Cinco notas sobre ensino de residentes
7 de junho de 2016
Antônio Augusto Dall’Agnol Modesto
Preceptor da Residência de MFC da UERJ
Nos últimos dez anos, fui interno, residente de Medicina de Família e Comunidade, médico de equipe, preceptor em duas universidades, gestor e participei de todo tipo de reunião. Em todas essas inserções, o contato com residentes sempre foi muito gratificante. Reconheço erros decorrentes das melhores intenções ou de mera distração, mas também muitas conquistas e novas lições.
Assim, resolvi listar cinco aprendizados sobre ensino de residentes, que podem servir para outras pessoas que estejam em posição de preceptoria – ou mesmo para residentes refletindo sobre a própria vivência. Me inspiro no campo da Medicina de Família e Comunidade, mas sei que são dizeres aplicáveis em outros contextos. Finalmente, dispenso referências bibliográficas: elas estarão evidentes para quem gosta do assunto.
- Residentes têm saberes muito consolidados. Além das suas diversas graduações, formações complementares e interesse particulares, muitos trabalharam por meses ou anos antes de ingressar na residência. Construir novos saberes pode gerar conflitos e exige diálogo com saberes anteriores.
- Residentes têm constrições de tempo. Não espere a leitura de cinco artigos de uma semana para outra, nem de “um texto interessante, que eu acho que você vai gostar”. Tolerância, realismo e seletividade são importantes.
- Residentes sofrem tremendamente. Percebem-se responsáveis pela assistência, padecem cruamente das limitações do serviço, estão inaugurando sua prática profissional e mudando várias inserções sociais: casando, tendo filhos, provendo recursos aos pais ou outras pessoas. As constrições de tempo dificultam a formação de rede e os momentos de lazer. Muitas vezes, o melhor que se pode fazer é chamar um/uma residente para tomar uma cerveja e perguntar “e aí, como tá sendo?”. Silêncios estranhos, olhos vermelhos, adoecimento frequente e posturas reativas merecem atenção e abordagem direta e honesta.
- Residentes têm problemas práticos. O saber deve dialogar com esses problemas. Não se trata mais de saber o mecanismo exato de resistência bacteriana, mas qual antibiótico prescrever para uma pessoa com celulite quando a cefalexina está em falta e a amoxicilina não funcionou.
- Saberes muito consolidados, constrições de tempo, sofrimento tremendo e problemas práticos podem tornar residentes imediatistas e pouco reflexivos. A residência deve simular, mas não se igualar à “vida real”. Deve haver espaço para "prescreva isso", para "procure essa informação em tal referência" e para "por que prescrever isso?". Uma parte fundamental da preceptoria é colocar perguntas onde elas não existem – transformando práticas atuais e fortalecendo uma postura crítica e reflexiva quando ele não tiver a quem dizer “posso discutir um caso?”.