Por Renato Walch, presidente da Associação Paulista de Medicina de Família e Comunidade, filiada à Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade.
O significado de cuidar pode ter várias explicações, mas certamente realizar mais exames não está entre as opções. Uma promessa de campanha eleitoral dizendo "zerar" uma das filas mais sólidas do Sistema de Saúde do município é algo que chama a atenção de qualquer profissional da área que tenha um conhecimento mínimo do sistema público.
Havia um grande potencial em realizar um mutirão para atender a quem realmente necessitasse, ou para quem o exame trouxesse um grande benefício. O que de fato não aconteceu nesses três meses.
Mas afinal, quem são essas pessoas na fila, ou então, quais são esses exames? Ao contrário do que pode dizer o censo comum, ou mesmo aquilo que é estabelecido pela prática, há sim exames que podem não trazer benefícios, ou ainda pior, trazem malefícios.
Diariamente milhares de exames são solicitados com o pretexto de cuidar da saúde e muitos deles, infelizmente, sem uma indicação formal (nem como exame de apoio diagnóstico e nem como exame de rastreio), o que numa análise nada profunda pode ser um dos fatores complicadores da famigerada “Fila de Exames”.
Existem dois tipos de indicações: um exame ou um teste para apoio diagnóstico, quando a pessoa já apresenta algum sinal ou sintoma de um problema de saúde ou para rastreio, quando oferecido para um paciente assintomático ou que não tenha nenhuma clínica. A questão é que para um exame, laboratorial ou de imagem, ou ainda um teste, ser considerado um exame próprio para rastreamento (screening, check-up ou rotina) deve seguir alguns critérios bem estabelecidos cientificamente. Há ainda a indicação desse rastreamento ser feito por gênero, idade, ou ainda se apresenta fatores de risco para determinada condição de saúde.
Em geral, para uma pessoa saudável e que não esteja sentindo nada, ou seja, assintomática poucos testes, exames de rotina (rastreamento) serão necessários. Muitas pesquisas e estudos são realizados no mundo todo, por instituições sérias e renomadas em busca de ações que possam diagnosticar precocemente uma doença ou ainda uma alteração inespecífica que possivelmente possa causar algum dano à saúde.
Na prática do Médico de Família e Comunidade, diariamente somos confrontados com essas questões: pessoas que buscam saúde e entendem que para isso precisam realizar exames, ou ainda pessoas saudáveis, que não tenham nenhuma necessidade, com resultados de diversos exames solicitados inadvertidamente.
Há diversos tipos de exames que podem ser solicitados. O código de Ética defende a autonomia do profissional médico. Quando o paciente passa com o especialista focal por qualquer motivo, esse profissional lança mão do seu aparato técnico-diagnóstico para concluir a sua hipótese. Cada especialidade tem o seu roll de exames que fazem parte da prática cotidiana.
No Brasil, isso não é algo que seja comum, mas países que levam a sério o seu Sistema de Saúde Público, ou até mesmo nos Estados Unidos onde o Sistema é Privado, esse paciente, via de regra, não tem acesso direto ao especialista focal sem antes ter passado com o seu Médico de Família (Family Phisician), profissional cada vez mais requisitado e reconhecido, considerando os excessos de "Overdiagnosis e Overtreatment". Esse fato muda a lógica do sistema e coloca o paciente de frente com o especialista focal, quando de fato ele apresenta um problema que necessite disso.
A cultura e a prática do acesso irrestrito, livre e erradico do paciente ao especialista focal é uma escolha que a nossa sociedade fez há muitas décadas. Hoje, vê-se que isso tem um alto custo e que em alguns anos não conseguiremos mais pagar essa conta. No Sistema Público isso já acontece há algum tempo. No Sistema Suplementar, isso também vem acontecendo, mas com um fator de piora agravante que é o fato de pouco existir Atenção Primária à Saúde.
É uma importante discussão a ser feita não é o fato do especialista focal pedir ou deixar de pedir exames que são comuns à sua prática médica e, sim, discutir como um Sistema de Saúde (Público, suplementar ou privado) permite que o paciente qualquer consiga acessar esse profissional.