Posicionamento

25 de julho de 2013

A diretoria da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) vem por meio desta nota expressar sua avaliação e sugestões em relação ao programa “Mais Médicos” lançado recentemente pelo Ministério da Saúde (MS).


Reconhecemos este momento como estratégico por vislumbrarmos pela primeira vez a Atenção Primária à Saúde (APS) no centro da agenda política nacional. O Brasil, diante das recentes políticas, volta seu olhar para as Unidades de Saúde (US) e reconhece sua importância, outrora concentrada na atenção hospitalar ou nas Unidades de Pronto-Atendimento (UPAs). Qualquer sistema de saúde de qualidade e custo-efetivo depende de uma APS forte.


Tanto o PROVAB quanto o “Mais Médicos” focam na dificuldade crônica que municípios do interior e das regiões periféricas das grandes cidades têm para conseguir médicos. A SBMFC considera legítima essa preocupação, pois acreditamos que a presença do médico é essencial em qualquer equipe de APS.


Contudo, entendemos que estas medidas emergenciais para o provimento de médicos devem vir acompanhadas de uma política consistente para a melhoria da qualidade dos serviços, de sua infraestrutura, da qualificação da rede de atenção e dos serviços de apoio ao diagnóstico e à terapêutica. Devem associar-se a políticas de médio e longo prazo para a contratação de profissionais (não só médicos) de modo que fortaleçam todos os atributos da APS: acesso facilitado, carteira de serviços abrangente, continuidade e coordenação do cuidado, orientação comunitária, abordagem familiar e competência cultural.


O programa Mais Médicos envolve três aspectos que serão comentados a seguir: 1 – a contratação imediata de médicos pelo Governo Federal; 2 – a possibilidade da vinda de médicos formados no exterior; e 3 – o segundo ciclo obrigatório nos cursos de medicina associado a expansão do número de vagas na graduação.

 

Mais Médicos


1. Sobre a contratação imediata de médicos para a Atenção Primária à Saúde (APS):


A SBMFC entende como fundamental um maior aporte de médicos para a APS. O Brasil conta com aproximadamente 33 mil equipes de saúde da família, muitas incompletas. Se adotarmos a mesma proporção utilizada em países com sistemas de saúde fortemente baseados na atenção primária, em que um médico é responsável por até 2.000 pessoas, visando atingirmos uma cobertura de 100% da população brasileira seriam necessários em torno de 100 mil médicos dedicados à APS.


O provimento emergencial de profissionais deve ser visto como uma solução temporária. A APS é dos lugares de maior complexidade e dificuldade de atuação na área da saúde. Acompanhar pessoas de diferentes faixas etárias, ao longo de suas vidas e atender a maioria das situações de saúde exige uma formação clínica bastante sofisticada. Por isso, consideramos que a residência em Medicina de Família e Comunidade (MFC) é o padrão-ouro para a formação desse profissional.


Para os locais de muito difícil provimento, regiões isoladas da selva amazônica, do semiárido nordestino, dentre outras, as melhores experiências falam de formas de contratação e regimes de trabalho especiais. Carreira de estado, remuneração específica, possibilidades de deslocamentos frequentes para grandes centros e tecnologia para apoio diagnóstico e terapêutico fazem parte do conjunto de estratégias que devem ser adotadas dentro de um plano de ação mais consistente para estas localidades.


Não podemos nos abster de dizer que vemos com preocupação o modelo de contratação escolhido pelo Ministério da Saúde para os profissionais do programa, tendo em vista que o pagamento na modalidade de bolsa não garante os direitos trabalhistas e previdenciários dos participantes e não estimula a continuidade dos mesmos no programa.


2. Sobre a vinda de médicos estrangeiros


Em nota anterior, a SBMFC já se pronunciou a respeito da vinda de médicos estrangeiros. Reconhecemos a necessidade de adequar a relação médico-população no Brasil e a possibilidade da contratação de médicos estrangeiros, desde que estes possuam domínio da língua, tenham sua formação recertificada pelos meios legais e não sejam cerceados em sua atuação através de uma licença parcial para o exercício da medicina seja por área de atuação ou por região geográfica.


