* Camila Vescovi é médica de família e comunidade no ES, coordenadora do GT de saúde ambiental e professora; Mayara Floss é residente de Medicina de Família e Comunidade no Grupo Hospital Conceição, coordenadora da Rural Seeds – World Rural Doctors in Training e membro da Executiva Internacional da WONCA Rural Working Party.
O que é Saúde Ambiental?
Saúde Ambiental estuda a interação entre o meio ambiente e a saúde humana. É caracterizada pela transdisciplinaridade e a nossa vivência em um sistema complexo. É interessante pensarmos que a etimologia da palavra complexo vem de complexus que significa o que é tecido junto, assim as nossas ações influenciam o ambiente e vice-versa.
Como é aplicada na Atenção Primária?
Por exemplo, atualmente o simples ato de respirar está matando 7 milhões de pessoas por ano e prejudicando bilhões a mais, isso por causa da poluição do ar. A poluição do ar é considerada “o novo tabaco”, isso foi dito pelo chefe da Organização Mundial da Saúde o Dr. Tedros Adhanom. E certamente este é só um dos aspectos. Os efeitos do meio ambiente, bem como das mudanças climáticas na saúde podem ser categorizados como diretos (por exemplo, insolação/estresse por calor), indiretos (por exemplo, doenças mentais em refugiados ambientais – como pessoas que tiveram áreas alagadas) ou mediados por sistemas sociais (por exemplo, deslocamento da população após secas ou conflitos). (1)
Os fatores ambientais afetam diretamente a saúde, principalmente nos grandes centros. Como promover uma diminuição de danos e riscos?
Como os médicos de família e comunidade estão na linha de frente da proteção da saúde, assim, é importante que reconheçamos as interligações entre mudanças no meio ambiente e impactos emergentes na saúde. Embora os desafios ambientais globais apresentem riscos enormes para nossa saúde e bem-estar, eles também oferecem oportunidades de ação. Os médicos de família e comunidade tem um papel central na preparação, mitigação e adaptação de urgências globais como as mudanças climáticas. Gostaria de convidá-los para ler a Conclamação para a ação dos MFCs do mundo pela saúde planetária, lançada este ano pela WONCA e a Planetary Health Alliance (2).
As médicas e médicos de família e comunidade podem abordá-la de qual forma com os pacientes? E em quais espaços?
Não existe um “Planeta B”, existe só este local que estamos vivendo e morando. Quando pensamos em “jogar o lixo fora” podemos refletir no que significa “o fora”, afinal faz parte do mesmo sistema. Enfrentar nossos desafios ambientais e de saúde globais depende, em última análise, de cada um de nós – parte desde não usar copos plásticos até orientações sobre ondas de calor. Todas as nossas pequenas ações se acumulam: como exercemos nosso poder político, o que compramos, o que comemos, como viajamos, como trabalhamos em conjunto com nossas comunidades e como agimos como administradores do nosso ambiente. O médico de família e comunidade pode trabalhar conscientizando as comunidades, buscando oportunidades de soluções, preparando-se e respondendo aos resultados negativos de saúde associados a perturbações em nossos sistemas naturais, bem como trabalhando diretamente em formas de práticas sustentáveis, preparação para lidar, por exemplo, com ondas de calor, informar os pacientes sobre poluição do ar e etc (2).
As faculdades de medicina já implementaram a Saúde Ambiental como disciplina? Como é o ensino e abordagem do tema na graduação?
Esse é um tencionamento que devemos fazer nas nossas universidades e espaços de ensinagem. O tema ainda é abordado como um mosaico no Brasil e carece de aparecer de forma mais estruturada nos currículos dos profissionais de saúde. Enquanto não entra no currículo oficial, acredito que módulos, aulas, provocações e também o papel das Ligas Acadêmicas no Brasil podem ser caminhos para a construção deste conhecimento.
Quais as diferenças entre saúde planetária e saúde ambiental?
