Autoria:
Euclides Colaço Melo dos Passos, médico de família e comunidade, membro do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da SBMFC, professor da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, Preceptor voluntário – Santa Casa de Misericórdia de Poços de Caldas.
Caroline Naimeg da Mata , residente de Medicina de Família e Comunidade da Universidade Federal do Rio Grande FURG e membro do Grupo de Trabalho de Saúde Mental da SBMFC.
A ideia do Setembro Amarelo surgiu, em 2015, no Brasil, inspirada pela história de Mike Emme, um jovem americano, que em 1994, tirou a própria vida em seu Mustang 1968 amarelo. Durante o funeral, familiares e amigos distribuíram mensagens, em um cartão amarelo, de apoio às pessoas que estivessem enfrentando algum tipo de sofrimento psíquico[1].
Deve-se ter em mente que o fenômeno do suicídio é algo complexo, multide- terminado, constituído por um conjunto de fatores biopsicossociais. Compreender o suicídio é um desafio que não pode ser simplificado[2][3].
Vale ressaltar que falar de saúde mental e de prevenção ao suicídio apenas em tempos do “Setembro Amarelo” soa como uma minimização do sofrimento, em especial, das populações mais vulneráveis. Além de que, ainda é importante se ter um olhar crítico frente às campanhas, no que tange a possíveis interesses corporativistas e da indústria farmacêutica na “patologização” do sofrimento humano. Lembrando-se da importância de se promover o acolhimento adequado das pessoas em sofrimento mental em todas as épocas do ano e em todas as instituições de saúde, com enfoque à capacitação dos profissionais da atenção primária, que estão mais próximos das realidades das comunidades e dos indivíduos. Atentar para os riscos de suicídio faz parte de um cuidado amplo da saúde mental, como é proposto o cuidado na Atenção primária à Saúde (APS)[4].
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) mostram que o suicídio re- presenta 1,4% de todas as mortes no mundo, sendo a 15.ª causa de mortalidade na população geral e a segunda na faixa etária dos 15 a 29 anos. Cerca de 79% dos suicídios no mundo ocorrem em países de baixa e média renda[5]. A cartilha: Óbitos por Suicídio entre Adolescentes e Jovens Negros, lançada pelo MS, mostra que entre 2012 e 2016 o número de casos com pessoas brancas permaneceu estável, enquanto o das negras aumentou 12%[6]. O Brasil está como a 3.ª maior causa de morte na faixa etária entre 15 e 44 anos é a 6ª maior causa de incapacitação. No contexto nacional, são registrados cerca de 12 mil suicídios todos os anos. Cerca de 96% dos casos de suicídio estavam relacionados a transtornos mentais: depressão, seguida do transtorno afetivo bipolar, abuso de substâncias psicoativas, esquizofrenia dentre outros[6][7].
Além disso, vale observar como o Suicídio afeta populações mais vulneráveis de formas mais intensas. Estudos apontam que adolescentes LGBT são cinco vezes mais propensos a tentar suicídio do que os heterossexuais. Fatores como a não aceitação da sexualidade pelo próprio indivíduo, por sua família e a homofobia perene na sociedade são fatores apontados como fatores de risco. Em contraponto, adolescentes que vivem e estudam em locais que aceitam melhor gays e lésbicas têm 25% menos probabilidade[8][9][10].
Outro grupo populacional extremamente vulnerável e que carece de especial atenção está nos povos indígenas. Segundo Conselho Indigenista Missionário, os casos de suicídio entre as populações indígenas no Brasil cresceram entre 2016 e 2017 cerca de 20%, sendo os jovens, as principais vítimas. No ano de 2018, 101 casos de lesões auto inflingidas/ suicídios foram registradas. Como ocorre juntamente aos casos de Suicído/ lesões auto inflingidas como um todo, este item sofre com a subnotificação[2][11].
O estigma em relação ao tema impede a procura de ajuda, o que poderia evitar mortes, além de dificultar um entendimento melhor sobre a temática. Da mesma forma, sabe-se que abordar o fenômeno do suicídio de forma responsável (sem alarmismo ou espetacularização) opera mais como um fator de prevenção que como fator de risco[4, 7].
Com relação à intencionalidade suicida, a motivação da pessoa nem sempre é a morte. Há vários mecanismos mentais que motivam alguém ao ato. Então, num primeiro momento, o indivíduo muitas vezes expressará o fator desencadeante último, mas é importante que os profissionais estejam abertos, sejam sensíveis e empáticos para tentar entender e reconhecer onde está doendo, o que de fato tem se passado na história dessa pessoa[4].
Ainda em 2020 existem barreiras a serem superadas na abordagem a pessoas nesse nível de sofrimento: crenças errôneas, tabus, julgamentos. O medo de perguntar e não saber o que fazer, principalmente, dos profissionais de saúde, que por não saberem lidar com a situação, preferem se esquivar do envolvimento com certo receio de “sentirem-se responsáveis por dar a ideia ao sujeito”, por isso, optam pela omissão frente a uma situação de risco.
Neury Botega criou um interessante mnemônico para auxiliar no suporte a pessoas em risco de suicídio: ROC.[12][13]
Sinais para procurar na história de vida e no comportamento das pessoas:
Achar um lugar adequado onde uma conversa tranquila possa ser mantida com privacidade razoável. O próximo passo é reservar o tempo necessário. Pessoas com ideação suicida usualmente necessitam de mais tempo para deixarem de se achar um fardo e precisa-se estar preparado mentalmente para lhes dar atenção. A tarefa mais importante é ouvi-las efetivamente. “Conseguir esse contato e ouvir é por si só o maior passo para reduzir o nível de desespero suicida.”
Auxiliar a pessoa a chegar a uma assistência adequada para a abordagem da crise. Nesse quesito, ainda é importante que se pense em fortalecer e equipar a rede de saúde mental no Brasil mais homogeneamente, visto que nem todos os municípios possuem suporte e estruturas adequadas para receber a demanda em saúde mental. Nesse contexto, também verificamos a importância de capacitar os profissionais da atenção primária para auxiliar com precisam no primeiro contato a esses usuários e a identificar os indivíduos de maior risco.
Por fim, conforme discutido no ensaio filosófico sobre o mito de Sísifo, de Albert Camus, o homem vive sua existência em busca de sua essência, do sentido da vida, mas encontra um mundo desconexo, cruel e guiado por entidades sociais e ideológicas sufocantes[14]. Nesse ponto, conclui-se que a solução em não encontrar um sentido na vida não deveria ser o suicídio, mas sim a revolta. Todavia, o grande desafio é transformar em revolta criativa o que antes se mostra como um convite ao suicídio. Talvez, esse seja o grande papel dos profissionais de saúde, tentar levar as pessoas a esse entendimento na busca e compreensão de si mesmas e no enfrentamento diário das “pedras” que precisam deslocar apresentadas diante de seus caminho.