SBMFC: Na sua avaliação, como os programas de residência podem contribuir para a formação dos especialistas que a APS do Brasil precisa?
José: Os programas de residência médica são considerados padrão-ouro na formação de qualquer profissional médico recém graduado ou não. Justamente porque propicia a vivência da prática, no caso do Médico de Família e Comunidade, com a ressignificação de conceitos, práticas e habilidades. Geram não só uma mudança da prática do profissional com tecnologias leves, relacionais, mas também conseguem modificar um determinado cenário ou serviço de saúde. Quando isso acontece na Atenção Primária à Saúde de um País como o Brasil que adota o SUS como um sistema de saúde descentralizado e universal e somando-se ao fato de termos ainda poucos especialistas em MFC no Brasil, a residência médica torna-se não só necessária, mas indispensável para o fortalecimento de toda uma cadeia de cuidado e de formação profissional. Além disso, percebe-se que outros profissionais de saúde que exercem sua atividade junto a programas de residência médica, também passam a buscar qualificação profissional. O impacto é muito maior do que “somente” a formação do médico em si, especialmente na APS
SBMFC: Como será a atuação para que o preenchimento de vagas de MFC seja a cada maior ou até mesmo que novos programas sejam abertos?
José: Uma das ideias de termos um diagnóstico referente aos programas de residência de MFC é justamente essa. Tentarmos identificar pontos que podem ser estimulados ou divulgados para que a ocupação das vagas de residência que estão ociosas possa ser abordada de uma forma direcionada a cada realidade. Trata-se de um problema que apresenta diversas variáveis que devem ser analisadas de uma forma complexa, ou seja, precisamos nos perguntar o que falta para a ocupação de vagas? Será um problema inerente à medicina de família e comunidade como especialidade ou existem outras questões que devem ser abordadas em conjunto com políticas de fomento a residência médica em cenário nacional?
Há também a complexidade que devemos pensar em abrir programas, mas com preceptoria de qualidade e hoje temos um nó crítico nesta questão também. Investir em formação de preceptores, mapeamento de egressos de cursos de preceptoria que ocorreram nos últimos anos pode ser um campo fértil para que essas vagas sejam estimuladas a serem preenchidas ou ainda novos programas sejam abertos. Existem projetos em andamento nesse sentido e que a SBMFC tem acompanhado enquanto diretoria como um todo, certamente será útil para tecermos ações nesse sentido.
SBMFC: Há alguma estratégia a ser implementada nas universidades para o incentivo da inserção nos programas de residência?
José: Penso que as universidades sejam um ponto estratégico sim de formação, inclusive tendo em vista que a graduação em medicina deve ter interação com a especialidade de medicina de família e comunidade, ou seja, os graduandos devem saber o que um MFC faz, o cenário que atua e as possibilidades de campo de trabalho. Para tanto, conhecer, por exemplo, quais programas de residência médica oferecem vagas para graduando em regime de internato e estimular que essa interação ocorra, pode ser outra estratégia interessante. Nesse sentido a Diretoria de Graduação tem planejado estratégias significativas para que possamos ter uma maior interação. Boa parte dos programas de residência em MFC estão em universidades ou vinculadas a elas, entretanto é imprescindível reconhecer programas que também estejam vinculados às Secretarias Municipais e Estaduais de Saúde, por exemplo.
SBMFC: Quais são suas expectativas para os próximos anos em relação a residência de MFC?
José: Geralmente tenho boas expectativas em relação à residência de MFC, espero realmente que a residência não só seja ampliada em número, mas que cresça em qualidade. Estamos vivenciando algumas ações que podem favorecer esta ampliação, a abertura de vagas de residência vinculados a alguns municípios e estados. A residência de MFC hoje está mais em evidência, mas ao mesmo tempo também enfrenta desafios que devem ser considerados, como por exemplo, o subfinanciamento do próprio SUS e dos programas de residência médica. A questão que penso precisarmos trabalhar é: se queremos uma APS que realmente seja resolutiva e trabalhe seus atributos, como e quanto devemos valorizá-la? Como podemos tornar esse campo atrativo para aquele profissional recém graduado que se preocupa em fazer uma formação de excelência que é a Residência Médica? Nesse sentido e também fazendo menção à pergunta anterior, precisamos nos articular para enfrentar esses desafios.
SBMFC: Gostaria de compartilhar uma mensagem aos associados?
José: A especialidade de MFC não é simples e tampouco fácil, mas traz em si uma oportunidade de nos qualificarmos mais do que como profissionais, mas como seres humanos que escolheram uma profissão de cuidado do outro. Portanto precisamos estar cada vez mais aptos para este cuidado, com todas as ferramentas que tivermos disponíveis em nosso conhecimento. Acredito que precisamos cada vez mais nos envolver com o universo da nossa especialidade sob uma ótica de cuidado, um cuidado também conosco. Inclusive porque quando estamos mais qualificados em nosso trabalho também sabemos o que fazer em determinado momento e diminuímos todo aquele sofrimento inerente ao cuidado do outro. Envolver-se com um programa de residência médica em MFC, seja na formação ou na preceptoria, faz com que estejamos em uma educação permanente que certamente impactará no nosso dia a dia.