A saúde ambiental concentra-se de forma geral na exposição humana ao meio ambiente como um risco para a saúde e não leva em consideração a saúde do meio ambiente (exceto quando isto cria um risco para a saúde humana), enquanto a Saúde Planetária considera a saúde dos seres humanos e a saúde das pessoas no ambiente natural e como eles interagem. O foco da Saúde Planetária é mais global e o objetivo é desenvolver e avaliar soluções baseadas em evidências para proteger um mundo equitativo, sustentável e saudável – para os humanos e os seus sistemas naturais (3, 4). Historicamente a saúde ambiental estava mais focada na saúde ocupacional, porém o termo também foi se atualizando com o tempo e hoje de certa forma os conceitos se aproximam mais. (3, 4).
Abordando um tema recente, como as queimadas da Amazônia podem impactar diretamente a saúde e bem-estar, não apenas da população que sofreu impactos da fumaça, mas os prejuízos globais?
As queimadas têm presença de partículas finas conhecidas como PM2,5 que estão associadas positivamente à ocorrência de baixo peso ao nascer em cidades da Amazônia brasileira e também estão relacionadas ao alto risco de doenças respiratórias em crianças e idosos (principalmente já com doenças respiratórias), altas taxas de internações hospitalares e alterações da respiração. As emissões totais de Dióxido de Carbono – principalmente do desmatamento da Amazônia – representaram aproximadamente 70% das emissões totais de GEE do Brasil em 2005 e 50% em 2016. Isso influencia diretamente a saúde do planeta, você não queima a Amazônia no Norte do Brasil e acha que o resto do país (e o mundo não vai sofrer). Isso é tão grave que no ritmo de desmatamento que estamos vivendo agora a Amazônia está chegando próximo ao “tipping point” ou “ponto de inflexão” que pode levar a uma savanização irreversível da maior parte da floresta amazônica(5). Isso irá alterar todo o nosso sistema climático afetando o ciclo hidrológico ao nível global. Uma das maiores dificuldades dos brasileiros é não reconhecer a suas riquezas, a cada metro de desmatamento a gente perde em estudos, conhecimentos e ciência. Nenhum país no mundo enriqueceu plantando soja ou criando gado, precisamos pensar em nossas prioridades e potenciais – junto com a população local e sua sabedoria, incluindo a população indígena e não massacrando ela. Recomendo a leitura da Recomendação Política do Lancet Countdown sobre as mudanças climáticas no Brasil (6).
Existem especializações no Brasil?
Existem especializações das áreas mais transdisciplinares, mas é um campo que tem muito a desenvolver no país.
Sobre o GT:
O Grupo foi fundado durante o CBMFC 2019. Por que a necessidade de formar um grupo sobre o tema?
Na realidade o grupo já existia, porém estava inativo. No CBMFC 2019, após uma conversa sobre propostas para o CBMFC 2021, surgiu a ideia, através do Enrique Barros, da reativação deste GT. Além de saúde ambiental ser um tema em evidência e de grande importância para os médicos de família e comunidade, será o tema do próximo congresso “Saúde e Sustentabilidade, do Meio Ambiente aos Sistemas de Saúde”. Pensamos que, com o fortalecimento e crescimento do grupo, podemos envolver um número maior de pessoas e conquistar, a cada dia, um número maior de adeptos e interessados em saúde planetária. Com isso a medicina de família e comunidade ganha, o congresso ganha e a saúde ambiental ganha!
Para participar, quais são os pré-requisitos?
Você pode participar colaborando com nosso grupo de emails, onde dividimos informações. Para fazer parte, basta enviar um email para saudeambientalsbmfc@googlegroups.com solicitando a participação. Além disso, para se tornar um membro ativo, o participante deve estar vinculado a pelo menos um projeto apoiado pelo GT e ir ao encontro presencial programado em todos os congressos brasileiros de MFC.
Quais são as atividades programadas para o segundo semestre de 2019?
III Simpósio de Saúde Planetária de Porto Alegre nos dias 16 e 17 de dezembro
Lançamento do Lancet Countdown 2019 em novembro de 2019 (ainda sem data definida).
Referências