Artigo originalmente publicado na seção Opinião do Jornal Folha de São Paulo, disponível no link: https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2021/08/controle-de-precos-dos-medicamentos-e-responsabilidade-sanitaria.shtml.
VÁRIOS AUTORES (nomes ao final do texto)
De modo geral, os preços são livres no Brasil. Uma das exceções são os medicamentos, que têm preços regulados desde o início deste século porque, de acordo com o IBGE, representam parcela relevante do gasto familiar e seu uso racional salva vidas. Controlar seus preços é responsabilidade sanitária, portanto.
Os países que possuem sistemas de saúde universais contam com mecanismos para regular os preços dos medicamentos. Com a tendência global de alta nos preços, esses mecanismos de controle estão sendo aperfeiçoados como ocorre atualmente na Alemanha, no Canadá, na França e no Reino Unido, entre outros. A Organização Mundial da Saúde recomenda a regulação de preços de medicamentos com o objetivo de garantir o acesso equitativo aos mesmos pelos usuários e sistemas de saúde. Considera fundamental, também, que seja garantido o estímulo à inovação, ao mesmo tempo em que se garantam preços justos para esse insumo tão essencial.
Entre nós, lamentavelmente, está sendo construída uma proposta que fragiliza a regulação de preços de medicamentos. Caso seja posta em prática, terá impacto negativo para as famílias, governo e saúde suplementar. Acaba de ser formalizada a “Consulta Pública Seae nº 02/2021 – Critérios para Precificação de Medicamentos”, oriunda do Ministério da Economia. Ela carece de uma fundamentação técnica da análise de impacto regulatório e implicará em aumento de preços.
Atualmente, o controle de preços é realizado pela Câmara de Regulação de Preços de Medicamentos (CMED), presidida pelo Ministério da Saúde e com secretaria executiva sediada na Anvisa. Tudo indica que, na nova proposta, quem passará a dar as cartas é o Ministério da Economia. Portanto, os preços saem da órbita sanitária para a órbita econômica. Qual o sentido dessa mudança?
É, sem dúvida, positivo estimular a capacidade inovativa da indústria farmacêutica brasileira, intenção aparente do texto apresentado, que pretende bonificar os preços de medicamentos que apresentem “inovações incrementais”. Porém, além de uma definição frouxa dessas “inovações”, a consulta carece de argumentos técnicos que calibrem a bonificação.
Não há qualquer razão para que a secretaria executiva saia da esfera de competência da saúde (Anvisa), onde se desenvolve um trabalho técnico sério para o Ministério da Economia. De resto, as dificuldades de inovação na nossa indústria estão em outro lugar que não o controle de preços realizado pela CMED. Ao fim e ao cabo, a aprovação dessas mudanças resultará em aumento das margens de lucro das empresas, às custas do aumento de preços.
É fundamental manter o controle de preços na esfera sanitária, com vistas a garantir o equilíbrio entre o estímulo à inovação, competitividade e a garantia do acesso e da sustentabilidade do SUS. Quando um desses pilares é retirado, quem sofre é a população. Exigimos a suspensão da consulta e a abertura de amplo processo de discussão.
Rosana Onocko Campos
Presidente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva)
Lúcia Souto
Presidente do Cebes (Centro Brasileiro de Estudos de Saúde)
Erika Aragão
Presidente da Abres (Associação Brasileira de Economia da Saúde)
Túlio Franco
Coordenador-geral da Associação Rede Unida
Dirceu Greco
Presidente da SBB (Sociedade Brasileira de Bioética)
Marilena Lazzarini
Presidente do Conselho do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor)
Lenir Santos
Presidente do Idisa IInstituto de Direito Sanitário Aplicado)
Valéria Santos Bezerra
Presidente da SBRAFH (Sociedade Brasileira de Farmácia Hospitalar e Serviços de Saúde)
Ronald Ferreira dos Santos
Presidente da Fenafar (Federação Nacional dos Farmacêuticos)
Zeliete L L Zambon
Presidente da SBMFC (Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade)