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Por que as mulheres morrem e sofrem ao dar à luz no Brasil?

28 de maio de 2019

Nove em cada 10 mortes maternas podem ser evitadas. Achou esse dado alarmante? O que mais assusta, são as causas dessas mortes e os impactos da violência sofrida pelas mulheres durante o situações de abortamento, gestação, parto e puerpério. No Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna, datado em 28 de maio, a SBMFC reforça a importância da participação dos médicos de família e comunidade no combate ao problema que passa também pela Atenção Primária. 

Segundo o Ministério da Saúde, cerca de 92% das mortes maternas ocorrem por causas evitáveis. Isso significa que 9 entre 10 mulheres morrem por problemas que poderiam e deveriam ser solucionados pela assistência a saúde, seja durante o pré-natal, seja durante o parto e pós parto, mostrando a importância da temática ser trabalhada por profissionais da Atenção Primária à Saúde e não só pelos envolvidos na atenção hospitalar.

Quando a morte de uma mulher é considerada materna? Quando ocorre na gestação, durante o parto e até 42 dias depois do parto é considerada morte materna.

Ainda segundo o MS, as principais causas são hipertensão e hemorragia. E como todos os médicos de família e comunidade sabem, são problemas que podem ser reduzidos e tratados durante o pré-natal, com prevenção e acompanhamento de riscos. Por mais que o acesso ao pré-natal esteja em processo de avanço, agregando mais de 92% das gestantes usuárias do SUS, ainda é preciso se discutir sobre a qualidade do acompanhamento e também as formas de abordagem dos procedimentos que são feitos durante a gestação e principalmente durante o parto.

Segundo a pesquisa nacional Nascer no Brasil”, somos um país com elevada taxa de Mortalidade Materna (MM), de 62/1000.000 nascidos vivos e que no ano de 2017 aumentou para 64/100.000 nv, aumento esse que foi maior no Norte e Nordeste, segundo o Ministério da Saúde. A redução da Mortalidade Materna foi um dos piores indicadores que o Brasil apresentou quando prestou contas às Nações Unidas, em 2015, sobre o cumprimento dos Objetivos do Desenvolvimento do Milênio. Entre 1990 e 2015 o Brasil reduziu a MM em 43%, mas o compromisso era de redução de 2/3, ou seja, 66%, apesar de nesse intervalo de tempo a cobertura da atenção pré-natal e da assistência ao parto hospitalar tornaram-se universais, abrangendo praticamente todas as mulheres.

Violência Obstétrica: precisamos falar dela

Realidade não só no Brasil mas no mundo todo, milhares de mulheres relatam sofrer violência em um dos momentos mais vulneráveis da vida: no parto. Segundo o artigo “Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer”, publicado na Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, a prevalência de violência obstétrica no Brasil é alta: ¼ das mulheres relatam terem sofrido maus-tratos durante o atendimento ao parto, além de excesso de intervenções desnecessárias (uso de ocitocina e/ou episiotomia como rotina).

Segundo o artigo, a expressão “violência obstétrica” (VO) é utilizada para descrever e agrupar diversas formas de violência (e danos) durante o cuidado obstétrico profissional.[1]

Essa violência é caracterizada por diversas formas, não apenas pela física, que se enquadra em procedimentos médicos coercivos ou não consentidos (incluindo a esterilização), recusa em administrar analgésicos e anestesia, contenção física com mordaça, mas também humilhações e abusos verbais, recusa de internação, violação de privacidade.

Grupos de vulnerabilidade

A mortalidade materna no Brasil é composta por mortes evitáveis que tem classe, raça/cor e idade. Estudos revelam maior risco entre as mulheres negras, mulheres residentes em regiões menos desenvolvidas, como o Norte e o Nordeste do país (RMM no Maranhão acima de 100/100.000 nascidos vivos e Santa Catarina, 40/100.000 nascidos) e entre as mulheres acima de 35 anos, estas por estarem expostas a uma maior paridade e comorbidades. . Em Pernambuco, 77% dos óbitos maternos em 2016 foram entre mulheres negras.

Adolescentes, mulheres mais pobres, analfabetas, moradoras de áreas rurais e favelas relatam negligência e atendimento em menor qualidade, segundo pesquisadores da Universidade de São Paulo.  [2] [3]

Qual o papel do médico de família e comunidade e dos profissionais da APS?

Na prevenção quaternária, são indicados dois tipos de ações:

  • individuais familiares e comunitárias realizadas na APS, associadas ao pré-natal pois apesar da elevada cobertura de pré-natal (98,7%) no Brasil, apenas 40% das mulheres afirmam ter recebido orientações sobre práticas benéficas para o trabalho de parto, sendo maiores as orientações sobre gravidade e sinais de risco. “É importante mudar essa visão e instrumentalizar o MFC para que oriente as gestantes e famílias quanto aos benefícios do parto natural e às possíveis complicações de intervenções questionáveis a fim de contribuir para o empoderamento das mulheres e suas famílias e para que elas possam exigir um atendimento obstétrico seguro e digno”, afirma o artigo “Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer” 

 

  • ações: em maior escala (social, política e institucional), sendo recomendado que entidades profissionais, como a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, se pronunciarem com seu apoio e ativismo social e político à causa do combate à Violência Obstétrica, à redução do excesso de cesarianas e à promoção de ambientes, serviços e atividades profissionais de boas práticas obstétricas.

Leituras recomendadas:

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos. Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. Diretrizes nacionais de assistência ao parto normal: versão resumida [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos, Departamento de Gestão e Incorporação de Tecnologias em Saúde. – Brasília : Ministério da Saúde, 2017.Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal. Disponível em <http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_nacionais_assistencia_parto_normal.pdf>

Prevenção e Eliminação de abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto em instituições de saúde. Declaração da Organização Mundial de Saúde, 2014. Disponível em <http://www.who.int/about/licensing/copyright_form/en/index.html>.

Referências: 

[1] Tesser CD, Knobel R, Andrezzo HFA, Diniz SG. Violência obstétrica e prevenção quaternária: o que é e o que fazer. Revista Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, 2015. Disponível em <https://www.rbmfc.org.br/rbmfc/article/view/1013>. Acessado em 27/05/2109.

[2] LEAL, Maria do Carmo et al. Intervenções obstétricas durante o trabalho de parto e parto em mulheres brasileiras de risco habitual. Cad. Saúde Pública [online]. 2014, vol.30, suppl.1. Disponível em: http://ref.scielo.org/dkh38f.

[3] Aguiar Janaína Marques de, d’Oliveira Ana Flávia Pires Lucas. Violência institucional em maternidades públicas sob a ótica das usuárias. Interface (Botucatu)  [Internet]. 2011 Mar [cited 2019 May 27] ; 15( 36 ): 79-92. Available from: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1414-32832011000100007&lng=en.  Epub Dec 10, 2010. http://dx.doi.org/10.1590/S1414-32832010005000035.