21 de novembro de 2017
A mesa redonda “Dilemas da atuação profissional no atendimento à mulher que deseja abortar” foi realizada no primeiro dia do CBMFC, 2 de novembro. A procura pela atividade foi maior que a expectativa, lotando uma sala com 360 lugares.
Denize Ornelas, médica de família e comunidade e diretora de Exercício Profissional da SBMFC, trouxe a perspectiva do profissional de saúde na atenção primária, enfatizando a necessidade de escuta e aconselhamento qualificados, medidas que já se mostraram efetivas na literatura científica para a redução das mortes maternas por abortamento inseguro. “A alta procura pelo assunto reforça a importância do debate, principalmente pelas propostas alteração dos marcos regulatórios que estão sendo feitas no Congresso brasileiro e por ações de movimentos sociais no STJ. Essa movimentação nos impõe o debate sobre o papel que o médico de família e comunidade pode exercer para diminuição desses índices de morte de mulheres por abortamento inseguro”, completa Denize.
O panorama dos serviços de aborto legal no Brasil, ressaltando as inúmeras barreiras encontradas pelas mulheres mesmo nas situações em que a interrupção da gestação é um direito foi abordado por Vanessa Dios, diretora executiva do Instituto de Bioética Anis. “Uma em cada cinco mulheres aos 40 anos já fez pelo menos um aborto no Brasil. Em 2015 foram 503 mil mulheres: 1.300 mulheres por dia, uma por minuto. Elas são a mulher brasileira comum, jovens, entre 22 e 29 anos, 67% tem filhos e 88% declaram ter alguma religião. O aborto é um fato comum na vida reprodutiva das mulheres brasileiras”, explica Vanessa.
Hoje a lei não impede as mulheres de realizarem o aborto, apenas as expõe à clandestinidade, à violência, ao silencio e, algumas vezes, inclusive, à morte. Mas a morte tem cor: são as negras e pobres as que são mais expostas e que correm mais riscos. As que podem pagar, conseguem realizar o aborto seguro – ou pagam clínicas caras ou viajam para o país mais próximo em que o aborto não é considerado crime.
A lei penal, além de expor as mulheres a riscos, favorece que os serviços de aborto legal no Brasil sejam escassos (apenas 37) e que funcionem a partir de uma lógica policial. As mulheres são recebidas com suspeição e tem seus corpos periciados à procura do crime de estupro. Uma procura inútil, tendo em vista que, na maioria das vezes, a violência sexual não deixa marcas físicas no corpo. Para se protegerem de serem acusados de um crime, os serviços investigam a mulher, sua vida e seu passado e se afastam da lógica da assistência para entrar numa lógica pericial. O resultado é a criação de barreiras e obstáculos para as mulheres.
Nos países em que o aborto foi descriminalizado, observou-se uma redução do número de casos de abortamento. Acredita-se que essa redução, em parte, se dê pelo fato da mulher poder se aproximar dos serviços de saúde, expor suas necessidades e angustias e com isso o profissional poder oferecer orientações à sua saúde reprodutiva e métodos contraceptivos seguros. Os médicos de família e comunidade tem um grande desafio: não ter medo de ouvir as mulheres e de oferecer cuidado a partir daquilo que as aflige.
Xenia Melo, advogada, finalizou as falas da mesa elucidando as questões jurídicas pertinentes e também compartilhando a sua vivência como mulher usuária dos serviços de saúde que já sofreu abortamentos. “A superlotação do auditório e o esgotamento do tempo de debate antes que todos da plateia pudessem colocar seus questionamentos deixaram claro que o tema está em pauta e demanda mais espaços de discussão. Alunos de graduação participaram em grande número e sinalizaram também a necessidade de ampliação deste debate nas universidades”, informa Melanie Noel Maia, diretora da Amfac-RJ que propôs a mesa.
Fontes:
ttp://www.scielo.br/pdf/csc/v22n2/1413-8123-csc-22-02-0653.pdf
http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000200563&lng=en&nrm=iso&tlng=pt