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SBMFC entrevista – vamos falar sobre o GT de Comunicação em Saúde?

26 de junho de 2020

Carlos Campos é médico de família e comunidade, co-coordenador do Grupo de Trabalho de Comunicação em Saúde da SBMFC,  atualmente, em doutorado-sanduíche na University of Auckland, Nova Zelândia. 

Jorge Esteves é médico de família e comunidade, vice-coordenador do GT. 

 

1) O que significa “Comunicação em Saúde”? Ela é uma disciplina acadêmica, uma área de conhecimento? 

Comunicação em Saúde é um campo de estudo e trabalho que envolve, como o nome sugere, a intersecção entre o campo da Comunicação e o da Saúde. Engloba tanto aspectos da prática em saúde, conhecidos como Habilidades de Comunicação ou Comunicação Clínica, quanto outros aspectos desta intersecção, como a Comunicação em equipe, Comunicação em mídias, Educação em saúde dentre outras áreas.

2) As habilidades de comunicação clínica são reconhecidamente parte fundamental na relação médico-paciente. Elas seriam o cerne da Comunicação em Saúde? Há outras subáreas ? 

São, sem dúvida, parte fundamental da Comunicação em Saúde, principalmente do aspecto na visão de “dentro do consultório”. No entanto, Comunicação em Saúde compreende uma área maior, que engloba outros aspectos como a Comunicação em Equipe, Comunicação com Mídias, Educação em Saúde, Telemedicina.

3) Como funciona a abordagem da temática na graduação? Está adequada? 

Recentemente, os cursos de graduação em Medicina tem voltado seus olhares para a Comunicação, o que é bom. No entanto, infelizmente ainda é muito frequente a ausência deste tema em muitos cursos. Também é frequente este tema aparecer dentro de disciplinas de Humanidades ou Psicologia Médica, embora extremamente importantes, podem dar a conotação de ser algo ‘extra’, quando deveria estar totalmente integrada a disciplinas como Semiologia e em todas as atividades da prática clínica, em todas que há contato com o paciente. A centralidade do tema não deve ser exclusividade da Medicina de Família e Comunidade, pois deve se entender a relação, o vínculo e a comunicação como elementos centrais para uma boa prática médica. 

4) Na Medicina de Família e Comunidade as “Habilidades de Comunicação” constituem uma área de domínio de competências na especialidade. Como os/as especialistas devem se formados na residência pra contemplar essas competências? 

Um problema parecido ao dos cursos de graduação também ocorre nas residências de Medicina de Família e Comunidade: as Habilidades de Comunicação deveriam ser eixo estruturante de qualquer programa. No entanto, aparecem com frequência como um tema, um conteúdo no Programa. É frequente as discussões de comunicação ocorrerem somente dentro de temas como o Método Clínico Centrado na Pessoa (MCCP), aparecendo quase como um sinônimo de MCCP. A comunicação verbal, não verbal, não-violenta, comunicação comunitária, intra-equipe perpassam todos os momentos do trabalho em ato. Para promover vínculo com os indivíduos, famílias e comunidade é necessário um ‘saber’ e um ‘fazer’, mas também um ser. São também recentes as iniciativas de formações específicas em comunicação como o uso de vídeo feedback de consultas ou mesmo a observação direta delas, com um olhar voltado à comunicação, para um olhar para si. Assim como o PBI, Grupos Balint também auxiliam a esta valorização das subjetividades da relação e da comunicação. Idealmente, tais discussões devem fazer parte integrante das discussões do dia a dia dos residentes, associadas a carga teórica e atividades específicas.

5) E fora da residência, como se aprofundar nessa área: sugerem cursos ou atividades complementares? Há pesquisa nessa área? Onde se localiza no de mestrado/doutorado? 

Existem algumas iniciativas de cursos complementares voltados à comunicação. Os mais frequentes direcionam-se a temas específicos como comunicação de más notícias, comunicação não-violenta e cuidados paliativos.

Há bastante pesquisa nessa área, em especial no exterior, onde a Comunicação Clínica já está estabelecida em todas as etapas da formação médica. 

