Texto número 21 da série sobre 16 dias de ativismo contra a violência relacionada ao gênero, organizada pelo Grupo de Trabalho Mulheres na MFC, com apoio de outros GTs.
Nas áreas rurais há muitas mulheres vivendo no campo e nas florestas. São agricultoras, indígenas e quilombolas que estão sujeitas a vários tipos de violência, como aquelas decorrentes da luta pela terra, pelo direito de nela viver e produzir. Este tipo de violência pode ser considerada estrutural e é importante ser identificada e reconhecida pelas equipes de Saúde da Família e Comunidade, além de outras modalidades de Atenção Primária à Saúde. A Comissão Pastoral da Terra tem publicações anuais sobre os “Conflitos no Campo no Brasil”. No documento lançado neste ano, há relatos de ações do Estado contra as mulheres do campo, como é o caso de Ana Flávia Nascimento, militante do Movimento dos Atingidos por Barragens, ameaçada de morte e perseguida por lutar por direitos (1).
Quando falamos especificamente de mulheres indígenas, sempre vem ao debate questões do senso comum sobre a cultura destes povos. Considerar a violência contra as mulheres parte da cultura indígena é um equívoco. Desde a Constituição de 1988, o direito sobre a terra e o respeito a seu modo de vida estão assegurados. Apesar disso, a ocupação ilegal (grilagem) e o garimpo são atividades que expõem as comunidades a doenças (como hoje a COVID-19), à fragilização de suas tradições e à violência.
Mais de 800 mil brasileiras e brasileiros são indígenas, de mais de 300 etnias, com tempos de contato com não-indígenas diferentes. A violência contra as mulheres é comum em etnias de contato mais antigo, intenso e menos protegido com culturas colonizadoras, desenvolvimentistas e patriarcais.
Além da violência estrutural, observam-se outros tipos de violências: patrimonial (por não ter assegurado o seu direito à terra); física e/ou psicológica (na relação com indígenas historicamente deslocados de sua cultura e/ou na relação direta e desprotegida com não-indígenas); institucional (na relação com profissionais e serviços de saúde que desrespeitam sua cultura e modos de vida, com governos que estimulam a exploração do trabalho indígena, e no isolamento e na dificuldade de usufruir das políticas de proteção). Dispositivos como a Lei Maria da Penha deveriam proteger as mulheres indígenas, porém são inúmeros os desafios que as mesmas enfrentam para acessá-los (2). Profissionais de saúde são peças-chave na identificação da violência e na proteção das mulheres, cabendo aos mesmos a construção de novas relações que envolvam a comunidade e suas lideranças e que promovam uma rede de proteção a essas mulheres.
Vivemos hoje um aumento significativo de práticas de violências por parte do próprio Estado Brasileiro, por meio do Racismo Institucional, que viola os direitos garantidos. Vemos falas de autoridades menosprezando povos quilombolas. Assim, consideramos essencial dar voz às lideranças e aos coletivos de mulheres indígenas e quilombolas (3), seja na cidade ou nos territórios, nos grupos de dança, nas associações de mulheres, nos grupos de parteiras e/ou de artesanato. É, portanto, fundamental o fortalecimento de uma rede feminina e para o enfrentamento deste tipo de violência.
Para saber mais, acesse: @mulheresindigenasequilombolas
Agradecimento especial para as mulheres indígenas que colaboraram com esta escrita:
Maria Gabriela Feitosa Pinheiro – Povo Indígena Kariri-Xocó
Braulina Aurora – Povo Indígena Baniwa
Elisa Urbano Ramos – Povo Indígena Pankararu
Cristiane Gomes Julião – Povo Indígena Pankararu
Sandra Monteiro de Souza – Povo Indígena Pankararu
@saudeindigena.grupo
Por Evelin Gomes Esperandio – http://lattes.cnpq.br/0443544527839084, Lia Haikal e Fernanda Pereira de Paula Freitas
Referências:
- Canuto A, Luz CR da S, Santos PCM dos. Conflitos no Campo: Brasil 2019. Centro de Documentação Dom Tomás Balduino. Goiania: CPT Nacional; 2020. 247 p.
- Tavares JB, Tupinambá PT, Gerlic S, Yãnami W, organizadoras. Pelas mulheres indígenas: das comunidades: Kariri-Xocó, Pankararu, Pataxó Hãhãhãe, Pataxó de Barra Velha, Pataxó de Dois Irmãos, Tupinambá de Olivença, Xokó, Karapotó Plaki-ô. Ilhéus, BA: Thydêwá; 2015. 62 p. (Índios na visão dos índios).
- Coletivo Purus. Contrapontos: mulheres indígenas em luta [Internet]. Articulação dos Povos Indigenas do Brasil. 2019 [citado 9 de novembro de 2020]. Disponível em: https://apiboficial.org/2019/10/06/contrapontos-mulheres-indigenas-em-luta/