforme permissão CC BY-NC. Não pode ser utilizado com fins lucrativos de forma nenhuma. Publicado originalmente pela BMJ.
Traduzido por Rogerio Luz Coelho 2 .
Original em: https://fmch.bmj.com/content/fmch/8/1/e000333.full.pdf
O mundo está novamente enfrentando a ameaça de uma infecção letal. Depois do surto de Ebola na África, a OMS declarou que o novo coronavírus (que se alastrou a partir da cidade de Wuhan na China desde Dezembro) outra emergência de saúde pública de risco internacional. No momento que estou escrevendo esse comentário o vírus continua a infectar mais pessoas e a aparecer em mais cidades. Enquanto os sistemas de saúde estão sendo duramente testados, é também um momento crítico para que as responsabilidades e funções da medicina de família sejam avaliadas e reconhecidas.
Wuhan, a capital da província de Hubei cuja população é de mais de 11 milhões de pessoas, é um dos maiores centros de tráfego domésticos e internacionais, fazendo conexões com quase todo o país e o mundo. A recente celebração do Ano Novo Chinês na China é geralmente descrita como sendo a maior migração humana anual do mundo, fazendo com que esse surto seja ainda mais difícil de ser contido. Autoridades nacionais e a ONU estão monitorando a situação muito de perto e recursos e pesquisadores estão sendo agrupados para ajudar nessa batalha.
Como os outros médicos de família de Hong Kong, me lembro do último surto. Nós aprendemos uma lição dolorosa do surto de SARS (severe acute respiratory syndrome) há 17 anos. Desde aquele surto fatal em 2003, as funções da medicina de família na redução de risco e na preparação de emergências médicas nos trouxe reconhecimento tanto local quanto globalmente.
Nós precisamos enfatizar e elogiar as funções da medicina de família e as equipes de atenção primária na detecção precoce dos casos e na educação pública durante emergências. Nós temos que parabenizar o papel primordial dos serviços de saúde locais nas comunidades que são competentes responsáveis e profissionais. Também precisamos nos afastar do conceito tradicional hospitalocêntrico. Na China, muitos pacientes ainda se amontoam em hospitais por suspeitas de infecções pulmonares ou febre. Políticas para manter esses pacientes na comunidade estão evoluindo a partir de novos protocolos de isolamento e quarentena.
Existem diversas oportunidades para a medicina de família contribuir durante uma emergência médica.
Mediicna de Família como Qualificadora do Acesso (gatekeeper): “Primeiro a Chegar e Último a Sair”.
A medicina de família são, na maioria das vezes, o primeiro contato dos pacientes, dessa forma são os “gatekeepers” (controladoras ou qualificadoras do acesso desses pacientes a outros serviços) nos momentos de surtos. Como pilares de confiança e respeito nas suas comunidades, a medicina de família pode melhorar a compreensão e entendimento dos riscos e podem, através de seus encaminhamentos e relação com o governo e seus líderes, comunicar esses riscos e oportunidades para os mitigar com público de forma mais verdadeira e certeira.
A medicina de família tem uma função “primeiro a chegar e último a sair”. Está sempre na linha de frente. Também é ela que vai manejar a situação após as contingências. Surtos trazem consequências a longo prazo tanto na saúde física quanto psicológica de uma comunidade, inclusive passando para as próximas gerações. E são as gerações sucessivas de médicos e médicas de família que continuam esse cuidado e tratamento.
Problemas mentais que aparecem nos surtos, como Síndrome do Estresse Pós Traumático, seriam tão devastadores quanto os problemas físicos. A medicina de família está na melhor posição para oferecer direcionamento e aconselhamento a pacientes que não se sentirão estigmatizados ao buscar ajuda com quem já confia.
Medicina de Família como Coordenadores da Atenção Primária
A medicina de família é a coordenadora das equipes de atenção primária. Eles conseguem trabalhar junto com outros profissionais e autoridades para garantir que ações corretas sejam implementadas rapidamente para que o risco seja reduzido. No entanto, não nos esqueçamos do impacto que emergências médicas possam ter nos próprios profissionais de medicina de família. Eles e elas não são imunes ao risco que os cerca nem aos efeitos de infecções disseminadas. Podem, ainda assim, ajudar a diminuir o risco ao informar e educar os pacientes e contribuindo para redução do risco com as intervenções comunitárias dos programas organizados pelo governo e agências não-governamentais.
Medicina de Família Empodera os Sistemas de Saúde com Treinamento e Novos Modelos de Prática
Para ganhar a confiança do público e de outros profissionais, a medicina de família deve demonstrar competência através de treinamento contínuo e desenvolvimento profissional. Precisamos de treinar os médicos e médicas de família em todo o espectro de atendimento a emergências: prevenção, preparo, resposta e recuperação.
Algum progresso significante tem sido visto, por exemplo, aqui na China. Através da WONCA (World Organization for Family Doctors) e outras organizações profissionais (como a Associação Médica Chinesa) foi estruturado uma certificação e acreditação do treinamento dos médicos e médicas e suas clínicas comunitárias.
A medicina de família pode alcançar mais pacientes com práticas inovadoras. Novas formas de atendimento, como o uso da internet e da saúde digital começam a ser pensadas durante essas crises. Isso permitiria consultas e informação, sem o encontro ao vivo. Isso é primordial nos surtos, quando o controle de infecções é preocupante e alguns pacientes estão em quarentena. Alguns hospitais privados e saúde suplementar têm trabalhado com essa tecnologia.
O grupo de trabalho de e-Saúde do WONCA está ajudando nesse desenvolvimento com um programa piloto de avaliação e certificação para um serviço de consultas pela internet na China. O serviço permite que pacientes busquem consultas online, além disso, diagnósticos preliminares e orientações por um painel de especialistas está disponível quando necessário.
Como o Dr. Tedros Adhanom Ghebreyesus, Diretor Geral da OMS diz: “Agora precisamos de fatos, não medo. Agora é hora da ciência, não de boatos. É tempo de solidariedade e não estigma”. A medicina de família está comprometida em liderar as equipes de atenção primária nessa emergência médica. Queremos manter nossos pacientes seguros em suas comunidades, e também queremos aqueles que estão no hospital recebendo cuidados de volta na nossa vizinhança o mais breve possível.
Não foi declarado conflito de interesse pelo autor dessa obra, ou financiamento de qualquer agência (pública ou privada de qualquer natureza) para que ela fosse escrita.
1 – Correspondência em Inglês para o prof. Donald Kwok Li. Family Practice, Hong Kong, China. email: dr2318@hotmail.com
2 – Preceptor da Residência em MFC – Curitiba/PR. Membro da SBMFC e APRMFC. email: dr.rogerioluzcoelho@gmail.com