No mestrado/doutorado, pesquisadoras e pesquisadores desta área costumam estar locado em programas como Saúde Coletiva, Saúde da Família ou mesmo programas mais abrangentes como Ciências Médicas e Educação em Saúde.

6) As características de personalidade dos profissionais como timidez podem atrapalhar no desenvolvimento de quem não se considera “comunicativa/o”? Como um profissional com esse perfil pode melhorar as habilidades para promover melhores resultados na prática clínica?

Certamente, a personalidade dos profissionais influencia no seu estilo de atendimento. Sabemos também que nos comunicamos diferentemente dentro e fora do consultório. Já há evidência científica mostrando que Habilidades de Comunicação podem – e devem – ser ensinadas. Um profissional que identifica uma necessidade de aprimoramento de sua Comunicação Clínica já é diferenciado, pois entende a importância do assunto e passa “prestar atenção” na sua forma de se comunicar. 

Além de formação específica no assunto, uma iniciativa simples, nesta era de smartphones, é a gravação da consulta — naturalmente, com a ciência e autorização do paciente — para que esse vídeo depois possa ser revisto pela própria pessoa, buscando focar menos no aspecto clínico e mais na comunicação.

Por fim, é importante salientar que a comunicação não é somente uma lista de técnicas e frases colocadas em momento correto, e sim uma interação entre duas ou mais pessoas, que produza troca de informação e criação de relações.

7) E quando é a pessoa atendida que acha/percebe que  não consegue “se expressar bem”, quais ferramentas podem se aplicadas? 

Existem algumas técnicas que podem ajudar a pessoa atendida a conseguir expressar suas necessidades. A principal delas é a criação de um bom vínculo com o profissional. 

Também é importante pontuar que as técnicas auxiliam mas não há nenhuma “mágica” que “faz” pessoas falarem: a comunicação é um processo interativo e relacional. Se nenhuma relação se estabelece, o processo de troca de informação fica inevitavelmente prejudicado.

8) Gostariam de sugerir artigos, livros e materiais sobre o tema? 

Existe bastante literatura interessante sobre o tema. Gostaria de citar 3 livros: o primeiro, embora já citado que não é “sinônimo” de Comunicação Clínica, é fundamental para a formação de qualquer MFC, o “Medicina Centrada na Pessoa: Transformando o Método Clínico” de Moira Stewart e colaboradores.

Especificamente do tema, recomendo também o “Entrevista Clínica” do Francisco Borrell Carrió, traduzido em parceria com a SBMFC e o “Skills for Communicating with Patients” de Jonathan Silverman, Juliet Draper e Suzanne Kurtz.

 

Sobre o GT de Comunicação em Saúde da SBMFC 

Quando foi fundado e qual o propósito?

Foi fundado em 2011 por médica de família e comunidade Marcela Dohms, inspirado pelo GT de Comunicação da Sociedade Espanhola de Medicina de Família e Comunidade e pelo grupo de PBI da Sociedade Catalã de Medicina de Família e Comunidade. A ideia era fomentar a discussão no Brasil. As primeiras atividades foram a tradução do livro “Entrevista Clínica” e a execução de Seminários de Comunicação Clínica (2012 Congresso Sul-Brasileiro – Florianópolis; 2011 Congresso Brasileiro – Brasília).

Quais são as atividades promovidas?

O GT possui um grupo de  WhatsApp para discussões sobre o assunto. Possui um Instagram e um Facebook onde alguns materiais são divulgados. Também promoveu alguns encontros presenciais, sendo o último em setembro/2019 em São Bernardo do Campo-SP. 

Quais são os requisitos para participação? 

Quaisquer pessoas interessadas em Comunicação em Saúde são bem vindas, sendo que o GT considera os membros de acordo com as normas da Diretoria Científica da SBMFC.

Alguma produção em andamento?

No momento, estão sendo produzidos episódios especiais para o SBMFCast, o Podcast da SBMFC, sobre comunicação e COVID-19.