A importação de médicos é uma medida usada nos países desenvolvidos porque é uma solução mais razoável do que a abertura emergencial de faculdades de medicina, ação demorada e que não garante a regulação do mercado para as necessidades do sistema de saúde.


Ressaltamos que em todos os países citados como exemplo para a importação de médicos pelo programa, estes são submetidos a processo de recertificação e após aprovados são tratados com os mesmos direitos e deveres dos médicos locais sem qualquer cerceamento de suas liberdades individuais. Pontuamos ainda que em muitos desses mesmos países os médicos estrangeiros após avaliação de suas competências são submetidos a um processo de treinamento em serviço sob supervisão no formato de residência médica com o objetivo de garantir a qualidade dos serviços e a segurança do paciente, mesmo que já tenham passado por processo semelhante em seu país de origem.


3. Sobre o segundo ciclo obrigatório para os formandos de medicina associado a expansão do número de vagas na graduação


A SBMFC considera fundamental a regulação pelo Estado da formação médica, foi dessa forma que outros países garantiram a quantidade e qualidade de médicos adequadas às necessidades de saúde da população.


Enaltecemos a preocupação de que os estudantes de medicina tenham maior e mais profundo contato com a APS, mas entendemos que a graduação em 6 anos pode e deve cumprir esse papel. Em nenhum país desenvolvido a graduação é terminal no sentido de formar um médico completamente pronto para atuação em qualquer área da medicina, por isso defendemos que a formação médica seja complementada pela residência médica, e que esta seja mandatória ao menos para a atuação no SUS.


Avaliamos que com a expansão das vagas de graduação ocorrida ao longo dos últimos anos o quantitativo de médicos que se formarão será suficiente para suprir as necessidades atuais do SUS, porém com o acrescimo de postos de trabalho necessários para se prover uma APS de qualidade dentro dos parâmetros internacionais reconhecemos que possa ser necessário um pequeno aumento em relação aos números atuais. Apesar disso, a simples ampliação de vagas de graduação sem regulação da formação de especialistas pode significar somente a perpetuação das distorções já existentes no sistema. Ou seja, o foco não deveria estar apenas nas vagas de graduação, mas na regulação do mercado, que é feita por meio de um conjunto de ações, sendo as duas principais o provimento ou compra da maior parte dos serviços de saúde do país pelo poder público (ou seja, financiamento público majoritário) e a regulação de vagas de residência com exigência de ter passado por esse processo de formação para atuar no sistema público. Essas ações precisam ser incorporadas pelo governo brasileiro em um plano estruturante.


Em relação ao que está proposto como 2º Ciclo formativo a SBMFC faz algumas contribuições:


1. Defendemos que até 2021 a residência médica se torne uma etapa obrigatória (substituindo a realização do 2º. Ciclo da graduação) para o exercício da medicina no SUS e que as vagas de Medicina de Família e Comunidade correspondam a 40% do total de vagas a exemplo do que ocorre em países citados como modelo pelo próprio programa;


2. Para os outros 60% de formandos defendemos que sejam oferecidas vagas em residência médica nas áreas de maior necessidade de atenção no país, utilizando-se de estudos com metodologia adequada para a definição da necessidade de especialistas;


3. Defendemos que entre 2013 e 2021 tenhamos políticas de estímulo ao crescimento e ao preenchimento das vagas de residência em Medicina de Família e Comunidade, com bolsas equivalentes às do PROVAB e às do “Mais Médicos” para residentes, preceptores e supervisores de programas.


Por fim, nos parece importante enfatizarmos que outras ações são fundamentais para que o SUS se torne de fato o “plano de saúde” da grande maioria dos brasileiros, apesar disso a SBMFC entende como necessário nesse momento ater-se às ações relativas ao programa “Mais Médicos” como forma de destacar os questionamentos e as oportunidades encontradas.


A Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade é uma sociedade médica científica que defende a organização de sistemas de saúde que ofereçam à população um cuidado abrangente e de acesso universal, com os melhores resultados em saúde e com a mais efetiva aplicação dos recursos públicos, nesse momento conturbado reafirmamos a nossa disposição em dialogar com o governo e as outras entidades na busca da construção de um sistema de saúde melhor e mais equanime.